terça-feira, 29 de setembro de 2009

A MPB canta e conta nossa história

Além do ritmo inconfundível, música brasileira oferece poesia e rico conteúdo informativo

HERBERT CARVALHO



Se a música e os cantos e danças populares representassem uma commodity, o Brasil seria possivelmente o seu maior exportador mundial. Essa riqueza cultural, entretanto, não se expressa apenas pelos ritmos variados como o samba e o baião, ou pela herança das modinhas ibéricas, que séculos depois se transformariam e surpreenderiam o mundo com o balanço da Bossa Nova. Isso porque, além de melodia, harmonia e ritmo, a música popular brasileira tem poesia, conta histórias e se confunde com a história do próprio país, que por seu intermédio torna-se acessível às grandes massas da população.

Como intérprete dos dilemas nacionais e veículo de nossas utopias sociais, conforme a define o professor de história da Universidade de São Paulo (USP) Marcos Napolitano, a música popular brasileira atingiu um grau de reconhecimento cultural que encontra poucos paralelos no mundo ocidental. "Lugar de mediações, fusões e encontros de etnias, classes e regiões que formam o mosaico nacional brasileiro, a música feita no Brasil – uma das grandes usinas sonoras do planeta – não é apenas para ser ouvida, mas para ser pensada", explica Napolitano na apresentação de seu livro História & Música (Autêntica Editora, 2ª ed., 2005).

Essa música que faz pensar e também conta a história do Brasil em linguagem simples é, sobretudo, a "canção", um produto do século 20 que deixaria os saraus da elite para ganhar as massas urbanas por meio do disco, do rádio, do cinema e da televisão. "Por oposição à música folclórica (de autor desconhecido, transmitida oralmente de geração a geração), a música popular (de autores conhecidos, divulgada por partituras ou meios eletrônicos) constitui uma criação contemporânea do aparecimento de cidades com um certo grau de diversificação social", resume o jornalista, pesquisador e crítico musical José Ramos Tinhorão, com mais de 20 livros publicados sobre o tema.

Surgida em nossas principais cidades coloniais – Salvador e Rio de Janeiro –, é nesta última, já transformada em capital da República, que em 1902 a música popular chega ao disco com as gravações da Casa Edison, na Rua do Ouvidor, que vendia aparelhos sonoros, então chamados de "máquinas falantes". Nos fundos da loja o empresário Frederico Figner instalou o pioneiro estúdio de gravações do Brasil, dando início à epopéia da canção brasileira no mundo eletrônico, que evoluiu dos discos de 78 rotações tocados em vitrolas acionadas por manivelas até os CDs e os MP3, que permitem "baixar" as músicas de sites da internet.

Sátira política

O cantor e compositor Eduardo das Neves, negro de origem humilde que também era palhaço, foi quem lançou, com sucesso imediato, a novidade de compor modinhas e lundus sobre fatos da atualidade. São de sua autoria: "O Aumento das Passagens" e "O 5 de Novembro", entre outras. De acordo com A Canção no Tempo – 85 Anos de Músicas Brasileiras, de Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello (Editora 34, 5ª ed., 2006) – uma das melhores fontes para se pesquisar a relação entre história e MPB –, dois acontecimentos da época mereceram registros fonográficos da Casa Edison.

O primeiro foi o êxito de Santos Dumont na França, em 1901, ao contornar a Torre Eiffel com seu balão Nº 6, que mereceu de Eduardo das Neves uma homenagem desbragadamente ufanista na marcha "A Conquista do Ar", em 1902: "A Europa curvou-se ante o Brasil/ e clamou parabéns em meigo tom/ brilhou lá no céu mais uma estrela/ apareceu Santos Dumont".

O segundo foi a desratização do Rio de Janeiro em 1903, ordenada por Osvaldo Cruz para combater a peste bubônica. Brigadas de exterminadores gratificados por cada rato morto saíam pelas ruas apregoando a compra de roedores. Casemiro Rocha e Claudino Costa reproduziram o pregão na polca "Rato Rato": "Na minha valsa eu vou tocando/ rato, rato, rato, rato./ Por que motivo tu roeste meu baú?"

