segunda-feira, 3 de maio de 2010

O leão indomável

Impetuoso e mercurial, Winston Churchill coleciona desafetos – Herói britânico está em posição delicada no Almirantado – Desfecho da luta em Galípoli será crucial para seu destino no poder

O leão tenta não cair do cavalo: no comando das tropas, Churchill (à esq.) e seu Lorde do Mar, almirante John Fisher

Alguns preferem o cricket; outros, a caça a raposa. Os mais modernos até deixam se levar pelo football. Mas o esporte de Winston Spencer Churchill é, e sempre será, a guerra. Por isso, é especialmente trágica para o primeiro-lorde do Almirantado a notícia do insucesso na arrancada da invasão anfíbia de Galípoli. Churchill contava com uma arrebatadora vitória em Dardanelos para silenciar os críticos e rivais que, inconformados com seu estilo teimoso e centralizador, há muito buzinam nos ouvidos do primeiro-ministro Herbert Asquith reclamando sua cabeça em uma bandeja vitoriana de prata. Não são poucos os que dizem, inclusive, que a operação naval foi concebida pelo primeiro-lorde do Almirantado apenas para tentar resgatar o prestígio abalado pelo fracasso em liderar a resistência no cerco a Antuérpia, em outubro do ano passado. Se o projeto de Galípoli for a pique, Churchill sabe que será impossível para Asquith resistir à pressão – só o restará então pegar sua bengala e retirar-se da ação, o que equivale, para o feroz combatente de Oxfordshire, a uma verdadeira sentença de morte aos 40 anos de idade.

Talvez influenciado pela perspectiva de tal desastre, desde o início do ano Churchill está indomável, digladiando-se com tudo e com todos. Sua relação com o primeiro lorde do Mar, o veterano John Fisher, opositor ferrenho da expedição a Galípoli, deteriora-se a olhos vistos. No início do mês, Fisher, reconduzido por Churchill ao gabinete no ano passado, esteve perto de abandonar o barco. No dia 5, o subordinado dirigiu-se ao primeiro lorde do Almirantado de forma colérica: “Você está se consumindo com os Dardanelos, e não pensa noutra coisa. Danem-se os Dardanelos! Aquilo será nossa tumba!” Churchill também coleciona atritos com o ministro da Guerra, Horatio Kitchener. Em fevereiro, o motivo foi a defesa irredutível dos esquadrões de carros com blindagem, outro dos projetos quase pessoais do primeiro lorde do Almirantado atacados pela maioria. Agora, em abril, o episódio do vazamento de números de efetivos militares quase causou a demissão de Kitchener. Não tivesse Churchill no primeiro-ministro Asquith um aliado de primeira hora, talvez seu mandato encontrasse o fim ali mesmo. “Winston saiu-se muito mal, mas ele é impulsivo e é arrastado pela correnteza de sua própria língua. No final, estava arrependido e pediu desculpas.”

'Ele é impulsivo': desafetos por toda parte

O “leão” do Almirantado ainda comprou uma briga contra o ministro das Munições, David Lloyd George, e sua última criação: o chamado “Penhor do Rei”, que consistia na renúncia do álcool até o final da guerra como forma de dar exemplo aos trabalhadores ébrios na indústria de material bélico. Lloyd George conseguiu convencer o chanceler Richard Haldane, o ministro Kitchener e até mesmo o rei George V em se absterem da bebida em sua cruzada contra os pileques operários, que na visão do governo prejudicavam a produção de armamentos. Na verdade, o atrito deveu-se menos à esperada não-adesão de Churchill ao penhor (como ele, Asquith ignorou solenemente a ideia), e mais a um impetuoso desdém que fez questão de tornar público. Perguntado sobre a eficácia do plano, Churchill não se fez de rogado. “Não vejo o motivo. É uma piada.” Indignado, Lloyd George rebateu. “Você verá o motivo quando entender que conversação não é monólogo.”

Gênio da raça – Com Churchill, porém, os verbos se conjugam sempre no singular, não no plural. Em sua carreira, o primeiro lorde do Almirantado sempre pôde se dar ao luxo de ser o protagonista. Acolhido na Grã-Bretanha como um herói nacional após suas aventuras na Guerra dos Bôeres, em 1900, o oficial graduado de Harrow e Sandhurst é desde então figura central na vida política e militar de Londres. Eleito ao Parlamento pela primeira vez no mesmo ano, trocou os conservadores pelos liberais em 1904, e galgou postos no governo até ser alçado à sua atual posição, em 1911. A despeito de alguns sobressaltos, tão comuns no meio político, seu cartaz jamais esteve tão em baixa como agora. Amigos têm o aconselhado – em vão, claro – a diminuir o tom. Mas Churchill deve, com urgência, começar a ouvi-los caso não queira antecipar a aposentadoria e retirar-se em definitivo para sua propriedade de Eccleston Square. A companhia diária da amada esposa Clementine seria muito apreciada, mas o ócio certamente o consumiria. Churchill não vê sentido em atirar em raposas – ao menos não enquanto os alemães estão à solta na Europa.

Revista Veja na História

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