segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Semana Rio de Janeiro

VALONGO: MERCADO DE VIDAS


VALONGO: MERCADO DE VIDAS


É na rua do Valongo que se encontra, no Rio de Janeiro, o mercado de negros, verdadeiro entreposto onde são guardados os escravos chegados da África. Às vezes pertencem a diversos proprietários e são diferenciados pela cor do pedaço de pano ou sarja que os envolve, ou pela forma de um chumaço de cabelo na cabeça inteiramente raspada.

Essa sala de venda, silenciosa o mais das vezes, está infectada pelos miasmas de óleo de rícino que se exalam dos poros enrugados desses esqueletos ambulantes, cujo olhar furioso, tímido ou triste, lembra uma menagérie. Nesse mercado, convertido às vezes em salão de baile por licença do patrão, ouvem-se urros ritmados dos negros girando sobre si próprios e batendo o compasso com as mãos; essa espécie de dança é semelhante à dos índios do Brasil.

Os ciganos, traficantes de negros, verdadeiros negociantes de carne humana, não cedem em nada a seus confrades negociantes de cavalos; por isso deve-se tomar precaução e levar consigo um cirurgião quando se quer escolher um negro nesses armazéns, a fim de fazer passar o escravo pelas provas e exames necessários.

Às vezes, entre esses escravos recém-desembarcados, encontram-se negros já civilizados, que fingem de xucros e dos quais é preciso desconfiar, pois dissimulam certamente quaisquer imperfeições físicas ou morais, que impediram fossem vendidos diretamente.

Esse exame deve ser muito minucioso, porquanto se escapar ao olhar do inspetor qualquer defeito físico no negro vendido, o comprador, ao sair do armazém, já não terá o direito de trocá-lo, costume esse sancionado por diversas sentenças dos tribunais. Darei um exemplo: um belo negro de grande estatura, comprado num desses armazéns com toda a confiança que inspirava seu físico soberbo, conservara durante o exame uma laranja na mão, com uma aparência de desenvoltura ensinada pelo vendedor. O estratagema deu resultado e o negro chegando à casa de seu novo dono, sempre com a laranja na mão, só a largou para mostrar um defeito na articulação de um dos braços e o comprador, embora enganado, teve que guardá-lo.

[1834-1839]

(Jean Bapstiste Debret. In BANDEIRA, Manuel; ANDRADE, Carlos Drummond de. Rio de Janeiro em prosa e verso)

Revista Jangada Brasil

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