A sátira política, que sempre marcou presença em nosso panorama musical apesar dos períodos ditatoriais, quando se refugiava da censura nas marchinhas de carnaval ou nas metáforas de um Chico Buarque de Holanda, teve em Pinheiro Machado, o senador gaúcho que manejava os cordões nos bastidores da República Velha, sua primeira grande inspiração. É de autoria de Juca Storoni a polca "No Bico da Chaleira", que ironiza a corte de políticos bajuladores que "pegavam na chaleira" para suprir de água quente o chimarrão de Machado: "Iaiá me deixe subir nessa ladeira/ eu sou do grupo que pega na chaleira".

Esse sucesso do carnaval de 1909 consagrou na boca do povo o verbo "chaleirar" como sinônimo de bajular, o que se repetiria décadas depois com a marchinha "O Cordão dos Puxa-Sacos", de Eratóstenes Frazão e Roberto Martins: "Lá vem o cordão dos puxa-sacos, dando vivas aos seus maiorais./ Quem está na frente é passado para trás/ e o cordão dos puxa-sacos cada vez aumenta mais".

Em 1915, com o fim do mandato de Hermes da Fonseca, apelidado pelo povo de seu Dudu, surgem sátiras à sua fama de agourento. A que se tornou mais famosa é "Ai, Filomena", de J. Carvalho Bulhões: "Dudu sai a cavalo/ o cavalo logo empaca/ e só começa a andar/ ao ouvir o corta-jaca.// Ai, Filomena, se eu fosse como tu,/ tirava a urucubaca/ da careca do Dudu". O texto faz referência a um sarau no Catete, em 1914, quando a primeira-dama Nair de Tefé tocou ao violão o "Corta-Jaca", maxixe de Chiquinha Gonzaga, causando grande escândalo. O episódio levou o erudito e elitista Rui Barbosa a ocupar a tribuna do Senado para classificar esse gênero de ritmo como "a mais vulgar e grosseira de nossas manifestações musicais".

Derrotado na eleição presidencial de 1919, Rui Barbosa não escaparia de ser vítima de um samba, gênero que, ao lado das marchas do carnaval de rua, é considerado por Tinhorão uma das "maiores criações coletivas do povo miúdo no Brasil". "Fala, Meu Louro", de 1920, samba da fase inicial de José Barbosa da Silva, o Sinhô, ironizava o súbito mutismo do político baiano, outrora tão falante: "A Bahia não dá mais coco/ pra botar na tapioca./ (...)/ Papagaio louro/ do bico dourado,/ tu falavas tanto,/ qual a razão/ que vives calado?"

Em 1918 termina a 1ª Guerra Mundial, na qual o Brasil teve participação modesta, mas suficiente para inspirar Eduardo das Neves a compor "Fim da Guerra": "Finda-se a guerra/ que o universo inteiro/ cobriu de luto, de tristeza e dor".

Um episódio das primeiras décadas do século 20, entretanto, passaria em branco na música popular de então, mas seria resgatado magistralmente na década de 1970, numa composição de João Bosco com letra de Aldir Blanc: "O Mestre-Sala dos Mares". Grande sucesso na voz de Elis Regina, evoca a Revolta da Chibata de 1910, cujo líder, João Cândido ("o navegante negro, que tem por monumento, as pedras pisadas do cais"), expulsou os oficiais dos navios de guerra ancorados na baía da Guanabara, exigindo o fim dos castigos corporais aplicados a marinheiros. Essa canção também traz um brado pela preservação da memória do povo e de suas lutas: "Glória a todas as lutas inglórias, que através da nossa história, não esquecemos jamais".

Revolução de 30

Em 1922 a marchinha que satirizava Arthur Bernardes (apelidado de "seu Mé" e "Rolinha"), candidato à presidência, valeu o xilindró para os autores Freire Júnior e Careca. A letra dizia: "Ai, seu Mé/ Ai, seu Mé/ Lá no Palácio das Águias, olé/ não hás de pôr o pé./ (...)/ Rolinha, desista,/ abaixe esta crista,/ (...)/ a cacete/ não vais ao Catete". Contrariando o prognóstico "seu Mé" foi eleito, empossado e passou quatro anos no Catete governando sob estado de sítio, o que faria os compositores, nesse período, se voltarem para temas sociais. "A Favela Vai Abaixo", de Sinhô, protesta contra a demolição do morro da Favela, na zona portuária do Rio de Janeiro, em razão de uma reforma urbana levada a cabo pelo prefeito Prado Júnior: "Minha cabrocha, a Favela vai abaixo,/ quanta saudade/ tu terás deste torrão./ (...)/ Vê agora a ingratidão da humanidade/ (...)/ impondo o desabrigo ao nosso povo da Favela".

