terça-feira, 12 de novembro de 2013

Futebol na Alemanha Nazista

Paixão nas trevas
Durante a longa noite do Nacional-Socialismo, o futebol amenizou a angústia vivida pelos alemães, e permitiu-lhes extravasar a tensão acumulada em seu trágico destino

Da Redação


Em Sofia, na quinta-feira 31 de agosto de 1939, a seleção de futebol da Bulgária realiza os últimos preparativos antes do embarque para Varsóvia, palco da partida amistosa prevista para o domingo contra o escrete polonês. Os varsovienses aguardam o encontro com expectativa. No último fim de semana, também nessa capital, os seus jogadores reagiram depois de estarem perdendo por 2 a 0, e aplicaram uma “surra” na prestigiosa seleção húngara: 4 a 2 – com três gols do astro Ernest Wilimowski, filho de um soldado alemão morto na 1ª Grande Guerra. Mas os acontecimentos do dia seguinte, a sexta-feira 1º de setembro, impedirão que o futebol polonês seja mais bem testado nos quatro compromissos previstos para aquele mês, contra as equipes búlgara, iugoslava, finlandesa e romena.


No fim da década de 1930, o futebol mobilizava multidões na Europa. A Itália, campeã mundial na França, em 1938, era o adversário a ser batido. Os sul-americanos pareciam sem força, apesar de a forte equipe francesa do Olympique de Marseille depositar parte importante de suas esperanças em Vasconcellos, um goleiro do Brasil.

Na Alemanha subjugada pelo Nacional- Socialismo, a quase totalidade das práticas esportivas foram reorganizadas sob a égide do partido Hitlerista.

Para juntar-se à um clube, um jogador precisava de duas recomendações pessoais assinadas por pessoas da confiança dos Nacionais-Socialistas. O Comitê Nacional de Futebol fora absorvido pelo Deutscher Reichsausschuss für Leibesübungen – o Comitê de Educação Física do Reich, mais conhecido por DRL, dirigido pelo Reichssportsführer Hans von Tschammer und Osten.

Alguns clubes, como o Alemannia Aachen e o Bayern de Munique, ainda tentaram resistir à determinação de expulsar de seus quadros os atletas judeus. Mas em vão. Sob o Nazismo, o futebol foi reorganizado em dezesseis Gaue – regiões --, controladas por uma Gauliga, que só desapareceu quando a estrutura Nazista ruiu em definitivo, em 1945.

A princípio, o esforço do Regime Hitlerista por mostrar eficiência – na geração de empregos, melhoria da infraestrutura e reativação econômica do país – acarretou efeito positivo também para o futebol. Antes da ascensão de Hitler ao Poder, em 1933, quase 600 clubes competiam na 1ª Divisão do futebol germânico. A reorganização promovida pela Ditadura Nazi reduziu esse número para 170 e melhorou o nível da competição.

Uma Copa Alemã – a “Taça Tschammer” – foi introduzida em 1935. Seu primeiro campeão foi o Nuremberg FC. A competição foi realizada até 1943 – ano em que o funcionamento do Estado alemão começou a ser desarticulado por uma onda violenta de bombardeios aéreos aliados. O certame só retornaria em 1953, obviamente com um nome diferente...

O Schalke FC dominou o futebol durante o período nazista, e frequentemente era usado como peça de propaganda para a Nova Alemanha. Com o Reich expandindo- se com as conquistas territoriais, times da Áustria, Polônia, Tchecoslováquia, Alsácia-Lorena e Luxemburgo foram incorporados à Gauliga. Após a anexação da Áustria, o Rapid Wien – de Viena – conquistou a Tschammerpokal em 1938 e o Campeonato Alemão em 1941, ganhando do Schalke por 4 x 3 na final.

Durante a guerra, o futebol foi usado para elevar o moral da população. O Regime Hitlerista o apoiava. Muitos times eram patrocinados pela Luftwaffe – a Força Aérea alemã, que mantinha a equipe da Flakelf – , pela SS – tropa de elite do Führer Adolf Hitler – e por outras organizações militares. Esse apoio queria dizer: preservação dos atletas, impedindo a sua convocação para o serviço de guerra, garantia de alimentação reforçada, em uma época onde a população enfrentava racionamentos draconianos e, sobretudo, segurança para os atletas e suas famílias – especialmente contra as arbitrariedades da Gestapo – a Polícia Política do Nazismo.

A partir de 1943, quando o arcabouço que sustentava o Regime passou a apresentar fraturas e deficiências de funcionamento, também a Gauliga começou a fraquejar.

Convocados para defender o país nas diferentes frentes de guerra, alguns astros do füssball foram sendo mortos em ação. Ao mesmo tempo, os grandes estádios sofreram o peso dos bombardeios aéreos inimigos. Simples viagens pelo território do Reich (que na visão de Hitler, deveria durar “mil anos”) tornaram-se cada vez mais difíceis.


