quinta-feira, 5 de março de 2009

Beowulf, o livro perdido

Poema heróico anglo-saxão, que quase foi destruído em um incêndio, retrata como era a vida do povo nórdico da época e mostra de onde vinha a coragem dos guerreiros no campo de batalha

POR RODRIGO GALLO

A chamada Era Viking, marcada pela expansão dos povos nórdicos pelo mar, sobretudo para as Ilhas Britânicas, começou no século VIII, quando navegadores escandinavos passaram a sair de suas terras com mais freqüência para buscar tesouros, riquezas e praticar pilhagens. Porém, a coragem e a inspiração desses bravos conquistadores são mais antigas e sua origem pode remontar aos tempos antes na própria Escandinávia. O poema heróico anglo-saxão Beowulf, provavelmente compilado por volta do ano 1.000, mas composto nos séculos anteriores, é uma boa referência para entender o povo da região na Idade Média. Embora tenha sido escrito com uma conotação cristã - nota-se isso pelas referências ao deus do cristianismo na obra - é possível identificar no texto as motivações heróicas de seus personagens, típicas dos guerreiros da época que entravam em guerra em busca de aventuras e glória.

Trecho do manuscrito de Beowulf, encontrado em um mosteiro inglês.

O poema, que quase foi destruído em um incêndio, é considerado o primeiro texto da literatura anglo-saxã, ainda escrito no chamado Old English (o inglês arcaico). Desde sua descoberta, o livro tem inspirado pesquisadores de literatura inglesa de diversas partes do mundo. Um dos mais notórios estudiosos de Beowulf, que popularizou a obra no século passado, foi John Ronald Reuel Tolkien, autor da trilogia O Senhor dos Anéis, O Hobbit, Silmarillion e outros. Neste mês, a história do guerreiro nórdico chegará aos cinemas em uma versão do diretor Robert Zemeckis. Trata-se de uma animação feita por computador produzida pela Paramount Pictures.

Embora Beowulf seja um texto literário, nem tudo no poema é fruto da criatividade do autor - ainda desconhecido. Boa parte da obra realmente retrata com precisão o comportamento e o pensamento dos escandinavos da Idade Média pré-cristã e pré-viking. Beowulf narra a aventura do personagem de mesmo nome, um valoroso guerreiro que viaja à região onde hoje fica a Dinamarca, com um pequeno grupo de aliados para enfrentar uma monstruosa criatura chamada Grendel. A fera estava dizimando os habitantes do reino de Hrothgar, que nada conseguia fazer para expulsá-la. Movido pela coragem e pela bravura de um legítimo nórdico, Beowulf vai rumo ao desconhecido para se confrontar com o monstro e, mais à frente, com a própria morte - sem nunca recuar nas batalhas. Segundo especialistas, o poema mostra com clareza a forma como viviam os antigos combatentes das terras da Escandinávia. Se fosse preciso, eles realmente se lançariam à morte para defender o que acreditavam ser o correto. É a chamada Teoria da Coragem do Norte.

De acordo com Terje Spurkland, professor do Instituto de Lingüística e Estudos Nórdicos da Universidade de Oslo (Noruega), Beowulf pode ser considerado um poema heróico pré-viking, composto oralmente entre os anos 700 e 750. Segundo o historiador Elton Medeiros, mestre em história pela USP e especialista no poema anglo-saxão, o texto de Beowulf surgiu a partir da tradição oral e, posteriormente, foi compilado com outros textos: A Paixão de São Cristóvão, As Maravilhas do Oriente, A Carta de Alexandre para Aristóteles, Beowulf e Judite, os dois primeiros escritos em prosa e os demais em verso.

Acima, Convidados do além–mar do pintor russo Nicholas Roerich (1874-1947). A obra retrata a chegada dos vikings conhecidos no Oriente como varegues nas planícies do Volga. Os nórdicos chamados Rus fundaram o principado de Kiev e emprestaram seu nome à Rússia e à Bielo-Rússia.