A sátira política retorna em 1929. O compositor Eduardo Souto, na música "É, sim, senhor", ridiculariza o "paulista de Macaé" Washington Luís (que ocultava o fato de ter nascido em terras fluminenses), sua política de abrir estradas e sua intenção de implantar uma nova moeda, o cruzeiro, plano abandonado em virtude da quebra da Bolsa de Nova York: "Ele é paulista?/ É, sim, senhor./ Falsificado?/ É, sim, senhor./ Cabra farrista?/ É, sim, senhor./ Matriculado?/ É, sim, senhor./ Ele é estradeiro?/ É, sim, senhor./ Habilitado?/ É, sim, senhor./ Mas o cruzeiro?/ É, sim, senhor./ Ovo gorado?/ É, sim, senhor". O cruzeiro só viria em 1942 e nunca teria a estabilidade do mil-réis (nossa primeira moeda), como registrou Beth Carvalho em um de seus sambas mais conhecidos: "No tempo do ‘derréis’ e do vintém, se vivia muito bem, sem haver reclamação./ (...)/ Depois que inventaram o tal cruzeiro,/ (...)/ deixo um saco de dinheiro,/ pra comprar um quilo de feijão".

Em 1930 o assassinato do paraibano João Pessoa – candidato a vice-presidente na chapa derrotada de Getúlio Vargas – comove a nação. Em homenagem ao político morto, Francisco Alves grava um hino, de autoria de Eduardo Souto e Osvaldo Santiago: "João Pessoa, João Pessoa,/ bravo filho do sertão,/ toda a pátria espera um dia/ a tua ressurreição". Duas décadas depois, em 1950, Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira mencionariam na música "Paraíba" – até hoje um dos maiores sucessos da dupla – o episódio da revolta contra o governo estadual ocorrida na mesma época na cidade de Princesa, comandada pelo coronel sertanejo Luís Pereira. Além de descrever a tragédia da seca e da migração forçada – "Quando a lama virou pedra/ e mandacaru secou,/ quando ribaçã de sede/ bateu asas e voou,/ foi aí que eu vim-me embora/ carregando a minha dor" –, a letra da canção recorda: "Eta, pau Pereira, que em Princesa já roncou".

A morte de João Pessoa é o estopim da Revolução de 30. Chefiando um levante iniciado a 3 de outubro no Rio Grande do Sul, Vargas chega ao Rio de Janeiro e depõe o governo. A queda de Washington Luís, o presidente defenestrado também conhecido como doutor Barbado, foi comemorada assim por Lamartine Babo: "De sul a norte todos viram a intrepidez/ de um Brasil heróico e forte/ a raiar no dia 3./ A Paraíba, terra santa, terra boa,/ finalmente está vingada./ Salve o grande João Pessoa./ Doutor Barbado foi-se embora, deu o fora./ Não volta mais".

Em seu governo "provisório" que acabaria por durar 15 anos, Getúlio Vargas espalha os tenentes como interventores pelos estados, como ficaria indelevelmente marcado em "O Teu Cabelo não Nega, Mulata", a mais famosa marchinha carnavalesca de Lamartine, que anuncia: "Mulata, mulatinha, meu amor,/ fui nomeado o teu tenente interventor". "História do Brasil", aliás, seria o título desta outra imortal marchinha do mesmo autor: "Quem foi que inventou o Brasil?/ Foi seu Cabral!/ Foi seu Cabral!/ No dia 21 de abril,/ dois meses depois do carnaval".

Os ímpetos ditatoriais de Getúlio provocam a reação dos paulistas na Revolução Constitucionalista de 1932, cujos símbolos são o trem blindado e a matraca, que João de Barro utiliza com humor no carnaval de 1933: "Meu bem, pra me livrar da matraca/ da língua de uma sogra infernal/ eu comprei um trem blindado/ pra poder sair no carnaval".

