segunda-feira, 9 de setembro de 2013

O colapso dos rapanui

Ao contrário do que sugerem as teses vigentes sobre a extinção dessa civilização no Pacífico Sul, foram roedores, e não humanos, os grandes agentes da degradação ambiental na Ilha de Páscoa

Terry L. Hunt

Harald Sund/Getty images

Todos os anos, milhares de turistas do mundo inteiro percorrem longas distâncias pelo Pacífico Sul para ver as famosas estátuas de pedra da Ilha da Páscoa. Desde 1722, quando os primeiros europeus ali chegaram, essas figuras megalíticas, os moais, intrigam visitantes. O interesse em saber como foram construídos e movidos levou a outra questão também enigmática: o que aconteceu às pessoas que os criaram?

De acordo com o relato corrente sobre o passado da ilha, os habitantes nativos - que se autodenominam rapanui e se referem à ilha como Rapa Nui - outrora formavam uma sociedade grande e próspera que entrou em colapso em conseqüência da degradação ambiental. Segundo essa teoria, um pequeno grupo de colonizadores da Polinésia teria chegado entre os séculos IX e X. Trezentos anos depois, o aumento populacional acelerado e a obsessão em construir moais levaram a uma pressão cada vez maior no ambiente. No final do século XVII, os rapanui haviam desmatado a ilha, o que resultou em guerras, fome e colapso cultural.

Jared Diamond, geógrafo da Universidade da Califórnia em Los Angeles, usou os rapanui como parábola sobre os perigos da destruição ambiental. "Em apenas alguns séculos", escreveu em 1995, "os habitantes da Ilha de Páscoa liquidaram suas florestas, levaram suas plantas e animais à extinção, e viram sua complexa sociedade rumar para o caos e o canibalismo. Estamos perto de seguir seu exemplo?" Em Colapso, publicado em 2005, Diamond descreveu Rapa Nui como "o exemplo mais claro de uma sociedade que se autodestruiu ao explorar demais os próprios recursos".

Dois elementos chave no relato de Diamond - que certamente não está sozinho ao descrever Rapa Nui como um conto sobre a moralidade ambiental - são o grande número de polinésios vivendo na ilha e sua tendência a derrubar árvores. Ao analisar estimativas sobre a população nativa, diz que não ficaria surpreso se excedesse 15 mil indivíduos em seu auge. Uma vez derrubadas todas as árvores do grande grupo de palmeiras, seguiram-se "fome, declínio da população e canibalismo". Quando os europeus chegaram, no século XVIII, encontraram somente um pequeno vestígio dessa civilização.

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Thor Heyerdahl,antropólogo e explorador norueguês, quem chamou a atenção do grande público para a ilha

Em minha primeira viagem a Rapa Nui esperava confirmar essas teses. Em vez disso, encontrei evidências que não se encaixavam na linha do tempo básica. Quando examinei os dados de escavações arqueológicas disponíveis e alguns trabalhos similares realizados em outras ilhas do Pacífico, percebi que muito do que era atribuído à pré-história de Rapa Nui não passava de especulação. Estou convencido, agora, de que simplesmente o colapso ambiental auto-induzido não explica a queda dos rapanui. 

Datações de carbono que fizemos e dados paleoambientais apontam para uma explicação diferente sobre o que aconteceu nessa pequena ilha. A história é mais complexa do que a comumente descrita. 

Os primeiros colonizadores podem ter chegado muito depois do que se acreditava, e eles não viajavam sozinhos. Traziam galinhas e ratos, ambos utilizados como alimento. Mais importante é, no entanto, o que os ratos comiam. Esses roedores prolíferos podem ter sido a principal causa da degradação ambiental. Usar os rapanui como exemplo de "ecocídio", como Diamond o chamou, torna a narrativa atraente, mas a realidade da história trágica da ilha não é menos significativa.

Pesquisas Iniciais
Mais de 3 mil km de oceano separam Rapa Nui da América do Sul, o continente mais próximo. A ilha habitável menos distante é Pitcairn, 2 mil km a oeste. Rapa Nui tem apenas cerca de 170 km, e fica um pouco ao sul dos trópicos, o que significa que seu clima é menos convidativo que o de muitas ilhas tropicais do Pacífico. Ventos fortes e imensas oscilações no índice pluviométrico dificultam a agricultura. 