Calcula-se que esse codex dos textos tenha sido feito entre os anos de 975 e 1025 (por isso a adoção do ano 1.000), portanto, pode ter sido escrito após a cristianização dos vikings. A versão que chegou até os dias atuais passou muitos anos guardado em uma igreja sem receber a devida importância. Portanto, pouco se sabe com certeza sobre a origem da tradição do herói do poema. “Nos manuscritos originais há dois textos religiosos e outro contando a saga de Alexandre, e Beowulf está perdido no meio. Outra teoria é que a compilação desse códice no qual Beowulf integra fosse, talvez, um livro contando história de aventuras de monstros, pois as narrativas religiosas também tratam de combates”, argumenta Medeiros. “Beowulf, então, é uma espécie de quimera, pois é uma compilação estranha: há uma mistura de dialetos de diversas partes da Inglaterra e ninguém tem certeza de quando essa tradição realmente surgiu, na verdade”.

O historiador Johnni Langer, pós-doutorando pela Universidade de São Paulo (USP), coloca em dúvida a idéia de que o texto tenha sido desenvolvido inicialmente no século VIII e, depois, reunido em um único material. “Tradicionalmente, a data de composição do poema gira entre os séculos VII e VIII, primeiramente pele forma oral. Depois, com a influência da língua latina, houve a preservação do manuscrito no ano 1.000”, diz. “Porém, acredito que a obra foi composta oralmente e escrita ao mesmo tempo, no ano 1.000. O dragão das mitologias germânica e escandinava não tinha asas e era praticamente uma grande serpente, como a criatura que enfrenta Th or durante o Ragnarök. Mas Beowulf se confronta com um dragão alado que cospe fogo no fim da narrativa, e essas criaturas só surgiram por volta do ano 1.000 por causa do cristianismo, pois é uma alusão ao próprio demônio”, argumenta.

Pedra com escritos rúnicos localizada na Suécia. A mensagem celebra Assur, que morreu em 1010 lutando pelo imperador bizantino e relata a morte de outros dois vikings.

JORNADA DO MANUSCRITO
Polêmicas à parte, importa que o poema conseguiu transcender os séculos e chegar aos leitores contemporâneos. Mas o caminho não foi fácil. No século XVI, o manuscrito passou para as mãos do antiquário Lawrence Nowell, que assinou seu nome na primeira página do épico em 1.565 - dando a impressão de que ele era o autor. Nos anos seguintes, o material foi passado para sir Robert Bruce Cotton, que o manteve em seu acervo pessoal. Porém, em 1.731, Beowulf quase foi destruído em um grande incêndio. As margens do papel e algumas palavras ficaram danificadas. Na última tradução lançada no Brasil, pela editora Tessitura, o tradutor Erick Ramalho deixou alguns poucos trechos marcados com asteriscos, pois essas passagens são indecifráveis.

Por fim, o manuscrito foi entregue à British Library, na Inglaterra, onde permanece arquivado até hoje. Oficialmente, Beowulf se chama Cotton Vitellius A. XV. O motivo é simples: pertencia a Robert Bruce Cotton e estava arquivado na estante A, onde era o 15º livro da prateleira e ficava ao lado do busto do imperador romano Vitellius. Porém, é conhecido pelo nome do personagem principal da narrativa justamente por se desconhecer o autor.

Os deuses pagãos eram apresentados ao povo
escandinavo como grandes guerreiros, dotados
de virtudes de combate, força e temeridade

É possível perceber que, embora seja um poema heróico sobre o povo escandinavo, o manuscrito sempre esteve em solo inglês onde foi escrito e possivelmente compilado. O que chama a atenção dos especialistas é o fato de Beowulf estar carregado de elementos religiosos cristãos e não pagãos. “Até o começo da década de 1930 acreditava-se que Beowulf era um texto pagão que havia sofrido algum processo de cristianização por monges ou copistas nos anos seguintes a sua conclusão. Hoje, porém, discute-se outra teoria: pode realmente ter sido um texto pagão, mas que foi transmitido pela tradição oral e, quando o manuscrito foi escrito, por volta do ano 1.000, pode ter sido desenvolvido em uma situação completamente cristã”, explica Elton Medeiros, que prepara sua própria tradução do épico. “Seria, então, um texto cristão que sofreu muitas influências pagãs”, completa.

