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Rubens Ricupero
Não fosse pelo Brasil, a guerra de 1914 a 1918 não mereceria o nome de “mundial”. Enquanto os outros países da América Latina permaneceram neutros do começo ao fim, o Brasil foi o único a ingressar no conflito. E estabeleceu o padrão que se repetiria, anos mais tarde, na Segunda Guerra Mundial (1939-1945): a posição brasileira acompanhou de perto as decisões dos Estados Unidos, da neutralidade à declaração de guerra, e dela à participação efetiva. A diferença está na importância da participação – decisiva no caso norte-americano, modesta no nosso.
No momento em que estourou a Primeira Guerra, havia chegado ao fim, com a morte do barão do Rio Branco, em fevereiro de 1912, a “era de ouro” da diplomacia brasileira. Durante os mais de nove anos em que o barão ocupou a chefia do Itamaraty, a política internacional resolveu todos os problemas pendentes de fronteira, incorporando milhares de quilômetros quadrados ao território brasileiro, e soube conduzir com êxito as questões surgidas com países estrangeiros. As conquistas deviam-se, em grande parte, à qualidade do chanceler, mas só foram possíveis graças às condições favoráveis que o país viveu durante esses anos. Após o turbulento começo da República, com revoltas militares e crises econômicas, as presidências de Rodrigues Alves (1902-1906) e Afonso Pena (1906-1909) asseguraram paz interna, estabilidade econômica, progresso e realizações materiais que forneceram o quadro ideal para uma diplomacia ativa e prestigiosa.
A partir de 1910, a chegada ao poder do marechal Hermes da Fonseca (1910-1914) anuncia o começo de um longo declínio do regime, sacudido por crises econômicas, sociais e políticas que se acentuariam durante a Depressão após o fim da guerra, que conduziria à derrocada final de 1930. Abalada por esse processo de decadência, a política externa brasileira nunca mais recuperaria o brilho da primeira década do século XX. Lauro Müller, o sucessor de Rio Branco, não possuía nem as qualidades pessoais e profissionais, nem a experiência de seu predecessor. Para piorar, sua ascendência germânica despertava desconfiança na corrente majoritária pró-aliados, que incluía Rui Barbosa, Graça Aranha, Olavo Bilac, José Veríssimo, Barbosa Lima e outras figuras influentes.
A política de colaboração estreita com os Estados Unidos seguia um modelo herdado dos anos do barão. Alguns intérpretes a chamaram de “aliança não-escrita” – um certo exagero, pois a relação era muito mais importante para o Brasil do que para os Estados Unidos. Em todo caso, como o eixo da diplomacia havia sido deslocado de Londres para Washington, não é de surpreender que o país acompanhasse a evolução da postura norte-americana.
Seria errôneo deduzir que a entrada do Brasil na guerra tenha sido conseqüência de pressão ou imposição de Washington. A decisão decorreu da convicção da maioria dos setores dirigentes de que o país não poderia continuar neutro após os ataques alemães contra navios mercantes brasileiros. Esta é outra semelhança com a Segunda Guerra: em ambos os casos, o motivo imediato da entrada no conflito foi o afundamento de navios neutros, embora as perdas tivessem sido muito menores no primeiro do que no segundo episódio.
A neutralidade brasileira foi decretada em 4 de agosto de 1914, no começo da guerra, mesma data da decisão semelhante do presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson (1912-1921). Essa primeira etapa iria até 11 de abril de 1917, quando o Brasil, já governado por Venceslau Brás (1914-1918), rompe relações com a Alemanha devido ao ataque, seis dias antes, ao vapor brasileiro Paraná, torpedeado e afundado por um submarino germânico no litoral norte da França.
Ganhava força no país a agitação em favor dos aliados. Em meados de 1916, Rui Barbosa pronunciara em Buenos Aires uma conferência de enorme repercussão sobre “O Dever dos Neutros”. Mesmo após a ruptura das relações com a Alemanha, torna-se insustentável a situação de Lauro Müller, que renuncia, sendo substituído pelo ex-presidente Nilo Peçanha, amigo e seguidor de Rui Barbosa. Em maio de 1917, dois outros navios comerciais brasileiros, o Tijuca e o Lapa, são torpedeados próximo ao litoral europeu, acarretando a revogação da neutralidade brasileira e a decisão de apreender e utilizar 45 navios mercantes alemães ancorados em portos nacionais.
