terça-feira, 29 de setembro de 2009

Barricadas de 1917

Morte de um sapateiro anarquista provoca a primeira greve geral do país

CECÍLIA PRADA


Os primeiros dias do mês de julho têm sido marcados, na história pátria, e principalmente na paulista, como dias guerreiros e sanguinolentos – o mais conhecido e celebrado é certamente o 9 de julho de 1932, com a eclosão da Revolução Constitucionalista, concluída três meses mais tarde com uma derrota ambígua, tida como "vitória" até hoje pelos paulistas, pois teria obrigado Getúlio Vargas a instituir uma Constituinte, dois anos mais tarde. Mas, se mergulharmos no passado remontando aos tempos da fundação da cidade, vamos encontrar outro 9 de julho que não deve ser esquecido: o de 1562, quando os moradores de Piratininga, juntando-se aos padres jesuítas, defenderam o povoado contra a invasão de índios inimigos, permitindo a sobrevivência do núcleo que seria mais tarde a cidade de São Paulo. De julho ainda, do dia 5, data a Revolução Tenentista de 1924, a segunda do gênero, que lembrava a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana, ocorrida dois anos antes, na mesma data.

Mas há ainda outro dia do mesmo mês que perdura na memória da cidade: 10 de julho de 1917 (segundo alguns historiadores seria mesmo o dia 9), marcado pelo assassinato pelas tropas do governo de um sapateiro anarquista de 21 anos, Antonio Martinez (ou José Martinez, de acordo com outros). Ao tombar baleado mortalmente no pátio de uma fábrica durante uma manifestação popular de protesto, ele se tornou o estopim que deflagrou o primeiro grande movimento da história sindical brasileira – uma greve geral que paralisou a cidade de São Paulo, estendendo-se depois ao Rio de Janeiro e a todos os principais centros industriais do país.

O enterro de Martinez, no dia 11 de julho, transformou-se em uma das mais impressionantes demonstrações populares até então registradas. O cortejo fúnebre reuniu cerca de 10 mil pessoas que, partindo da Rua Caetano Pinto, no Brás, caminharam a pé até o Cemitério do Araçá, passando pelo centro de São Paulo em total silêncio, mas com uma energia capaz de debelar o feroz cerco que tentava opor a polícia, armando barreiras – como nos contam numerosas testemunhas da época. À beira da sepultura revezaram-se os oradores, expressando a indignação geral. No regresso, a multidão dividiu-se, indo uma parte para a Praça da Sé e outra para a casa do operário morto, e comícios simultâneos foram organizados nos dois lugares. Fora de controle, elementos da turba aproveitaram para realizar em vários pontos da cidade assaltos e pilhagens a mercearias, armazéns, depósitos, enquanto as fábricas e oficinas se esvaziavam. O terror espalhava-se entre a população e recrudescia a ação policial.

O movimento, que fora iniciado ainda em junho por greves locais nas fábricas têxteis nos bairros da Mooca e do Ipiranga, reivindicava significativo aumento salarial, melhores condições laborais e a regulamentação do trabalho de mulheres e menores, além de apresentar uma exigência específica: a supressão de uma obrigatória contribuição "pró-pátria" imposta pela burguesia imigrante de São Paulo em favor da Itália, descontada até mesmo dos salários dos trabalhadores, como acontecia no Cotonifício Crespi.

Nos dias que seguiram, São Paulo inteira parecia estar transformada em praça de guerra – sabemos que durante a República Velha os problemas sociais foram sempre vistos como "uma questão de pata de cavalo". Segundo relatos da época, na cidade deserta a população em pânico mantinha-se trancada em casa, porque havia ordem expressa de atirar em quem ficasse parado na rua. As cargas de cavalaria sucediam-se, rumorosas e implacáveis, enquanto nos bairros fabris ecoavam seguidos tiroteios, com vítimas fatais. O operário e historiador Everardo Dias deixou um contundente testemunho daqueles dias, no qual retrata o quadro beligerante armado pelos dois lados. Diz: "...Os jornais saem cheios de notícias sem comentários quase, mas o que se sabe é sumamente grave, prenunciando dramáticos acontecimentos", pois "...em certas ruas já começaram a fazer barricadas com pedras, madeiras velhas, carroças viradas, e a polícia não se atreve a passar por lá, porque dos telhados e cantos partem tiros certeiros".