Pode-se encontrar esses elementos cristãos logo no início do texto, quando o autor fala sobre a destruição causada por Grendel no palácio de Hrothgar. A passagem da obra diz que os homens punham-se a rezar pedindo proteção em templos pagãos, o que não surtiria nenhum resultado positivo - isso sugere que apenas o deus cristão poderia trazer proteção aos nórdicos sitiados pelo monstro. Sendo assim, podese supor que o próprio autor era cristão. Contudo, acredita-se que ele conviveu com a cultura e tradição escandinavas por algum tempo, por conta de seu conhecimento sobre o assunto, embora não concordasse com todos os seus ritos religiosos.

POR RODRIGO GALLO


Cena da animação Beowulf em que o rei dos danos (dinamarqueses) Hrothgar conversa com o herói. O fato de o dragão morto por Beowulf ser alado, uma tradição cristã, e não a serpente tradicional dos nórdicos, gera discussões sobre sua real data de composição.


De qualquer forma, o autor não deixou de mencionar no livro esses velhos hábitos da religião pagã, como o ato de cremação dos condenados pelo cristianismo. Para os nórdicos, queimar o corpo dos guerreiros tombados era algo natural; para os cristãos, o corpo não poderia ser destruído, pois os mortos voltariam após o Juízo Final. “Podemos considerar que as sociedades anglo-saxônica e escandinava eram muito próximas. Então, é por isso que temos essa mistura de elementos”, conta Medeiros. “É uma mescla bastante curiosa de religiões, pois o próprio Grendel é descrito no texto como sendo descendente da linhagem de Caim”.

O historiador esclarece ainda que o deus cristão presente no texto é o do Velho Testamento, que é apresentado de forma diferente da divindade do Novo Testamento. Esse deus é heróico e podia conceder força aos heróis para que tivessem capacidade de combater e expulsar o mal. “É a idéia de que Beowulf conseguia vencer Grendel com a ajuda de Deus”, conta. Esse conceito religioso está próximo do pensamento nórdico da Idade Média, mas também tem muita relação com a Inglaterra de um período tardio anglo-saxônico.

A EXPANSÃO VIKING
Eles não grunhiam, não eram estúpidos e também não lutavam vestindo elmos adornados com chifres de boi, como o cinema ou a literatura costuma retratar. Os vikings, povo nórdico que se expandiu a partir do século VIII, foram grandes conquistadores e travaram batalhas memoráveis contra celtas, frísios e até mesmo com índios na América do Norte, mas passam longe dos estereótipos atribuídos a eles pelo senso comum. Esses navegadores escandinavos, que carregavam uma cultura guerreira próxima à de Beowulf, conseguiram desenvolver uma sociedade bastante evoluída para a época, com cidades prósperas, um sistema de leis eficiente e técnicas avançadas para a construção de barcos - ou seja, não eram bárbaros e muito menos subdesenvolvidos.


Eles chegaram ao território anglosaxão no fim do século VIII e tiveram uma importância fundamental para a formação daquele povo. “Os primeiros vikings chegaram ao oeste da Europa através de invasões nos anos de 790, montando assentamentos na Escócia, Irlanda e Inglaterra. Eles também se assentaram na Islândia durante o fim do século IX, e na Groenlândia somente no século seguinte”, conta o historiador James Graham-Campbell, da University College London (Inglaterra).

A primeira prova da evolução dos vikings na Idade Média é, sem dúvida, a qualidade militar dos soldados. Eles não lutavam como uma turba desorganizada e arruaceira, como ocorria com muitos povos bárbaros. No campo de batalha, eles agiam como um exército bem treinado e com estratégias predeterminadas para derrotar os adversários. Para conquistar tantas vitórias, esses nórdicos se valiam de técnicas de luta baseadas em espécies de falanges, que serviam para dividir as defesas inimigas: uma fórmula usada muito tempo antes por gregos e romanos.

De acordo com o arqueólogo Stephen Harding, professor da University of Nottingham (Inglaterra), os guerreiros vikings normalmente usavam lanças e escudos circulares de madeira no campo de batalha e, os mais ricos, vestiam-se com cotas de malha e empunhavam espadas longas. “Nas batalhas, eles se organizavam em linhas e formavam uma ‘parede de escudos’, como a maioria de seus oponentes. Eles tentavam quebrar as defesas inimigas enviando ‘esquadrões de sangue’ munidos com machados de batalha”, detalha.