A flora e a fauna são limitadas. Além de galinhas e ratos, há poucos vertebrados terrestres. Muitas das espécies de pássaros que já habitaram a ilha estão agora extintas no local. Grandes palmeiras do gênero Jubaea cobriam a maior parte da ilha, mas elas, também, desapareceram. Pesquisa recente encontrou apenas 48 tipos de plantas nativas, incluindo 14 introduzidas pelos rapanui.

Michal Wozniak/Stockphotos
A paisagem permanece amplamente árida, como mostra a foto da região de Ahu Tongariki

Relatos de visitantes europeus foram usados para argumentar que, na época da descoberta européia, a população nativa estava em declínio, mas eles às vezes se contradizem. Em seu registro, o explorador holandês Jacob Roggeveen, que levou os primeiros europeus a aportar ali, retratou a ilha como empobrecida e sem árvores. No entanto, depois de partirem, Roggeveen e os comandantes de seus três navios a descreveram como "extraordinariamente fértil, com produção de banana, batata, cana-de-açúcar de espessura notável e muitos outros frutos da terra. Essa nação, no que diz respeito a seu solo rico e bom clima poderia ser transformada em um Paraíso terrestre, caso trabalhada e cultivada de forma adequada". Um dos comandantes de Roggeveen escreveu, mais tarde, que havia avistado "extensões inteiras de florestas" a distância. 

Um visitante do século XIX, J. L. Palmer, declarou, no Journal of the Royal Geographic Society, que havia visto "troncos de grandes árvores, Edwardisia, coqueiros e hibiscos". Os coqueiros foram introduzidos recentemente na ilha, portanto Palmer deve ter visto a hoje extinta palmeira Jubaea.

É claro que os registros históricos têm lacunas. Há tempos pesquisadores tentam dar respostas mais definitivas sobre a pré-história da Ilha de Páscoa, mas não raro contribuem mais para a confusão.

O explorador e antropólogo norueguês Thor Heyerdahl, por exemplo, visitou Rapa Nui em 1950 e despertou amplo interesse sobre os moais e as grandes fundações de pedra, ou ahus, sobre as quais com freqüência estão assentados. Mas também ajudou a difundir conclusões errôneas. Heyerdahl acreditava que as ilhas polinésias, incluindo Rapa Nui, haviam sido colonizadas por viajantes da América do Sul, e não do oeste do Pacífico. Em 1947, ele iniciou a famosa expedição Kon-Tiki, navegando numa pequena embarcação feita de madeira e materiais básicos, do Peru até as ilhas Tuamotu, a fim de provar que era possível que povos pré-históricos tivessem feito a viagem. 

Em 1955, comandou uma expedição arqueológica a Rapa Nui. E propôs que a ilha havia sido colonizada a partir do leste, apontando semelhanças entre suas estátuas e trabalhos em pedra sul-americanos. Evidências lingüísticas e genéticas estabeleceram com solidez a origem polinésia dos rapanui, mas as conclusões feitas por Heyerdahl ainda anuviam os relatos arqueológicos. 

Uma amostra de carvão descoberta na península Poike - que marca, em princípio, o local de uma antiga fornalha - foi datada como sendo de 400 d.C. Aliada à idéia então prevalecente de que a língua dos rapanui indicava muitos séculos de isolamento de outros grupos polinésios, a datação em carbono dessa amostra levou especialistas a concluir que a colonização humana começou ali por volta do século V.
Mais recentemente, no entanto, alguns arqueólogos rejeitaram essa datação, enquanto outros questionaram se as evidências lingüísticas refletem o isolamento dos rapanui em vez de uma colonização anterior. Essa fase posterior da pesquisa passou a indicar a data de 800-900 d.C. como provavelmente a época mais anterior da colonização humana no local. 

Apesar de os arqueólogos realmente terem concentrado seus esforços em estabelecer exatamente quando a ilha foi colonizada, eles dedicaram muito de seu trabalho ao estudo das mudanças que esses colonizadores trouxeram, em especial o desmatamento. A equipe de Heyerdahl colheu amostras de pólen mostrando que as palmeiras já haviam sido abundantes na ilha. Durante as escavações, características indicativas de onde as raízes haviam crescido em alguma época foram encontradas, revelando uma vegetação mais alastrada no passado e apontando para a possibilidade de que os humanos haviam causado a perda de cobertura florestal.