Estendida ao interior em poucos dias, e depois a outros estados – no Rio Grande do Sul assumiu grandes proporções –, a Greve Geral de 1917 transformou-se em verdadeira insurreição trabalhista, resultado dos esforços constantes de líderes anarquistas italianos entre o operariado. E suas conseqüências se fizeram sentir nos anos posteriores, na organização sindical e na formação dos partidos esquerdistas.

Contra o Estado e a Igreja

Hoje como ontem

"... sob qualquer ângulo que se esteja situado para considerar esta questão, chega-se ao mesmo resultado execrável: o governo da imensa maioria das massas populares se faz por uma minoria privilegiada. Esta minoria, porém, dizem os marxistas, compor-se-á de operários. Sim, com certeza, de antigos operários, mas que, tão logo se tornem governantes ou representantes do povo, cessarão de ser operários e pôr-se-ão a observar o mundo proletário de cima do Estado; não mais representarão o povo, mas a si mesmos e suas pretensões de governá-lo. Quem duvida disso não conhece a natureza humana."

Mikhail Bakunin

O pensamento anarquista, elaborado pelo russo Mikhail Bakunin (1814-1876), esteve presente durante a segunda metade do século 19 e nas primeiras décadas do século 20 nos movimentos sociais de origem européia. Filho de um rico proprietário de terras, Bakunin estudou filosofia na Universidade de Berlim e optou pela ação política. Viajou pela Europa de 1843 a 1848 e conheceu em Paris Karl Marx e Proudhon. Participou da Revolução de 1848 na França e da Comuna de Paris, em 1871. Com o fracasso desta, resolveu dedicar-se totalmente ao desenvolvimento e à aplicação de suas idéias sociais. Rompeu com o comunismo em 1872. O seu era um socialismo libertário, que visava à destruição do Estado autoritário e centralizador, das "coisas", e não das pessoas, ao passo que o comunismo desembocava no autoritarismo do Estado, na centralização do poder, na perda dos direitos e liberdades individuais. A influência de Bakunin está presente ainda hoje em várias ações esquerdistas, em grupos ambientalistas, cooperativistas e de reforma urbana.

A primeira experiência anarquista na história do Brasil foi a Colônia Cecília, uma comunidade agrícola estabelecida no alvor da República, mas em uma área que fora doada pelo imperador dom Pedro II, na cidade de Palmeira, no sudeste do Paraná, de 1890 a 1894. Fundada por um pequeno grupo de italianos dirigido pelo filósofo e cientista Giovanni Rossi, é considerada até hoje o mais importante experimento anarquista da história do país e serviu de tema a várias obras de pesquisa e aos livros de memórias de Zélia Gattai, Anarquistas, Graças a Deus e Cittá di Roma, nos quais a escritora descreve a participação de seus pais na colônia.

Com a extinção da escravidão e as sucessivas levas de imigrantes europeus, principalmente italianos, que aqui chegaram na segunda metade do século 19 para trabalhar nas fazendas de café e nas indústrias de São Paulo, o pensamento anarquista foi-se espalhando na classe trabalhadora, ancorando sua ação na divulgação cultural e doutrinária estabelecida por meio de numerosos pequenos jornais, publicados quer em italiano quer em português. Nas primeiras décadas do século 20, os principais órgãos anarquistas de São Paulo foram "La Battaglia", fundado e dirigido por Oreste Ristori, e "A Lanterna", do brasileiro Edgard Leuenroth – que se tornaram ponta-de-lança em encarniçadas campanhas contra o sistema estabelecido e contra a Igreja Católica. No Brasil, esta era extremamente conservadora e reproduzia o discurso das elites, servindo como instrumento de submissão dos trabalhadores ao capitalismo selvagem que se estabelecia.

