sexta-feira, 1 de abril de 2011

Os espaços livres públicos das províncias vistos como palcos de manifestações sociais, culturais e do teatro político do século XIX - 2

Ricardo José Brügger Cardoso - Doutorando em teatro

Somente em 1831, portanto, é que o Brasil rompeu seus últimos laços com Portugal. E a partir daí, o Brasil pertenceu aos brasileiros ou, para ser mais preciso, à classe dominante brasileira. Em julho desse mesmo ano, quase toda a guarnição do Rio de Janeiro insurgiu-se e reuniu-se no Campo de Santana, confraternizando-se novamente com a multidão( Como bem assinalou Bethell (1997), as reivindicações tiveram um caráter quase que exclusivamente antiportuguês, com a deportação de 89 portugueses, a exoneração de muitos deles dos empregos públicos e a proibição por dez anos da entrada de imigrantes de Portugal.). Nesse ambiente de mudanças, é curioso notar mais uma vez a força daquele lugar: o genius loci de um espaço livre público que se transformara não apenas no novo centro urbano, mas também no palco principal dos acontecimentos políticos e sociais da cidade.

Numa descrição resumida dos principais conflitos urbanos da época, a Guerra dos Cabanos, em Pernambuco, foi considerada uma reação excepcional à abdicação de Dom Pedro I. Em quase todas as outras províncias as manifestações populares foram urbanas e antiportuguesas, semelhantes às que ocorreram no Rio de Janeiro, e variaram de intensidade de acordo com o tamanho da cidade e a força da presença portuguesa no governo e no comércio local (Chiavenato (1984) lembra, ainda, que das dezoito províncias brasileiras apenas o Piauí e Santa Catarina evitaram distúrbios de qualquer espécie) . De modo geral, a ordem pública foi menos afetada em Minas e nas províncias meridionais de São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, já que não possuíam centros urbanos e portos importantes. O Pará foi o palco da primeira dessas revoltas provinciais, conhecida pelo nome de Cabanagem (Esse termo é derivado de cabanos, nome dado aos rebeldes, igual ao de Pernambuco (Chiavenato, 1984).).

A segunda rebelião, em ordem cronológica, foi de natureza totalmente diferente. Ficou conhecida pelo nome de Farroupilha, designação dada aos radicais após a abdicação de Dom Pedro I. Com mais de 100 mil habitantes, esse conflito ocorreu na província do Rio Grande do Sul (figura 6). Como no Pará, os escravos representavam mais ou menos 30% da população total dessa região, mas a estrutura social do Rio Grande do Sul era muito diferente da do restante do Brasil. As circunstâncias históricas da formação da província haviam provocado uma fusão entre o status de militar e o de proprietário rural e, ao que se sabe, a classe dominante militarizada exercia um controle quase total sobre a maior parte da sociedade daquela localidade.

Figura 6 - História em quadrinhos que conta de forma didática a Guerra dos Farrapos, no Rio Grande do Sul.
Fonte: Ruas e Colin, 1985.

A última revolta a explodir nesse período foi no Maranhão, semelhante à Cabanagem, mas numa escala menor de profundidade e violência. Seu campo de batalha estendeu-se ao sul da província do Maranhão, próximo à fronteira com o Piauí. A área fora colonizada, em sua maior parte, por pequenos fazendeiros e pequenos criadores de gado. De acordo com Janotti (1987), a revolta ficou conhecida pelo nome de Balaiada, devido ao apelido de "balaio" dado a um de seus chefes. Foi o movimento que se vinculou especificamente às reformas liberais e, de acordo com os registros históricos disponíveis, mais diretamente ligados ao Ato Adicional de 1834.
O desapontamento com o funcionamento, na prática, das reformas liberais de 1831-1834, sem contar com as inúmeras rebeliões ocorridas nas principais províncias do país, causou instabilidade e ameaçou tanto a ordem interna quanto a desejada unidade nacional, abrindo caminho por fim para um novo alinhamento das forças políticas e a criação de dois partidos: o Conservador e o Liberal. Tendências que dominariam o cenário político em todo o Segundo Reinado. Para Sodré (1998), a maior dificuldade daquele período era a de que as classes conservadoras, em geral, não tinham consenso sobre qual a melhor estrutura institucional que atenderiam seus interesses: em parte porque esses interesses não coincidiam totalmente, em parte porque muitos de seus membros (mais os fazendeiros do que os comerciantes) não estavam preparados para pensar em termos de governar por intermédio do Estado.
Segundo Marson (1981), a derrota da Revolta Praieira dos liberais em 1848-1849, ao lado talvez do declínio dos liberais em toda a Europa nesses anos, fortaleceu o governo conservador no Rio de Janeiro e consolidou o poder conservador em todo o Brasil. Na ocasião em que o Conde de Suzannet visitou o Rio de Janeiro no início dos anos de 1840, ele ficou impressionado com o ódio generalizado aos estrangeiros, em especial aos portugueses e ingleses; e com a facilidade com que se colocava sobre eles a culpa de todos os problemas do país. Tratava-se, portanto, de um ressentimento limitado a determinados setores da população. Mesmo deixando de lado as diferenças regionais e as profundas divisões sociais e raciais, há razões para se crer que ainda não existia uma concreta comunicação entre as províncias, havia pouca integração econômica e, sobretudo, nenhuma participação nas decisões políticas e de governo do país, que pudesse criar um senso positivo de identidade nacional.

