sexta-feira, 12 de junho de 2009

Dossiê: Povos do mar - A onda vermelha do norte

Vindos da Escandinávia meridional, da costa da Alemanha e dos Países Baixos, os povos bárbaros se uniram para expulsar os romanos da Bretanha
por Jean-Yves Marin

© THE BRIDGEMAN ART LIBRARY / KEYSTONE

Elmo do período migratório viking, do século V, feito de ferro e bronze. Museu Histórico de Estocolmo

Jordanes, historiador godo, nos diz que “é da Ilha de Scanzia, que podemos chamar de fábrica de nações ou reservatório de povos, que os godos parecem ter saído (...)”. Essa Scanzia, a atual Escandinávia, era povoada por um grande número de nações. A maioria dos grupos, que participaram das migrações, era proveniente da Escandinávia meridional, outros da costa da Alemanha e dos Países Baixos. Suas tradições marítimas faziam com que estivessem em permanente contato e que começassem a investir juntos sobre a Bretanha, no final do século III, destruindo a autoridade de Roma na ilha.

Nesse “oceano germânico” que é o Báltico, emigrantes originários de povos inexoravelmente confundidos, começaram a expandir-se, tanto na direção leste quanto oeste. É muito difícil distingui-los uns dos outros, pois só os mais importantes, ou os que foram mais felizes na guerra, deixaram o nome na posteridade. O velho fantasma da coesão étnica foi espantado pelos fatos. Nada serve para procurar a origem de um grupo determinado, pois todos provêm de agrupamentos posteriores às migrações.

Um clã escolheu seguir um chefe de prestígio, tido como invencível, sem se preocupar com o lugar de onde viera. Esse fenômeno foi reforçado no noroeste da Europa por uma semelhança de línguas, tanto que os lingüistas chamaram de velho saxão e velho inglês uma espécie de matriz comum a toda uma era geográfica que englobava aquela área. Desde finais do século III, tornou-se claro o perigo que os francos e os saxões representavam para a parte setentrional do Império Romano. O mar do Norte estava a ponto de se tornar “germânico”, ou seja, ali, a potência romana estava mais ou menos ausente.

Foi nesse contexto que em março de 286 a Gália e a Bretanha insular (atual Grã-Bretanha) reuniram-se num único setor militar, cujo comando foi confiado a um homem de armas de origem bárbara, Caráusio. No início, sua autoridade limitava-se ao litoral da Gália e à ilha da Bretanha, mas em razão de vitórias obtidas rapidamente a partir daquele ano, Caráusio se impôs de tal maneira que governou durante uma década esse que chamamos o primeiro Estado britânico-gaulês. De imediato, ele tentou aumentar suas possessões continentais, sem deixar a Gália do Norte. Comportava-se como um verdadeiro césar romano. Em 289, o imperador Diocleciano enviou um exército comandado por Maximiano para enfrentá-lo, mas foi vencido durante uma batalha naval.

Poder restabelecido

Caráusio não foi reconhecido por Diocleciano; para marcar sua autoridade ele multiplicou as operações militares, até ser assassinado. Certos de sua inferioridade nesse campo, a fim de evitar uma nova batalha naval, os romanos, sob o comando de Constâncio, desembarcaram perto da ilha de Wight e restabeleceram o poder de Roma na região.

Durante a primeira metade do século IV, a Bretanha insular, que havia se tornado novamente romana, conheceu segurança e prosperidade relativas. Prontamente voltaram a eclodir guerras intestinas, o que enfraqueceu bastante o exército romano. A partir de 354, o perigo delineava-se mais uma vez: os francos e os saxões de um lado, os pictos e os escotos de outro, assediavam as zonas de domínio romano. No continente, as incursões bárbaras ameaçavam a Gália do norte, interrompendo as rotas de abastecimento. Apesar dos decididos e corajosos esforços do imperador Juliano, que em pessoa liderou o combate em todas as frentes do norte do Império, a situação se degradou. Quando de sua morte, em 365, ocorreu uma nova invasão dos alamanos na Gália, e os ataques bárbaros recomeçaram na Bretanha.

Em 367, os saxões, que até então só tinham empreendido algumas ações isoladas, atacaram em conjunto e acrescentaram suas investidas às dos pictos e dos escotos, provocando um desastre total: o exército romano foi derrotado às portas de Londres. A conjunção de forças bárbaras, de interesses contraditórios entre si mas determinadas a expulsar os romanos da ilha, tinha se revelado eficaz. No entanto, pela última vez os romanos conseguiram restabelecer o controle da situação. Valentiniano I reuniu às pressas suas melhores tropas, que desembarcaram em Richborough e marcharam sobre Londres.

A Bretanha romana foi reconquistada, e as fronteiras restauradas e reforçadas. Parece que a ação de piratas saxões que ameaçavam cortar relações com o continente foi considerada mais perigosa do que as investidas dos pictos ao norte e as dos escotos na Irlanda. O dispositivo de defesa da costa foi repensado em razão da terrível derrota de 367. Mas como a ilha da Bretanha ficava na periferia do Império, assim que o perigo se delineou no continente, sua defesa foi novamente negligenciada; as melhores tropas retomaram o caminho da Itália. Na Gália, as usurpações sucederam-se, até que Estilicão, novo senhor do Ocidente, reforçou mais uma vez os dispositivos defensivos ao fazer uma inspeção, em 396. Foi nesse contexto de relativa paz recuperada que houve a grande invasão de 406, na Gália: os germânicos passaram pelo Reno na direção de Mogúncia e, como resume de modo lapidar o historiador Lucien Musset, “tudo desmoronou”. Isolada do continente, a ilha da Bretanha conheceu sucessivamente três invasores, em alguns meses. Bem informados, os saxões precipitaram-se rumo à Bretanha insular para ali permanecer e criar um novo reino. O historiador grego Zózimo escreveu a esse respeito: “Os bretões, em recusa à dominação romana, viviam a seu próprio modo, sem obedecer às leis romanas”. Eles devastaram o país. Nas raras fortalezas onde ainda havia resistência, os pedidos de ajuda multiplicaram-se, mas era muito tarde. O Império já não tinha meios de intervir.

Em 410, Honório, impotente, respondeu aos bretões que eles mesmos deviam enfrentar o perigo saxão. O Império Romano não renunciou formalmente à Bretanha, mas dali em diante sua influência sobre a ilha terminaria. Somente o sudeste resistiu durante algum tempo, mas como a rota marítima da região do Pas-de-Calais (no extremo norte da atual França) estava praticamente interrompida, o último bastião mergulhou no isolamento.

Alguns vestígios da organização política romana permaneceram entre os bretões em luta contra os saxões, como menciona a obra que descreve a vida de São Germano de Auxerre, que foi à ilha em 419. Por meio dela, ficamos sabendo que os saxões faziam incursões até as portas de Londres. Por ocasião de uma segunda visita dele, entre 440 e 444, a situação parecia ainda mais precária. Vários sintomas indicam que em meados do século V teria acontecido a derrocada da administração. Definitivamente, eram os últimos contatos dos bretãos com o continente. - Tradução de Marly N. Peres

Jean-Yves Marin é curador do Museu da Normandia e especialista em arqueologia urbana.

Revista Historia Viva

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