Como os estrangeiros não tinham direito a freqüentar escolas públicas, nem acesso a instituições públicas de saúde, foram incentivadas pelos anarquistas todas as iniciativas que representavam a transposição da educação e da cultura européia para o nosso solo. Vários centros sociais, teatros, associações de socorro mútuo e assistenciais reuniam as famílias dos imigrantes e compensavam o descaso do Estado. São Paulo era, na época, uma cidade onde se ouvia mais o italiano, em seus vários dialetos pitorescos, do que o português. Essa influência do idioma e da cultura peninsular atingia todos os segmentos da vida paulistana – ao ascender socialmente, o imigrante tornava-se elemento ativo dessa cultura. No teatro paulistano, ficaram famosos os filodrammatici, sociedades teatrais que se espalharam pela cidade de 1898 em diante. Enquanto a produção autóctone limitava-se a um repertório provinciano, "caipira", recheado de chanchadas que apenas pretendiam fazer rir, o teatro amador italiano coexistente – além de tudo enriquecido pela eventual participação de grandes artistas europeus que nos visitaram no período – fazia circular idéias avançadas e estimulava o debate de várias questões sociais, com um repertório dramático que incluía os maiores autores da época. A influência desses círculos durou até a década de 1950 e desembocou, na opinião de historiadores do teatro como Miroel Silveira e Sábato Magaldi, na criação do Teatro Brasileiro de Comédia – um "divisor de águas" no cenário nacional, apesar do caráter elitista de que se revestiu.

Realizaram também os anarquistas uma experiência de muito sucesso no campo da educação: o estabelecimento, no período de 1902 a 1918, de escolas de caráter "libertário" ou "racionalista" em que, desvinculadas de qualquer dogma filosófico ou religioso, conviviam (o que era proibido em outras escolas) crianças de ambos os sexos, filhas de operários, obtendo um ensino gratuito de excelente nível e a instrução necessária para melhorar seu nível de vida. Várias dessas escolas, que eram sustentadas por contribuições mínimas dos pais e pela ajuda generosa de "homens de boa vontade", mantiveram-se durante certo tempo na capital e no interior. Após a grande agitação social dos anos 1917 e 1918, entretanto, foram fechadas à força pelo governo. Seus princípios, porém, filtrados através dos anos, foram revividos no tempo da Escola Nova dos anos 1930/40 e de certa forma persistem ainda hoje.

O gentleman e o terrorista

Entre os vários líderes que no início do século passado batalharam pela ideologia anarquista, merecem destaque especial dois homens: o brasileiro Edgard Leuenroth (1881-1968), jornalista e líder militante, e Oreste Ristori (1874-1943), italiano natural da Toscana, que viveu em São Paulo de 1904 a 1917 e de 1925 a 1936. Defendendo a mesma causa, apresentavam, porém, grandes diferenças de personalidade, educação e sobretudo modos de agir – contrastava a ação contínua, equilibrada, ética e pacífica de Leuenroth com a agitação febricitante de Ristori, agressiva, exacerbada, disposta a usar todos os meios para obter seus fins.

Edgard Leuenroth foi considerado um gentleman anarquista, um sonhador, e mereceu o respeito e a consideração geral – só foi agredido e difamado pelos comunistas, com Astrojildo Pereira à frente, devido às divergências históricas entre os dois partidos. Forçado a abandonar os estudos aos 10 anos de idade para ajudar a família, foi caixeiro, office boy e tipógrafo. Mas aos 16 anos já estreava como jornalista, fundando um jornal crítico e literário quinzenal, "O Boi". Dali por diante foi sempre jornalista, colaborando em numerosos órgãos paulistas e do Rio de Janeiro até 1909, ano em que assumiu a direção do jornal anticlerical e liberal "A Lanterna", que liderou a campanha de denúncia de um crime sexual que teria sido cometido por padres do Orfanato Cristóvão Colombo, do bairro do Ipiranga, contra uma menina de 7 anos – o rumoroso e nunca suficientemente esclarecido "caso Idalina", que abalou São Paulo.

"A Lanterna" durou até 1915. Em 1917, Leuenroth já fundara outro jornal, "A Plebe". Durante o Estado Novo, esse líder viu sua ação reprimida e concentrou-se no sindicalismo. Teve uma participação importante na fundação da Associação Paulista de Imprensa, em 1933. Até o final de sua longa vida manteve-se ativo na imprensa e na ação política, falecendo em 1968, aos 87 anos de idade. Foi um grande pesquisador de documentos relativos aos movimentos sociais operários e legou à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) um precioso arquivo, que leva seu nome.

