quinta-feira, 28 de outubro de 2010

A Última Semana. Um relato detalhado dos dias finais de Jesus

Marcus J. Borg e John Dominic Crossan, A Última Semana. Um relato detalhado dos dias finais de Jesus. Rio de Janeiro, Ediouro, 2010, tradução de Alves Calado, 268 pp., ISBN 9788561706999.
Pedro Paulo A. Funari
Professor Titular do Departamento de História, IFCH/Unicamp, C. Postal 6610, Campinas, 13081-970,
SP, ppfunari@uol.com.br.

A Semana Santa é o ápice do calendário cristão, toda a fé está fundada nos dias finais de Jesus, que culminam no Domingo de Páscoa. Como disse Paulo de Tarso, se Jesus não ressuscitou, não há salvação cristã (I Cor. 15:14: “Se Cristo não ressuscitou, nossa proclamação e a fé de vocês foram em vão”). Os estudiosos do cristianismo inicial Borg e Crossan procuram, neste belo volume, explicar o caráter simbólico do relato da vida de Jesus e, em particular, dos seus últimos dias, como sumário de sua trajetória terrena. Não estão nem um pouco interessados em estabelecer, restabelecer, o que efetivamente aconteceu, buscar distinguir fato de ficção. Ao contrário, mostram, de maneira magistral, como apenas uma leitura alegórica, ou parabólica, como eles preferem designar, permite entender a lógica e profundidade do relato de Marcos sobre os dias finais de Jesus. Convém explicar o que eles entendem por parábola e como ela se diferencia da concepção moderna de verdade. Contrapõem a verdade positivista de algo que ocorreu e todos podem constatar de forma objetiva à subjetividade que está subjacente a uma narrativa verossímil, possível. A parábola do filho pródigo é, nesta perspectiva, prenhe de verdade, por conter uma lição: o filho gastador se afasta, gasta tudo e, quando volta para casa, é recebido pelo pai com júbilo. Ninguém se pergunta se existiu um filho chamado tal, que tenha vivido em tal cidade, em tal época: o que importa é seu caráter universal. O mesmo é aplicado pelos autores a todos os relatos do Evangelho de Marcos e, em particular, no que se refere à sua entrada em Jerusalém, no Domingo de Ramos, até sua ressurreição no Domingo de Páscoa.
Seus argumentos são simples e claros. O relato de Marcos é grande parábola, não precisa ter nenhuma relação muito direta com os acontecimentos que uma câmera de gravação teria podido captar, se isso fosse possível àquela época. Interpretam toda a semana como uma contraposição de dois mundos, ou de duas concepções de mundo: a imperialista romana, baseada na força, e a messiânica hebraica, fundada no amor, na paz e na justiça na terra. A primeira representa a sociedade de classes, opressora, por oposição à visão camponesa da comunidade que tudo compartilha. Jesus entra montado num burrico, numa contra-parada, em relação à entrada de Pilatos e suas tropas, no Domingo de Ramos. Há dois reinos de deus em disputa: o de Roma, do imperador, aclamado como deus e filho de deus, fundado na paz resultante da violência e da dominação. E há outro reino de Deus, também nesta terra, com Jesus como Deus e filho de Deus, um caminho para a paz resultante do amor pelo próximo.
Em Marcos, nada busca descrever o que aconteceu. Tudo que se menciona tem um propósito simbólico. Assim, na terça-feira santa, Jesus, perguntado sobre o primeiro dos mandamentos, responde que “amarás o teu próximo como a ti mesmo” está junto com o amor a Deus, na frente de todos. Borg e Crossan não dizem que Jesus disse isso na terça: pouco importa. Ressoa o ensinamento de Jesus, de toda sua vida, tal como entendida por volta de 70 d.C., quando da redação do Evangelho de Marcos. E acrescentam: “amar o próximo significa recusar-se a aceitar as divisões entre respeitados e marginalizados, justos e pecadores, ricos e pobres, amigos e inimigos, judeus e gentios”.
A Páscoa, nesta leitura simbólica, representa que Jesus vive: não está entre os mortos, e sim entre os vivos. Jesus é o Senhor deste mundo e, portanto, os senhores deste mundo não o são. A Páscoa mostra que os sistemas de dominação deste mundo, como o romano e o americano, nos dias de hoje, não são obras de Deus e não persistirão. Nem todos os leitores compartilharão dessa perspectiva geral do volume, que interpreta as narrativas do Evangelho de Marcos e a vida de Jesus como entendida por seus seguidores iniciais como uma contestação da dominação de classe. No entanto, há um aspecto muito importante, bem explorado pelos autores: as diferenças de concepção do mundo dos antigos, sempre atentos à magia do mundo e alheios à noção moderna de fatos empíricos e de verdades objetivas que não dependam do observador.
Os antigos, tanto gregos, romanos com hebreus, consideravam o mundo embebido em espiritualidade. O Salvador do mundo, com poderes divinos, podia ser o imperador ou Jesus, mas ambas as concepções eram religiosas e simbólicas. Por isso mesmo, a ressurreição de Jesus era tão crível quanto a ascensão do imperador morto ao mundo dos deuses. Por outro lado, a mensagem dos autores vai contra a leitura literal da Bíblia por fundamentalistas, uma leitura positivista, como eles afirmam, que busca apenas comprovar que tudo ocorreu como descrito, a despeito das contradições e divergências nos próprios textos antigos. A grande mensagem do volume consiste em mostrar o relato da Páscoa em todo seu rico simbolismo.

Revista Alétheia

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