quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Hendrik Verwoerd e o Apartheid


Hendrik Verwoerd é o cérebro do eficaz sistema de
segregação racial na África do Sul. Psicólogo e ex-assistente
social, o premiê cumpre uma carreira meteórica na política

O porta-voz do 'povo escolhido': fascinado pelos ideais do Nacional-Socialismo, Verwoerd defende política de 'boa vizinhança'

Se a intenção é a de desqualificá-lo, como muitos têm feito nos últimos dias, depois do Massacre de Sharpeville, comparar Hendrik Verwoerd ao homem mais odiado deste século XX, o inominável Adolf Hitler, representa um equívoco retumbante. “Estou no caminho certo”, deve pensar, feliz, o primeiro-ministro da África do Sul, ao ver-se incluído a tão seleta companhia. De todo modo, ambas as informações, infelizmente, procedem. Se, em termos de eficácia genocida, Verwoerd ainda está a léguas de distância do nazista, é seguro dizer que, em termos governamentais e políticos, seu trabalho de legitimação e institucionalização do racismo é de fazer inveja a Hitler. Desde que chegou ao governo, em 1948, com a vitória do Partido Nacional nas urnas, o hábil político erigiu em seu país um arcabouço institucional de segregação de dar inveja ao Führer. Como reclama a comunidade internacional, seus ideais arianos de intolerância e de opressão são completamente alheios ao progresso da história – mas encontram eco nos delírios eugênicos de Hitler, para desespero do planeta.

Nascido em Amsterdã, na Holanda, em 1901, Verwoerd mudou-se para a África do Sul com apenas dois anos de idade – seu pai era um grande simpatizante da causa africâner. Graduado com honras em Filosofia e Psicologia na Universidade Stellenbosch, recusou uma bolsa de estudos em Oxford e decidiu, em 1925, seguir para a Alemanha, onde ficou até 1928, como aluno nas Universidades de Berlim, Leipzig e Hamburgo. Muitos especulam que, nesse período, Verwoerd teria se entorpecido pelos princípios do Nacional-Socialismo alemão. De volta à África do Sul, tomou parte em programas de assistência social a brancos pobres, tornando-se referência na área. Na segunda metade da década de 1930, assumiu a edição do jornal Die Transvaler, veículo de propaganda do nacionalismo africâner. Tal ideologia via os africâners – de ascendência holandesa, em sua maioria – como “o povo escolhido” na África do Sul, e desprezava e combatia a presença de negros, judeus e habitantes de língua inglesa (herança antibritânica cultivada desde a época da Guerra dos Bôeres).

Ao mesmo tempo em que assumiu a chefia do Die Transvaler, Verwoerd começou sua vida política, como líder do recrudescente Partido Nacional da África do Sul na região do Transvaal. Após o triunfo nas eleições gerais de 1948, o primeiro-ministro Daniel Malan convocou o ex-editor para assumir o Ministério de Assuntos Nativos. Nesse momento, Verwoerd conseguiu colocar em prática todas as suas habilidades para preparar as bases que suportariam o regime de segregação racial planejado pelos nacionalistas. O sucesso das diversas legislações do apartheid transformou o ministro em uma das estrelas do Partido Nacionalista. Em 1958, com a morte do primeiro-ministro Johannes Gerhardus Strijdom (que havia assumido após a aposentadoria de Malan), Verwoerd é eleito primeiro-ministro da África do Sul, e passa a rodar o mundo para fazer a defesa internacional do sistema segregacionista de seu país. “O apartheid é a política da boa vizinhança”, costuma declarar, diante de platéias atônitas.

Com o regime em pleno e perfeito funcionamento, Verwoerd tem, nos últimos anos, se dedicado a concretizar o sonho dos nacionalistas desde que estes chegaram ao poder: a criação de uma república da África do Sul. Em janeiro último, o primeiro-ministro anunciou a convocação de um referendo para determinar a questão republicana. O assunto deve render muita polêmica neste ano. No início de fevereiro, o primeiro-ministro britânico Harold Macmillan, em visita à África do Sul, sinalizou em discurso ao parlamento que a Grã-Bretanha estaria disposta a conceder a independência a suas colônias na África – a política britânica de descolonização dos trabalhistas, iniciada em meados dos anos 1940, foi interrompida com a ascensão dos conservadores, em 1951, e se manteve inerte durante toda a década. Entretanto, Macmillan fez críticas ao sistema segregacionista da África do Sul, o que poderia emperrar o processo. “São os ventos da mudança”, declarou, dizendo que cada vez mais as populações negras, maioria no continente, querem para si o legítimo direito de governar seus países. Verwoerd rebateu, demonstrando, mais uma vez, seus devaneios. “Somos as pessoas que trouxeram a civilização à África. Fazer justiça significa não apenas ser justo com os negros da África, mas também com os brancos da África.”
Revista Veja

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