Oreste Ristori, considerado "o maior agitador jamais surgido em terras brasileiras", teve uma vida aventurosa e dramática, em consonância com seu radicalismo – chegou à América do Sul em 1901, fugido da Itália, onde já empreendera várias ações de rebelião. Esteve primeiro na Argentina e no Uruguai, mas em 1904 veio para o Brasil, por ter divergido dos companheiros do rio da Prata, indispondo-se com eles. Era um líder carismático, capaz de convencer multidões com sua oratória, com o desenvolvimento seguro de idéias, na luta contra a opressão religiosa e estatal, ou na abordagem de problemas tópicos, como o do alcoolismo entre os operários. O escritor Eduardo Maffei, falecido em 2003, que o conheceu, dizia, em 1987: "Seus patrícios o admiravam, e a quantidade de gente velha, de ascendência italiana, que hoje ostenta o nome Oreste, dado em sua homenagem, é muito grande". Curiosa foi a reação de Ristori à desorganização do Estado brasileiro – ele, anarquista, sentia-se perplexo diante de tanta desordem, como relata seu biógrafo, Carlo Romani (Oreste Ristori: Uma Aventura Anarquista, Annablume, 2002): "Como realizar então o discurso anarquista de negação do Estado em um território onde o Estado é ausente e o desgoverno comanda a baderna gananciosa de quem é mais esperto e violento?"

A primeira tarefa de que se desincumbiu foi a de desencorajar seus patrícios à emigração, seguida de muitas outras que dirigiu com uma energia ilimitada. Após 12 anos de militância em São Paulo, tendo sido expedido um mandado para sua prisão, fugiu novamente para a Argentina, no início de 1917. Em 1925 já estava de volta no Brasil, onde aderiu ao Partido Comunista e inseriu-se no meio intelectual, tendo sido amigo de Oswald de Andrade, entre outros. Preso em 1935 e expulso do território nacional em 1936, foi repatriado e acabou sendo fuzilado pelos nazifascistas em Florença, em 1943.

O grande confronto

O ano de 1917, que passaria à história como o ano da Revolução Comunista russa, foi marcado, em todo o mundo, por uma grande agitação social. Na Europa, a 1ª Guerra Mundial ia chegando ao fim e contabilizavam-se os milhões de mortos e feridos, os grandes prejuízos materiais, a destruição de cidades, a migração obrigatória de grandes segmentos populacionais. No Brasil, era crescente o descontentamento do operariado com as condições abusivas do trabalho nas fábricas, semelhantes às do início da Revolução Industrial na Inglaterra: jornadas de 14 horas, sem férias, sem descanso semanal remunerado, sendo as refeições feitas ao lado das máquinas; salários insuficientes e pagamento irregular; nenhuma assistência social ou de saúde; proibição de reuniões e de organização dos operários; ausência absoluta de direitos trabalhistas e de indenização por acidentes de trabalho.

As mulheres e os menores não somente enfrentavam as mesmas condições impostas aos homens, mas constituíam uma grande força de trabalho, obrigada a agüentar abusos e maus-tratos. Os jornais da época nos informam que, em 1912, 67% dos trabalhadores têxteis eram mulheres. Em 1918, mais de 50% do operariado fabril era constituído de menores. Contingentes de crianças entravam em uma fábrica às sete horas da noite para só sair às seis da manhã, e muitas delas se queixavam de ser espancadas pelo mestre de fiação, apresentando até ferimentos causados por manivelas.

Com o crescente aumento do custo de vida e a escassez de alimentos, pois toda a nossa produção era vendida para a Europa em guerra, o descontentamento popular explodia em greves localizadas, que muitas vezes terminavam em correria, tiroteio e prisões. O movimento operário já começara a organizar-se nos primeiros anos do século. Em abril de 1906 foi realizado, no Rio de Janeiro, o I Congresso Operário Brasileiro, do qual resultou a criação da Confederação Operária Brasileira (COB), que optava pela luta direta e de caráter econômico, em oposição à efetuada pelos partidos, de caráter eleitoreiro. Como métodos de ação foram aprovados a greve, a sabotagem, o boicote, manifestações públicas – o que, naturalmente, fez recrudescer a repressão policial, manipulada pela sociedade "bem-pensante" para assegurar a mão-de-obra fabril. Com a Lei de Expulsão dos Estrangeiros – denominada Lei Adolfo Gordo –, promulgada em janeiro de 1907, o governo conseguiu expulsar mais de uma centena de operários imigrantes, na sua maioria líderes sindicais.