John Flenley forneceu grande parte das evidências mais recentes detalhadas nessa área. No final da década de 70 e na de 80, ele coletou e analisou depósitos de sedimentos de três crateras: Rano Aroi, próxima do centro da ilha; Rano Raraku, adjacente à pedreira onde muitas das estátuas foram esculpidas; e Rano Kau, localizada na ponta sudoeste da ilha. Cada uma dessas depressões tem um lago raso, que coleta sedimentos levados pelo vento de outras regiões da ilha.

A melhor evidência veio de um núcleo de 10,5 metros de Rano Kau, mostrando que durante milhares de anos a ilha havia sido arborizada antes de as árvores desaparecerem, processo ocorrido entre 800 e 1500 d.C. No entanto, mais recentemente a validade dessas datas - derivadas da datação por radiocarbono de amostras de sedimentos dos lagos - foi questionada. Em 2004, Kevin Butler, Christine A. Prior e Flenley mostraram que as amostras volumosas de sedimento de locais como esses com freqüência contêm um pouco de carbono consideravelmente mais antigo que a data de depósito. Isso significa que a cronologia proposta por Flenley poderia indicar que o desmatamento induzido por humanos fosse centenas de anos mais antigo do que realmente é.

Outros trabalhos arqueológicos e paleoambientais recentes desafiaram hipóteses que vigoraram por muito tempo sobre a pré-história de Rapa Nui. Catherine Orliac, do Centro Nacional de Pesquisa Científica, da França, realizou um estudo notável com 32.960 espécies de plantas. Além de identificar 14 organismos não identificados antes na ilha, ela mostrou que a principal fonte de combustível dos rapanui mudou de maneira drástica. Entre 1300 e 1650, eles queimaram madeira de árvores, mas usaram capim, samambaias e plantas similares para obter combustível a partir daquele ponto. No entanto, Orliac argumentou que pelo menos dez espécies de vegetação florestal podem ter persistido até os europeus começarem a visitar a ilha.


Patrício Novoa
Durante milhares de anos, Rapa Nui foi recoberta por uma grande floresta de palmeiras. Uma espécie muito similar a Jubae chiliensis

Em outro estudo, Orliac examinou resíduos da casca dura que envolve a semente da palmeira Jubaea. Esses exemplares que foram carbonizados, roídos por ratos ou encontrados associados a materiais humanos forneceram evidências da ocupação humana da ilha. Ela datou vários deles e descobriu que eram posteriores a 1250.

Andréas Mieth e Hans-Rudolf Bork, da Universidade Christian-Albrecht em Kiel, Alemanha, estudaram o processo de desmatamento em Rapa Nui e concluíram que as palmeiras Jubaea haviam coberto a maior parte da ilha. Segundo eles, o desmatamento começou por volta de 1280. Os rapanui abandonaram em grande parte a península nos 200 anos seguintes, mas se assentaram novamente em algumas áreas, entre 1500 e 1675.

Em 2003, o geólogo Dan Mann e vários colegas obtiveram datação por carbono de pedaços de carvão encontrados em solos de diversas localidades da ilha. Também documentaram episódios remotos de erosão severa que, de acordo com as medições de carbono, começaram logo depois de 1200. O estudo deles, como o de Mieth e Bork, aponta que o desmatamento se deu entre 1200 e 1650, sem indícios de impacto humano anterior a esse período.

Tanto a equipe de Mann quanto Mieth e Bork conciliaram suas descobertas com trabalhos anteriores ao argumentar que a população, durante os séculos anteriores a 1200, deve ter sido pequena ou temporária. Foi apenas quando o número de habitantes permanente cresceu que os indícios de presença humana se tornaram claros no registro paleoambiental.

Mas esse cenário inclui várias suposições questionáveis. Ele exige uma pequena população colonizadora com taxa de crescimento lenta e pouco impacto ecológico. Depois de nossa própria pesquisa em Rapa Nui, começamos a nos perguntar se a escassez de evidências acerca da presença humana anterior a 1200 deveria ser levada em consideração por seu valor nominal - talvez a ilha não tivesse sido realmente colonizada tão cedo quanto se acreditava.
Datação é Tudo
Ao visitar rapa nui pela primeira vez, em maio de 2000, não tinha idéia de que acabaria questionando o que acreditava saber acerca do passado da ilha. Na realidade, viajava como turista, não como arqueólogo. Mas fui convidado por Sergio Rapu, governador nativo da ilha e ex-aluno meu - ele estudou arqueologia na Universidade do Havaí - a fazer pesquisas na ilha. 