"A classe comercial do Rio de Janeiro prosperou quando o negócio de café colocou os fazendeiros em contato com a economia internacional. No entanto, a mão-de-obra escrava ou livre; rural ou urbana, recebeu pouca coisa do aumento dessa riqueza. Para manter a dependência dos trabalhadores, os fazendeiros e os comerciantes combinaram de uma maneira sutil a força bruta com uma proteção benevolente. E para continuar no poder e, ao mesmo tempo, servir aos interesses dos fazendeiros e dos comerciantes, o governo do império acabou se tornando um instrumento dessa nova elite, na tentativa de se manter no controle político e social. Durante esses vinte anos, os líderes políticos conseguiram cooptar aqueles que anteriormente haviam se oposto à autoridade central, ao mesmo tempo em que se aproximavam, às vezes com relutância, de uma posição intermediária entre o conservadorismo e a reforma". (Bethell 1997).

Em meados de 1860, a Guerra do Paraguai estimulou, de certo modo, a produção industrial e os sentimentos patrióticos da população urbana em geral (figura 6, 7 e 8). O estímulo direto proveio da aquisição de material de guerra pelo governo, mas dois outros fatores não deixaram de dar sua contribuição: a inflação ocasionada pelos déficits do governo e a proteção irrefletida dada pelas tarifas gerais mais altas para financiar o esforço de guerra. Por tais motivos, os negociantes se queixavam de que o governo preferia, por exemplo, comprar uniformes importados de qualidade inferior ao invés de estimular a expansão da indústria brasileira. Ë curioso notar, neste fato, a teimosia congênita das elites dirigentes brasileiras de reter sistematicamente qualquer tipo de crescimento do mercado e da economia interna do país.

Figura 7 - Adeus e emoção no embarque do 1° batalhão de Voluntários do Rio de Janeiro, Henrique Fleiuss. Fonte: Carvalho, 1998.
Figura 8 - Desfile militar em 1° de março de 1870, depois da vitória sobre a Guerra do Paraguai, Ângelo Agostini. Fonte: Bolsa do Rio XXI, 2000.
Figura 9 - "Pátria", Pedro Bruno. Fonte: Ed. SENAC, 2000.

De acordo com Neves (1991), o positivismo e o verde-amarelismo foram idéias elaboradas em oposição à cúpula que comandava a guerra do Paraguai, gerando mais tarde a idéia de Ordem e Progresso, e a concretização do discurso ufanístico, o qual tinha suas origens na baixa oficialidade (figura 10). Sobre esse aspecto, em particular, Sodré (1998) destaca ainda que a alta oficialidade não era positivista, mas, ao contrário, extremamente ortodoxa. Nesse momento histórico, um grupo militar formado pela baixa oficialidade, assim como alguns intelectuais e profissionais oriundos das Escolas Militares, criaram então as bases do movimento republicano, cujo manifesto foi lançado em 5 de outubro de 1870, e que iria representar também a nova elite burguesa do país: os poderosos barões paulistas do café.

http://hemi.nyu.edu/unirio

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