Mesmo antes que Vargas desse o golpe de novembro de 1937, cancelando as eleições, uma música de Nássara e Cristóvão Alencar, vencedora do concurso radiofônico "Quem Será o Homem", descarta as chances dos presidenciáveis Armando de Salles Oliveira (o "seu Manduca") e Oswaldo Aranha (o "seu Vavá"), antecipando o desfecho: "O homem quem será?/ Será seu Manduca ou será seu Vavá?/ Entre esses dois meu coração balança porque/ na hora H quem vai ficar é seu Gegê".

Segunda Guerra

Com o advento do Estado Novo e a criação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), responsável pela censura às artes e espetáculos, surge o samba-exaltação, cujo emblema maior é "Aquarela do Brasil", de Ari Barroso, entre muitos outros títulos, como "Onde o Céu É Mais Azul" e "Canta Brasil". Essa adesão era em parte espontânea, pois Getúlio Vargas desfrutava da simpatia da classe artística por ter criado um mercado de trabalho protegido para músicos e compositores brasileiros, que agora já se aventuravam pelo exterior, seguindo a trilha aberta por Carmen Miranda.

A crítica social, porém, conseguia driblar a censura nas marchinhas de carnaval como em "Pedreiro Valdemar", de Wilson Batista, talvez a mais expressiva e pungente denúncia da alienação do trabalhador em relação ao fruto de seu trabalho, feita por meio da música popular: "Você conhece o pedreiro Valdemar?/ Não conhece?/ Mas eu vou lhe apresentar./ De madrugada toma o trem da circular,/ faz tanta casa e não tem casa pra morar./ Seu Valdemar é mestre do ofício,/ constrói o edifício/ e depois não pode entrar".

Já a 2ª Guerra Mundial foi cantada desde seus primórdios. Em "Salada Mista" Ary Barroso denuncia o Pacto de Munique – assinado por Alemanha, Itália, Inglaterra e França –, que deu a Tchecoslováquia de presente aos nazistas: "Uma pitada de massa de tomate/ e três gotinhas de molho inglês,/ algumas [sic] gramas de petit-pois/ e ficou pronto o pirão do chanceler,/ que papou de colher". A figura bizarra de Hitler rendeu várias marchinhas carnavalescas, como "Adolfito Mata-Mouros", de 1943, que faz referência aos ataques à Inglaterra: "Adolfito Bigodinho era um toureiro/ que dizia que vencia o mundo inteiro/ e num touro que morava em certa ilha/ quis espetar a sua bandarilha".

A participação do Brasil na guerra contra o Eixo é decidida após o torpedeamento de nossos navios por submarinos alemães, num clima emocional que as modinhas de Alvarenga e Ranchinho, a dupla caipira mais popular da época, ajudam a criar. Com a tomada de Monte Castelo, músicas foram compostas pelos pracinhas da Força Expedicionária Brasileira (FEB) para um show gravado pela BBC, como esta, do soldado Natalino Cândido da Silva, intitulada "Lurdinha" (a metralhadora alemã): "Subindo ao morro eu encontrei sinhá Lurdinha./ Tava toda afobadinha,/ querendo me pegar./ (...)/ Mas onde eu vi muito tedesco/ Foi lá no Monte Castelo".

Fechando o ciclo, Wilson Batista compõe "Cabo Laurindo" –"Laurindo voltou,/ coberto de glória,/ trazendo garboso no peito/ a Cruz da Vitória" – e "Comício em Mangueira", onde o mesmo personagem, cabo Laurindo, lembra os nomes dos sambistas que tombaram, para concluir: "Mangueira tomou parte na vitória,/ Mangueira mais uma vez na história".

Canção engajada

Em 1945, Vargas é deposto, mas cinco anos depois retorna ao poder, eleito pelo povo, como anuncia o "Retrato do Velho", de Haroldo Lobo e Marino Pinto: "Bota o retrato do velho, outra vez./ Bota no mesmo lugar./ O sorriso do velhinho/ faz a gente trabalhar".

Juscelino Kubitschek, eleito a seguir, é o presidente "Bossa Nova", cantado por Juca Chaves, já que o termo, além da batida inusitada do violão de João Gilberto, passa a designar tudo o que é diferente: "Bossa nova mesmo é ser presidente/ desta terra descoberta por Cabral./ Para tanto basta ser tão simplesmente/ simpático, risonho, original".

