terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Império Romano - Escola


ESCOLA
A alfabetização constituía um privilégio da classe alta? Três certezas decorrem dos papiros do Egito: havia iletrados que faziam os outros empunharem a pena; havia gente do povo que sábia escrever; havia textos literários, clássicos, nos mais ínfimos vilarejos (eis aí essa "cultura" da qual tanto se orgulhava o mundo antigo). Os livros dos poetas em voga imediatamente chegam ao fim do mundo: a Lyon. O resto são nuanças (bem o Babem os historiadores do Ancien Régime). Num romance, um ex-escravo orgulha-se de saber ler as maiúsculas; portanto, não conseguia ler o texto dos livros, dos papéis particulares, dos documentos, mas podia decifrar as placas das lojas ou dos templos e as tabuletas referentes a eleições, espetáculos, casas de lazer ou leilões, sem esquecer os epitáfios. Por outro lado, se os [pág. 29]
preceptores só eram acessíveis às famílias muito ricas, havia, diz Ulpiano, "nas cidades e nos burgos professores que ensinavam os rudimentos da escrita"; a escola era uma instituição reconhecida, o calendário religioso decidia as férias escolares, e o período da manhã era o dos estudantes. Descobrimos uma porção de documentos escritos pela mão de gente simples: contas de artesãos, cartas ingênuas, grafites murais, tabuinhas de feitiços… Só que escrever para si mesmo é uma coisa, e saber escrever para alguém mais culto é outra: para isso precisa-se conhecer o belo estilo e, para começar, a ortografia (que os grafites ignoram). De modo que, para redigir um documento público, uma petição, até um simples contrato, gente que a rigor só sabia ler e escrever sentia-se "iletrada" e procurava um escrivão público (notarius). Uma parte mais ou menos considerável das crianças romanas frequentou a escola antes de completar doze anos, as meninas não menos que os meninos (confirma-o o médico Soranos); melhor ainda, as escolas eram mistas.
Aos doze anos os destinos de meninos e meninas se separam, assim como os destinos dos ricos e dos pobres. Somente os meninos, se pertencem a uma família abastada, continuam a estudar: sob o chicote de um "gramático" ou professor de literatura, estudam os autores clássicos e a mitologia (na qual não se acreditava absolutamente, mas cujo conhecimento identificava as pessoas cultas); como exceção, algumas meninas contavam com um preceptor que lhes ensinava os clássicos. Cabe dizer que aos doze anos uma menina estava na idade núbil, que algumas eram dadas em casamento nessa tenra idade e que o casamento se consumava; em todo caso, aos catorze anos a menina era adulta: "Os homens então a chamam de 'senhora' [domina, kyria], e, vendo que nada mais lhes resta senão partilhar o leito de um homem, elas se põem a se enfeitar e não têm outra perspectiva"; o filósofo que escreveu essas linhas conclui "que seria melhor fazê-las sentir que nada as tornará mais estimáveis do que se mostrarem pudicas e reservadas". Nas famílias ricas, a partir desse momento as moças são encerradas na prisão sem grades dos trabalhos de fuso, que serve para [pág. 30]
demonstrar que elas não passam o tempo fazendo o que não devem. Se uma mulher adquire uma cultura de salão — sabe cantar, dançar e tocar um instrumento (canto, música e dança estavam ligados) —, tais talentos serão louvados e apreciados, porém logo se acrescentará que ela é uma mulher honesta. Por fim, cabe ao marido eventualmente cuidar da educação de uma jovem de boa família. Um amigo de Plínio tinha uma esposa de cujo talento epistolar se vangloriava: ou o marido é o verdadeiro autor dessas cartas, ou então soube formar o belo talento dessa "moça que ele esposou virgem", e, consequentemente, esse talento constitui um mérito seu. Em contrapartida, a mãe de Sêneca foi impedida pelo marido de estudar filosofia, pois ele considerava tal matéria um caminho para a libertinagem.
Durante esse tempo, os meninos estudam. Para se tornarem bons cidadãos? Para aprender seu futuro ofício? Para adquirir os meios de compreender alguma coisa do mundo em que vivem? Não, mas para adornar o espírito, para se instruírem nas belas-letras. Constitui estranho erro acreditar que a instituição escolar se explica, através dos séculos, pela função de formar o homem ou, ao contrário, adaptá-lo à sociedade; em Roma não se ensinavam matérias formadoras nem utilitárias, e sim prestigiosas e, acima de tudo, a retórica. É excepcional na história que a educação prepare o menino para a vida e seja uma imagem da sociedade em miniatura ou em germe; no mais das vezes, a história da educação é a história das ideias sobre a infância e não se explica pela função social da educação. Em Roma decorava-se com retórica a alma dos meninos, assim como no século XIX vestia-se essas criaturinhas de marinheiros ou militares; a infância é um período que se disfarça para embelezar e fazê-la encarnar uma visão ideal da humanidade.
Deixamos de lado a educação nas partes gregas do Império, que diferia em vários aspectos. Aqui devemos acreditar em Nilsson; enquanto a escola romana é produto de importação e, como tal, permanece separada da rua, da atividade política e religiosa, a escola grega constituía parte da vida pública. Tinha por cenário a palestra e o ginásio, pois este era [pág. 31]
um segundo lugar público aonde todos podiam ir e onde não se fazia apenas ginástica. Mas também se fazia ginástica, e a meu ver a grande diferença entre a educação grega e a educação romana é que o esporte ocupava a metade da primeira; mesmo as matérias literárias (a língua materna, Homero, a retórica, um pouco de filosofia e muito de música, ainda sob o Império) eram ensinadas num canto do ginásio ou da palestra. A esse ensinamento, que se prolongava até cerca dos dezesseis anos, sucediam-se sem interrupção um ou dois anos de efebia, cujo programa era o mesmo.
Além do caráter público, da música e da ginástica, havia outra diferença. Nenhum romano de bom nascimento pode se dizer culto se não aprendeu com um preceptor a língua e a literatura gregas, enquanto os gregos mais cultos não se davam ao trabalho de aprender latim e soberbamente ignoravam Cícero e Virgílio (com exceções individuais, como a do funcionário Apiano). Os intelectuais gregos que, como os italianos do século XVI, iam alugar seus talentos no estrangeiro exerciam naturalmente sua sabedoria médica ou filosófica em grego, língua de suas ciências; em Roma acabavam aprendendo, pela força do uso, um pouco de latim. No final da Antiguidade, os gregos só passarão a aprender metodicamente latim para fazer carreira de jurista na administração imperial.
História da vida privada, 1: do Império Romano ao ano mil / organização Paul Veyne ; tradução Hildegard Feist; consultoria editorial Jonatas Batista Neto. — São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

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