Para facilitar as competições, as dezesseis regiões originais da Gauliga foram divididas em trinta circuitos menores, mas a qualidade das disputas caiu muito, o que se refletiu nos resultados. O Germania Mudersbach, por exemplo, venceu o Engen FC por 32 a 0...

O campeonato 1943-1944 chegou a ser cancelado, mas a repercussão popular foi tão negativa que os Nazistas precisaram autorizá-lo de novo. O de 1944-1945 foi iniciado menos de duas semanas depois da conclusão do anterior. Pela primeira vez, desde a chegada de Hitler ao Governo, não houve o tradicional descanso trimestral do verão europeu, no meio do ano.

A última partida oficial de futebol da Alemanha Nazista aconteceu a 23 de abril de 1945, quando Adolf Hitler já não aparecia mais em público: vitória do Bayern de Munique por 3 a 2, contra o 1860 também de Munique.

Vitória no gramado recompensada com a morte
Aconteceu um pouco depois de 19 de setembro de 1941, quando Kiev, capital da Ucrânia, foi ocupada pelo exército Nazista. Andando pela rua, Josef Kordik, um padeiro alemão radicado na cidade, não pôde deixar de reparar nos soldados ucranianos doentes e desnutridos, que haviam regressado do campo de batalha. Contudo, um deles, grandalhão, surpreendeu-o: era Nikolai Trusevich, astro de seu time do coração: o Dinamo (foto).

Kordik empregou Trusevich em seu comércio, e os dois logo combinaram de resgatar os demais companheiros do goleiro, que ainda estivessem vivos. O arqueiro conseguiu, efetivamente, encontrar alguns de seus antigos camaradas, e ainda levou para a padaria alguns rivais do campeonato russo, além de três atletas do conhecido time do Lokomotiv.

Ousados eles decidiram voltar a fazer a única coisa que sabiam (e gostavam): jogar. E como não podiam levantar o antigo Dínamo, criaram uma nova equipe: o FC Start, que, a partir de junho de 1942, passou a desafiar as equipes de futebol formadas por militares das guarnições que haviam invadido a União Soviética. A carreira de vitórias do desconhecido Start passou a incomodar os oficiais superiores do Terceiro Reich, que organizaram uma partida dos ucranianos e de seus colegas contra a poderosa equipe da Flakelf, pertencente à Luftwaffe. O resultado – vitória do Start por 5 a 1 – representou pouco menos do que uma catástrofe para os invasores.

Só depois dessa derrota é que os alemães descobriram a manobra do padeiro Kordik. Berlim ordenou a eliminação de todo o atrevido time da Ucrânia – Kordik inclusive –, mas os Nazistas que controlavam Kiev decidiram não varrer aquela gente desafiadora da face da Terra antes de derrotá-la no campo de jogo.

A revanche foi então marcada para 9 de agosto de 1942, no estádio Zenit. A torcida compareceu em massa. Apesar de o juiz – um oficial da SS – ter advertido os ucranianos no vestiário, antes da partida, que eles deveriam fazer a saudação Nazista, os atletas do Start, vestidos com camisa vermelha e calção branco, ao levantarem o braço, levaram a mão ao peito e – no lugar de dizer “Heil Hitler!” – gritaram “Fizculthura!”, um brado soviético que proclamava a cultura física.



Os alemães, de camisa branca e calção negro, marcaram o primeiro gol, mas o Start virou o jogo ainda no primeiro tempo, e foi para o intervalo vencendo por 2 a 1. No vestiário eles foram advertidos por oficiais da SS de armas em punho: deviam perder a partida, ou ninguém sairia do estádio vivo (uma mentira, já que a eliminação deles havia sido já ordenada pela cúpula Hitlerista).

Amedrontados, os jogadores pensaram em não voltar para o segundo tempo, mas o entusiasmo da torcida levouos de volta ao gramado. A poucos minutos do final da partida, quando o placar já era de 5 a 3 para o Start, o atacante Klimenko ficou cara a cara com o arqueiro alemão. Ele, então, aplicou-lhe um drible desconcertante, deixando o coitado estatelado no chão, e de frente para o gol deu meia volta e chutou a bola para o centro do campo. O estádio veio abaixo.

Impressionados com a reação do público, os oficiais alemães permitiram que o time do Start deixasse o estádio, e até que jogasse novamente, para golear seu último adversário por 8 a 0. Mas essa foi mesmo a vitória derradeira.

Horas mais tarde um pelotão de soldados cercou e invadiu a padaria de Kordik. O comerciante foi o primeiro a morrer torturado na frente dos jogadores. Em um campo de concentração de Siretz foram mortos Klimenko, o goleiro Trusevich (que pediu para usar a camisa do Start) e Kuzmenko. Escaparam a esse fim os atletas Goncharenko e Sviridovsky, que não estavam na padaria no momento em que os captores alemães apareceram. Apesar de procurados, eles sobreviveram, escondidos, até a libertação de Kiev, em novembro de 1943.

Na sede do Dínamo de Kiev, um monumento saúda e recorda os heróis do FC Start – considerados heróis da Pátria ucraniana.
Revista Leituras da História

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