O golpe militar de 1964 e a rebeldia estudantil dessa década dão lugar à música engajada, que em alguns casos, por motivos óbvios, não chega a ser gravada, como nesta quadrinha de Chico Buarque – "Todo povo tem um osso./ O nosso é um presidente sem pescoço" –, em referência ao baixinho e atarracado Humberto Castello Branco, o primeiro general presidente da ditadura.

Nessa época, a música não apenas conta a história – como nas trilhas compostas para o teatro por Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri em "Arena Conta Zumbi" – como também interfere na própria, com a epopéia de canções dos festivais da Record – "Disparada" e "Para não Dizer que não Falei das Flores", de Geraldo Vandré, são os principais ícones – e posteriores, como "Apesar de Você", de Chico Buarque.

Ao mesmo tempo, o Tropicalismo, lançado por Caetano Veloso e Gilberto Gil, busca nos aproximar da América Latina e chega a evocar Che Guevara ("el nombre del hombre muerto,/ ya no se puede decirlo,/ quien sabe?") na canção bilíngüe "Soy Loco por Ti América". Quando a repressão aperta, após a edição do AI-5, muitos partem para o exílio, como Caetano e Gil, refugiados em Londres, e Chico Buarque, na Itália.

Com a redemocratização, Chico resumiria o que foram os anos da ditadura em "Vai Passar": "Um tempo,/ página infeliz da nossa história,/ passagem desbotada na memória,/ das nossas novas gerações./ Dormia, a nossa pátria mãe tão distraída,/ sem perceber que era subtraída/ em tenebrosas transações.// Seus filhos/ erravam cegos pelos continentes,/ levavam pedras como penitentes,/ erguendo estranhas catedrais".

Quando o século 20 termina, o país é novamente resenhado como nos tempos de Ary Barroso, só que de maneira acidamente crítica, por Cazuza e Renato Russo, o primeiro em "Brasil" ("Não me convidaram/ para esta festa pobre/ que os homens armaram/ pra me convencer./ (...)/ Brasil,/ mostra a tua cara,/ quero ver quem paga,/ pra gente ficar assim") e o segundo em "Que País é este?": "Nas favelas, no Senado,/ sujeira pra todo lado./ Ninguém respeita a Constituição,/ mas todos acreditam no futuro da Nação./ Que país é este?"

Finalmente, neste início de século 21, diante de uma mídia que, por motivos ideológicos ou mercadológicos, critica os políticos, mas jamais seus próprios leitores, ouvintes ou telespectadores, cabe novamente à MPB registrar a realidade brasileira. É o que faz de maneira exemplar a canção "Classe Média", classificada para o Festival Cultura – A Nova Música do Brasil, do compositor Max Gonzaga: "Sou classe média,/ papagaio de todo telejornal./ Eu acredito/ na imparcialidade da revista semanal./ (...)/ Compro roupa e gasolina no cartão./ Odeio ‘coletivos’/ e vou de carro que comprei a prestação./ Só pago impostos,/ estou sempre no limite do meu cheque especial./ Eu viajo pouco, no máximo um pacote CVC trianual./ Mas eu ‘tô nem aí’/ se o traficante é quem manda na favela./ Eu não ‘tô nem aqui’/ se morre gente ou tem enchente em Itaquera./ Eu quero é que se exploda/ a periferia toda./ Mas fico indignado com o Estado/ quando sou incomodado/ pelo pedinte esfomeado que me estende a mão./ O pára-brisa ensaboado,/ é camelô, biju com bala/ e as peripécias do artista, malabarista do farol./ Mas se o assalto é em Moema,/ o assassinato é no ‘Jardins’,/ e a filha do executivo é estuprada até o fim,/ aí a mídia manifesta a sua opinião regressa,/ de implantar pena de morte ou reduzir a idade penal./ E eu que sou bem-informado, concordo e faço passeata,/ enquanto aumenta a audiência e a tiragem do jornal./ (...)/ Toda tragédia só me importa quando bate em minha porta/ porque é mais fácil condenar quem já cumpre pena de vida".

Revista Problemas Brasileiros

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