A coragem dos nórdicos já era conhecida pelos povos da região há muito tempo e, assim como o herói Beowulf, os navegadores vikings também se lançavam ao mar rumo ao desconhecido para enfrentar perigos mortais. Para isso, tiveram que aprender a construir naus bastante fortificadas, já que o clima extremamente frio e as águas turbulentas dos mares do norte poderiam facilmente afundar barcos pouco resistentes. Sendo assim, aperfeiçoaram as técnicas de construção dos drakkar, as grandes embarcações utilizadas para navegações próximas à costa ou em rios, e os knor, barcos para jornadas mais longas, conhecidos por alguns inimigos como ‘predadores dos mares’.

Outra semelhança com o período pré-viking é a própria religião pagã venerada pelos vikings. Até o fim do século X eles também cultuavam deuses como Thor e Odin, mas acabaram sendo finalmente cristianizados no decorrer dos séculos. Porém, até isso ocorrer, acreditavam em uma crença politeísta marcada pela presença de deuses e heróis que os estimulavam a lutar até a morte - mesmo que não houvesse nenhuma chance de vitória. Contudo, Harding lembra que o fato mais instigante em relação a esses conquistadores não envolve guerras, batalhas ou estratégias de combate, mas sim a própria vida social. Algo pouco conhecido, explica, refere-se aos instrumentos jurídicos utilizados pelos escandinavos da Idade Média. “Eles eram excelentes juristas e foram responsáveis pela introdução da palavra ‘lei’ (law, em inglês) na língua inglesa”, lembra o arqueólogo. “Apesar de terem uma reputação de guerreiros, eles eram, na realidade, pessoas muito civilizadas”.

Contudo, o professor da University of Nottingham admite que os vikings ganharam uma fama histórica negativa por conta de seus métodos violentos de conquistar o território dos oponentes: eles invadiam os territórios inimigos causando pilhagens, cometendo estupros e raptando os inimigos vencidos, inclusive sacerdotes e monges capturados em monastérios localizados na costa da Ilhas Britânicas. Graham-Campbell ressalta ainda que o principal objetivo dos invasores nórdicos era roubar riquezas, embora muitos acabassem optando por ficar nas terras recém-tomadas. “Para os invasores, o objetivo principal era levar para casa o resultado de seus saques, mas para aqueles que não tinham terras, por serem muito jovens ou mesmo exilados, encontrar um território para construir uma boa fazenda obviamente passou a ser uma boa idéia”, conta. Isso, sem dúvidas, acirrou ainda mais as hostilidades entre escandinavos e anglo-saxões.


TEORIA DA CORAGEM DO NORTE
A principal razão pela qual os nórdicos combatiam com tanta sagacidade, mesmo em situações completamente adversas, era a inspiração vinda da própria religião pagã. Embora Beowulf tenha recebido uma alta carga de cristianização, é possível identificar essa virtude na obra. Os deuses pagãos eram apresentados ao povo escandinavo como grandes guerreiros, dotados de virtudes de combate, força e temeridade. Pela saga de Frithiof, Th or, o deus do trovão, era destemido e, caso fosse necessário, estava sempre disposto a se lançar à morte certa em campo de batalha, sem titubear: “Th or será sempre o sustentáculo/dos que não se arreceiam de qualquer obstáculo/Aquele que pode contar com a sua espada/Domina o seu destino e não teme nada”, diz a tradição.

Ilustração de manuscrito do séc. XVII que conta a saga dos reis da noruega

Este elemento está presente em toda a narrativa de Beowulf, a começar pela viagem do personagem principal à Dinamarca. Em um ato de extrema bravura, o herói cruza o mar voluntariamente para confrontar Grendel e, com isso, salvar Hrothgar e seu reino da destruição iminente. O guerreiro é retratado como o mais bravio combatente de sua comitiva, com a força de 30 homens e com a valentia semelhante à de um hoplita espartano, o que o estimulava a jamais refugar em campo de batalha. É inegável que a obra carrega essas características das divindades nórdicas do período pagão. A razão é que o povo da época era criado em uma cultura guerreira que os estimulava a ser virtuosos na guerra - a sociedade acabou sendo influenciada pela mitologia.