Previa que meu trabalho e de meus alunos, iniciado em agosto de 2000, ajudaria a dar os toques finais em uma história bem estabelecida. Mas, quando comecei a rever dados de pesquisa arqueológica, estudos sobre os moais e evidências sobre mudanças ambientais, percebi que havia uma série de lacunas no que se sabia sobre Rapa Nui, e passei a ficar cada vez mais cético sobre tudo dito acerca da pré-história da ilha. 

Nos anos seguintes, fizemos trabalho de campo durante um ou dois meses por ano. Meu colega Carl P. Lipo, arqueólogo da Universidade Estadual da Califórnia, juntou-se ao grupo e me apresentou ao potencial das imagens por satélite, que usamos para explorar características como as antigas estradas pelas quais os rapanui transportavam os moais da pedreira de Rano Raraku para qualquer canto da ilha. Seguir o alinhamento das rotas também resultou na documentação de vários moais até então não registrados.

Em 2004, começamos novas escavações em Anakena. Essa praia de areia branca teria sido o local mais convidativo para que os primeiros colonizadores ancorassem seus barcos (grande parte da costa é composta por despenhadeiros ou penhascos rochosos). Por isso, a maioria dos antropólogos suspeita que as primeiras colônias tenham sido estabelecidas ao redor de Anakena. Pretendíamos estudar subsistência e mudança ambiental, não cronologia básica, que acreditávamos já estar estabelecida.

A estratificação magnificamente inalterada da areia provou ser o sonho dos arqueólogos. A integridade das camadas seria útil para determinar quando as coisas haviam acontecido. Desenterramos fragmentos abundantes de carvão (indicando o uso de fogo), ossos (incluindo os de ratos polinésios, uma espécie que chegou com os colonos) e fragmentos de obsidiana lascada (sinal claro de trabalho manual humano) nos 3 a 5 cm de barro subjacente. Abaixo, não encontramos nada que sugerisse atividade humana. Ao contrário a argila antiga era enigmática, com vazios irregulares - locais onde o solo uma vez se moldara ao redor das raízes das árvores de palmeira Jubaea.
Sem dúvida havíamos encontrado a camada de material mais antigo relacionado a humanos em Anakena, e presumindo que este fosse o local das primeiras colônias da ilha, estávamos em excelente posição para determinar a data da colonização inicial. Portanto, fiquei decepcionado quando o laboratório que faz a datação por carbono dessas amostras nos enviou um e-mail comunicando que as datas mais antigas eram de apenas 800 anos atrás, o que significava que a ocupação começara por volta de 1200. As datas das camadas mais próximas à superfície eram progressivamente mais recentes, o que não é consistente com a possibilidade de que de alguma forma nossas amostras tivessem sido contaminadas por carbono moderno. Realmente não havia como explicar esses números, pelo menos não pelo modelo convencional aceito de desenvolvimento de Rapa Nui. Quando a cópia em papel do relatório chegou, algumas semanas depois, examinei os dados de novo. Quanto mais analisava, mais parecia que nossos resultados não eram o problema.

Conversei com Atholl Anderson, da Universidade Nacional Australiana. Ele havia feito uma triagem cuidadosa de datações por carbono da Nova Zelândia e concluído que os primeiros colonos chegaram lá por volta de 1200, várias centenas de anos depois do que os arqueólogos acreditavam no início. A reação às suas idéias foi bastante fria no começo, mas o tempo e evidências adicionais provaram que estava correto. Com essa experiência nas costas, Anderson me aconselhou a manter a cabeça aberta e confiar nos meus dados mais do que em quaisquer idéias anteriores.

Mas a cronologia tradicional estaria simplesmente errada? Lipo e eu analisamos mais a fundo as evidências sobre a colonização humana inicial. Avaliamos 45 datações por carbono publicadas indicando presença humana mais de 750 anos atrás utilizando um protocolo de "higiene cronométrica". Rejeitamos datas medidas com base em de fontes não confiáveis, como organismos marinhos, que exigem correções para o carbono mais antigo vindo do ambiente oceânico. Também desconsideramos datas únicas que não haviam sido confirmadas por uma segunda datação do mesmo contexto arqueológico. Utilizar somente datas emparelhadas ajuda a assegurar a confiabilidade dos dados. Ficamos com somente nove datas aceitáveis. Com essa seleção, evidências sobre a primeira ocupação ocorrendo por volta do século IX simplesmente ruíram. 