Os Estados Unidos já estavam em guerra desde abril daquele ano. Em nosso caso, o reconhecimento do estado de guerra teve de aguardar até 26 de outubro, após o ataque ao cargueiro Macau e o aprisionamento do seu comandante, ocorridos alguns dias antes, ao largo da costa espanhola. Faltava pouco mais de um ano para o fim do conflito, que se daria no armistício de 11 de novembro de 1918.
O Brasil não tinha condições militares ou econômicas para oferecer mais que uma contribuição simbólica nos combates. Dessa vez, não houve fornecimento de bases militares ou de matérias-primas estratégicas, como aconteceria na Segunda Guerra.
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A principal conseqüência econômica da Primeira Guerra Mundial foi apressar o fim da hegemonia inglesa, substituída pelo domínio americano no comércio e, mais gradualmente, nos investimentos. Em contraste com o capital britânico – em grande parte concentrado em ferrovias, portos e serviços públicos –, os investimentos americanos iriam privilegiar a indústria.
A economia brasileira, por sua vez, sofreu algumas graves perdas durante o conflito. As limitações de transporte marítimo e mercadorias disponíveis provocaram queda acentuada das importações, e com ela uma enorme contração da receita governamental, que dependia muita das tarifas de importação.
Após a guerra, as exportações de países fornecedores de matérias-primas estratégicas – o petróleo mexicano, o cobre peruano, os nitratos chilenos – logo se recuperaram. O Brasil, que dependia do café, teve um dos piores desempenhos do continente. Foi um dos raros países que não conseguiram melhorar sua cota de participação em nenhum artigo, e ainda perdeu espaço em produtos como a borracha, para a Ásia, e o cacau, para as colônias africanas. Perdeu também a oportunidade de expandir as vendas de açúcar e bananas, que cresceram em outros países em função de investimentos americanos – concentrados no Caribe, na América Central e na Colômbia devido aos custos mais baixos e ao tratamento favorável em matéria de impostos.
Em compensação, a indústria, após uma baixa súbita em 1914, cresceu bastante, favorecendo o nascimento de numerosas empresas e o desenvolvimento da indústria química e da produção de ferro-gusa, inclusive com exportações para mercados latino-americanos. Entre 1912 e 1920, o número de trabalhadores na indústria praticamente dobrou.
O lado negativo foi a inflação. Os preços de varejo no Brasil aumentaram 158% entre 1913 e 1918, com média anual de 20,9%. O alto custo de vida corroeu os salários e criou condições para a agitação social que culminaria na greve geral que paralisou São Paulo em 1917 e na onda de greves de 1918.
A Primeira Guerra Mundial marcou o começo do século XX e exerceu um grande impacto na realidade brasileira. O país sairia do conflito com indústria e operariado urbano mais fortes e com as sementes do desassossego social e cultural que desaguariam, anos mais tarde, no Modernismo, no Movimento Tenentista, na fundação do Partido Comunista e, finalmente, na Revolução de 1930.
Rubens Ricupero é diplomata e autor de 'Esperança e Ação' (Paz e Terra, 2002).
Saiba Mais - Bibliografia:
BUENO, Clodoaldo. Política Externa da Primeira República. São Paulo: Paz e Terra, 2003, capítulo: “O Impacto da Primeira Guerra Mundial”.
CARVALHO, Carlos Delgado de. História Diplomática do Brasil, edição fac-similar. Brasília: Senado Federal, Coleção Memória Brasileira, 1998, capítulo 21: “Isolacionismo e Guerras Mundiais”.
GARCIA, Eugênio Vargas. “Entre América e Europa: a política externa brasileira na década de 1920”, Universidade de Brasília, 2001, tese de doutorado.
FRITSCH, Winston. “Apogeu e crise na Primeira República: 1900-1930”, in Marcelo Paiva Abreu (org.), A Ordem do Progresso: cem anos de política econômica republicana, 1889-1989. Rio de Janeiro: Campus, 1989.
Revista de Historia da Biblioteca Nacional
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