Essa coragem extrema é conhecida por alguns especialistas como Teoria da Coragem do Norte, ou simplesmente Teoria da Coragem. Há, contudo, duas teses que justificariam essa bravura. A primeira é que, pela crença do povo nórdico, há um grande evento chamado Ragnarök, o crepúsculo dos deuses. Esse acontecimento levaria ao fim do mundo após uma grande guerra entre as forças do bem e do mal, envolvendo todos os deuses e heróis. Esta é uma batalha que opõe os Aesir, liderados por Odin, a um exército liderado pelo deus Loki. Ambos os lados contariam com grandes guerreiros em combate - quase todos acabariam sendo mortos no confronto.

O destino deste conflito é trágico: Odin fere mortalmente o lobo Fenrir, filho de Loki, mas também tomba no combate; Th or consegue derrotar Jomungard, uma serpente gigante, mas acaba sendo envenenado e também morre; um dos mais valentes guerreiros dos Aesir, Heimdall, vence Loki, mas cai em seguida. Por fim, Midgard, a Terra dos mortais, é consumida pelas chamas.

Sendo assim, a própria religião escandinava da Idade Média pré-cristã pregava a idéia de que todos os heróis teriam o mesmo destino: estavam fadados a perecer na guerra. Entretanto, isso não era suficiente para que os guerreiros evitassem as guerras. Pelo contrário: mesmo diante da morte certa os guerreiros não declinavam de sua missão, pois mesmo a derrota podia trazer glória. O autor do poema mostra um Beowulf heróico, consciente de seu destino final e, mesmo assim, ávido pelo combate. Até certo ponto é algo bastante semelhante à mitologia grega, mas com uma diferença crucial: os helenos acreditavam na glorificação pelo sacrifício, conhecida como bela morte, porém este não era um elemento necessariamente ligado à religião, mas sim à própria cultura da Antiguidade.

Representação do Ragnarok feita pelo ilustrador alemão Johannes Gehrts

Johnni Langer, no entanto, não associa a Teoria da Coragem com o Ragnarök - embora continue argumentando com base na religião pagã. Para ele, a bravura dos escandinavos estava mais ligada diretamente aos cultos a Odin, e não ao grande confronto entre os deuses. Segundo ele, os guerreiros nórdicos pertenciam a uma aristocracia odinista. “A idéia máxima entre os odinistas é que o guerreiro deveria morrer em batalha para poder alcançar o Valhala, o paraíso presidido pelo deus Odin. Esse ímpeto de tombar em combate dava uma coragem a mais”, afirma.

De acordo com essa corrente de pensamento, o Ragnarök pode ter sido um conceito criado pelos nórdicos no fim do paganismo, já sob forte influência cristã: seria, neste caso, uma espécie de Apocalipse para o povo escandinavo.

Arbo-Olav den helliges fall i slaget på Stiklestad; Peter Nicolai Arbo, 1859

Pintura do norueguês Peter Nicolai Arbo (1831 – 1892) representando a morte de Olav II da Noruega, mais tarde Santo Olavo, morto na Batalha de Stiklestad, em 1030, lutando contra o exército pagão que se opunha a sua tentativa de cristianização da Noruega.


BEOWULF NOS CINEMAS
Neste mês, a saga do herói escandinavo chegará aos cinemas em uma versão digital do diretor Robert Zemeckis. A Lenda de Beowulf tem estréia prevista para 16 de novembro nos Estados Unidos e dia 30 no Brasil - os grandes cinemas, inclusive, estão investindo pesado na divulgação do filme, uma das grandes apostas da indústria cinematográfica para este fim de ano. Na tela, o herói nórdico será interpretado por Ray Winstone, que viaja às terras distantes para ajudar Hrothgar (Anthony Hopkins) a derrotar o monstruoso Grendel (Crispin Glover). Contudo, após se confrontar com a fera, terá de pelejar com a mãe da criatura, vivida nos cinemas por Angelina Jolie.