O movimento grevista de 1917 foi, portanto, a condensação do descontentamento popular, o confronto aberto de classes. O momento em que as "duas cidades" que os viajantes de 1900 já distinguiam em São Paulo (a metrópole "oficial" que se embelezava para rivalizar com as capitais européias e a cidade fabril, de chaminés enfumaçadas e imigrantes abrigados em cortiços) se confrontaram. Os grevistas tomaram conta das ruas por 30 dias, o comércio fechou, os transportes pararam, gêneros essenciais como leite e carne só eram distribuídos a hospitais, e assim mesmo com autorização do movimento operário. Em muitos lugares erguiam-se barricadas, principalmente nos bairros do Brás e da Mooca. O governo via-se impotente para dominar a situação.

O auge do movimento ocorreu entre os dias 12 e 15 de julho, quando o número de grevistas passou de 25 mil para 45 mil trabalhadores. Enquanto em São Paulo as assembléias gerais chegavam a reunir até 80 mil pessoas, a imprensa veiculava a paralisação de operários do Distrito Federal, de Curitiba, de Porto Alegre.

O desfecho

Em extenso depoimento sobre a Greve Geral, feito no final de sua vida, Edgard Leuenroth fazia questão de dizer que ela não podia ser equiparada sob nenhum aspecto a quaisquer outros movimentos que posteriormente se verificaram como manifestações do operariado. Porque, dizia, "foi um movimento espontâneo do proletariado, sem a interferência, direta ou indireta, de quem quer que fosse. Foi uma manifestação explosiva, conseqüentemente [sic] de um longo período da vida tormentosa que então levava a classe trabalhadora".

Poucos dias após sua eclosão, porém, o movimento organizava-se e crescia, firme em suas reivindicações. Um Comitê de Defesa Proletária foi formado para entabular negociações com o governo – mediadas por uma comissão de jornalistas que garantia a liberdade dos líderes operários, por sugestão do diretor do jornal "O Combate", Nereu Rangel Pestana. As reuniões se realizaram na redação de "O Estado de S. Paulo".

Os industriais tiveram de assumir um compromisso que incluía vários itens, como o aumento de 20% sobre os salários, pontualidade no pagamento e a declaração de que nenhum grevista seria dispensado e de que os patrões acompanhariam com a máxima boa vontade as iniciativas tomadas para melhoria das condições morais, materiais e econômicas dos trabalhadores. Simultaneamente, o governo comprometeu-se a libertar todos os operários que haviam sido presos, reconhecer o direito de reunião, interessar-se para que fossem estudadas e votadas leis relativas ao trabalho dos menores de 13 anos e das mulheres, no período noturno.

Além disso, resoluções de caráter mais geral foram tomadas, caracterizadas evidentemente pelo mesmo recheio demagógico imposto pela precária situação de encurralamento em que governo e indústria se viram colhidos: o poder público estudaria medidas viáveis para minorar o custo de vida e exerceria oficiosamente sua autoridade sobre o grande comércio atacadista para garantir preços razoáveis para os produtos de primeira necessidade. Segundo Everardo Dias, em História das Lutas Sociais no Brasil, finalizava esse belo documento a afirmação de que "o poder público, aliás no desempenho de um dever que lhe é muito grato exercer, porá em execução medidas conducentes a impedir a adulteração e falsificação dos gêneros alimentícios".

Como sói acontecer, as promessas extraídas no fervor da greve não foram mantidas por muito tempo pelos patrões. As causas do relativo fracasso do movimento são atribuídas por alguns historiadores à fragilidade do movimento "espontâneo", que em sua grande maioria era composto por operários de pequenas oficinas e artesãos, sapateiros, eletricitários, trabalhadores de companhias de gás, mecânicos. O movimento refletia apenas o ideário anarquista, recusando-se seus líderes a organizar os operários de forma mais centralizada e negando a formação partidária, que segundo os comunistas – eternos inimigos dos anarquistas – seria a única maneira de travar de forma eficiente a luta política contra a burguesia e o seu Estado.

Revista Problemas Brasileiros

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