Tese resgata embate travado entre a Light e a CBEE nas três primeiras décadas do século XX
Parte da história dos processos de industrialização e de formação do capitalismo brasileiro acaba de ser resgatada pela tese de doutoramento do sociólogo Alexandre Macchione Saes, defendida no Instituto de Economia (IE) da Unicamp. No trabalho, o autor recupera os conflitos ocorridos entre as empresas Light, de origem canadense, e a Companhia Brasileira de Energia Elétrica (CBEE), que travaram acirrada disputa, nas primeiras décadas do século 20, pelos serviços públicos urbanos em três importantes capitais do país: São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador. “Esses embates são historicamente importantes porque revelam aspectos da oposição entre os capitais estrangeiro e nacional num momento de ‘modernização’ do Brasil”, afirma.
Tal situação levou as duas empresas a estabelecerem estratégias semelhantes de “aproximação” dos legislativos municipais. Tanto a Light, que chegou ao país em 1899, quanto a CBEE, criada legalmente em 1909, promoviam pesados lobbies para tentar conquistar as concessões dos serviços públicos urbanos nas referidas localidades. “Na prática, graças à cooptação de vereadores e outras autoridades, as companhias ajudavam a ditar as regras que deveriam cumprir”, explica o autor da tese. E não foram poucas as figuras notórias que aderiram aos interesses das empresas. Em São Paulo, por exemplo, Carlos de Campos, filho do governador Bernardino de Campos, tornou-se advogado da Light justamente no momento em que a empresa chegava ao Estado.
Outro que passou a defender a companhia canadense foi Ruy Barbosa, que à época já era um jurista consagrado. Embora se dissesse um defensor do liberalismo em determinado período de sua vida, ao tornar-se advogado da Light ele alterou o discurso e adotou o argumento da relevância do “monopólio natural”, por considerá-lo mais racional e econômico. Também o vereador José Oswald de Andrade, pai do poeta modernista Oswald de Andrade, cumpriu papel similar. Ele atuou em favor da expansão da concessão da companhia canadense. Posteriormente, suas terras receberam trilhos dos bondes operados pela empresa, o que fez com que os imóveis fossem significativamente valorizados. “Vale destacar que a CBEE adotou estratégia semelhante. Ambas se articulavam com as figuras-chaves nas três capitais, sempre com o objetivo de fazer valer seus interesses”, assinala Alexandre Saes.
Além de abusar dos lobbies, Light e CBEE tratavam, ainda, de atacarem-se mutuamente.
Além de abusar dos lobbies, Light e CBEE tratavam, ainda, de atacarem-se mutuamente.
O segundo ponto abordado pelo sociólogo em seu trabalho de doutoramento é a questão da industrialização brasileira. A chegada do serviço de energia elétrica, aponta o pesquisador, interessava muito ao país, visto tratar-se de um recurso indispensável ao desenvolvimento industrial local. As regiões que contassem com fornecimento adequado de energia, avaliavam os empreendedores, certamente experimentariam um impulso nas atividades industriais. Vale lembrar que esses julgamentos se davam num período de intensa transformação não apenas no Brasil, mas também no restante do mundo, em razão principalmente dos novos desafios e oportunidades criados pela segunda Revolução Industrial. Era, portanto, uma fase propícia à industrialização e à urbanização.
Justamente por conta do “caráter modernizador” das mudanças em curso, explica Alexandre Saes, é que a incorporação dos serviços públicos urbanos, especialmente no segmento da energia elétrica, foi feita de modo apressado, sem a devida regulamentação. “O que prevaleceu foi o interesse em atrair novas empresas para as capitais em questão. Obviamente, essa opção trouxe implicações políticas e sociais para o país. A alegada modernização, por exemplo, não foi para todos. Numa comparação livre, é mais ou menos o que ocorreu nos anos 90, em razão do processo de liberalização da economia e das privatizações. Somente depois das medidas concretizadas é que se pensou em regulamentar melhor os serviços concedidos”, analisa.
Jornal da Unicamp
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