A obra foi concebida por técnicas de computação gráfica semelhante às de Expresso Polar. O movimento dos atores foi captado e digitalizado pelos computadores, criando uma animação baseada em figuras reais.

Esta não é a primeira vez que Beowulf é transposto para os cinemas. No ano passado o poema ganhou uma versão rodada no Canadá, Reino Unido e Islândia, com Gerard Butler no papel principal (o ator que interpretou Leônidas de Esparta, em 300). Contudo, os espectadores brasileiros não puderam assistir A Lenda de Grendel (Beowulf & Grendel) na tela grande: o filme foi lançado no Brasil diretamente na versão em DVD.

Thor, o deus nórdico do trovão representado em ilustração do inglês Arthur Rackham

A CHEGADA DOS VIKINGS À AMÉRICA DO NORTE
Não é à toa que o poema Beowulf representa tão bem o cotidiano do povo escandinavo da Idade Média. Os nórdicos, tanto da era pré-viking quanto da posterior, realmente tinham uma grande tendência a ser exploradores, característica que sempre os levava a desbravar novas expedições em terras além-mar. O herói da obra literária viajou uma distância relativamente pequena para confrontar-se com o desconhecido. No entanto, nos séculos seguintes, os desbravadores vikings conseguiram chegar à América do Norte e criar assentamentos antes mesmo de Cristóvão Colombo pisar nas terras do novo mundo.

Segundo o historiador James Graham-Campbell, da University College London (Inglaterra), os navegadores nórdicos descobriram o território do continente americano por volta do ano 1.000 - época em que os textos integrantes de Beowulf provavelmente foram compilados. Eles tiveram um contato bastante expressivo com os nativos, embora não se possa dizer que eles subjugaram os índios. “Eles não conquistaram territórios por lá. Sabemos da criação de apenas um assentamento, que não durou muito tempo”, diz. Contudo, para alguns grupos de nativos, a presença nórdica nas terras americanas foi marcante, chegando inclusive a travar combates violentos, de acordo com o arqueólogo Stephen Harding, da University of Nottingham.

Porém, a chegada dos escandinavos ao novo mundo foi um processo gradativo. O historiador Johnni Langer argumenta que, primeiramente, os vikings chegaram à Islândia. “Ocorreu uma fuga de colonos noruegueses do reinado de Harald Cabelos-Finos NÃO ENCONTREI, pois não concordavam com sua política, e foram à Islândia, já conhecida, mas ainda não povoada e colonizada. Depois, o famoso Erik, O Vermelho, foi expulso da Islândia por ter matado muitas pessoas; levou algumas famílias e acabou colonizando a Groenlândia. Depois de um certo tempo, acabaram fundando Vinland, a famosa terra das uvas, onde formaram uma colônia que durou três anos”.Esse assentamento teria sido fundado onde hoje é o Canadá, mas alguns especialistas também defendem que pode ter se localizado nos Estados Unidos, onde haveria terras mais quentes e, desta forma, possíveis de se produzir uvas. De qualquer forma, essa pode ter sido apenas uma forma de atrair novos colonos da Escandinávia com a falsa promessa de que na terra nova era possível criar fazendas mais produtivas. “Essa terra nova teria sido colonizada pela necessidade de novas terras de colonização, pelo espírito exploratório que os escandinavos tinham no período. Esse assentamento foi abandonado por causa da hostilidade das tribos indígenas locais e pela grande distância das demais nações nórdicas”.


REFERÊNCIAS:
HEERS, J. História Medieval. São Paulo: Difel Difusão Editorial,
1981.
ANÔNINO SERIA ANÔNIMO?. Tradução: Erick Ramalho. Beowulf.
Belo Horizonte: Tessitura, 2007.
WHITELOCK, D. The Anglo Saxon Chronicles. Londres, 1955.
WILLIAMS, B. Saxons & Vikings - The Pitkin Guide. Norwich:
Jarrold Publishing, 2001.
Teses e artigos
LANGER, J. Os vikings na Inglaterra Medieval. São Paulo,
2007.
MEDEIROS, E. Do mito e da história. São Paulo, 2006

Revista Leituras da Historia

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