Apesar de os nossos resultados não se encaixarem na data de colonização aceita para Rapa Nui, eles se ajustavam à cronologia do desmatamento que Orliac, Mann, e Mieth e Bork haviam desenvolvido. É preciso simplesmente descartar a idéia de que uma população pequena e temporária ocupou a ilha por séculos. Ao contrário, postulamos que o impacto ambiental foi disseminado desde o começo.


Jochem D Wijnanda / Getty images
A praia de Anakena, provavelmente onde ocorreu a primeira colonização de Rapa Nui, foi o local onde o autor conduziu suas escavações arqueológicas

A noção de que os humanos não chegaram a Rapa Nui até cerca de 1200 não foi a única coisa que me fez repensar minhas suposições acerca da ilha. Pesquisas feitas em outras ilhas do Pacífico fornecem um paralelo atraente e uma possível explicação para o dano ambiental em Rapa Nui. 

Ratos no Paraíso
Durante milhares de anos, a maior parte de Rapa Nui esteve coberta de palmeiras. Registros de pólen mostram que a Jubaea se estabeleceu lá há pelo menos 35 mil anos e sobreviveu a várias mudanças climáticas e ambientais. Mas, na época em que Roggeveen chegou, em 1722, a maior parte da floresta havia desaparecido.

Não se trata de uma observação nova o fato de que virtualmente todas as cascas de sementes de palmeira encontradas em cavernas ou escavações arqueológicas de Rapa Nui mostram sinais de terem sido roídas por ratos, mas o impacto desses ratos no destino da ilha pode ter sido subestimado. Evidências de outros locais no Pacífico revelam que com freqüência esses animais contribuíram para o desmatamento, e eles podem muito bem ter tido um papel importante na degradação ambiental de Rapa Nui.

O arqueólogo J. Stephen Athens, do Instituto Internacional de Pesquisas Arqueo-lógicas, fez escavações na ilha de Oahu, Havaí, e descobriu que o desmatamento da planície Ewa ocorreu em grande parte entre 900 e 1100, mas que a primeira evidência de presença humana nessa parte da ilha só aconteceu por volta de 1250. Não havia explicações climáticas para o desaparecimento das palmeiras, mas havia indícios de que o rato da Polinésia (Rattus exulans), introduzido pelos primeiros colonizadores humanos, estava presente na área por volta de 900. Athens mostrou que era bastante provável que os ratos tivessem desmatado grandes áreas de Oahu.

Paleobotânicos demonstraram o efeito destrutivo de ratos na vegetação nativa em muitas outras ilhas, mesmo naquelas ecologicamente diversas como a Nova Zelândia. Em áreas das quais eles são removidos, com freqüência a vegetação se recupera rapidamente. E na ilha Nihoa, no noroeste das ilhas havaianas, onde não há evidência de que os ratos jamais tenham se estabelecido, a vegetação nativa ainda sobrevive, apesar dos assentamentos humanos pré-históricos.

Como clandestinos ou fonte de proteína para os viajantes polinésios, os ratos teriam encontrado um ambiente acolhedor em Rapa Nui - um fornecimento quase ilimitado de alimento de alta qualidade e, a não ser pelos humanos, nenhum predador. Em um cenário tão ideal, os roedores podem se reproduzir com tanta rapidez que sua população teria dobrado a cada seis ou sete semanas. Um único casal poderia, dessa forma, gerar uma população de quase 17 milhões em pouco mais de três anos. Na década de 70, no atol de Kure, nas ilhas havaianas, a uma latitude similar à de Rapa Nui, mas com um fornecimento menor de alimento, registrou-se que a densidade populacional do rato polinésio teria alcançado 182 por m2. Em Rapa Nui, isso equivaleria a uma população de 1,9 milhão de animais. A uma densidade de 300 por m2, o que não seria desmedido, dada a abundância de alimento, a população de ratos pode ter excedido 3,1 milhões.
As evidências de outras partes do Pacífico tornam difícil acreditar que os ratos não tenham causado uma degradação ambiental rápida e ampla. Mas ainda há a questão de seu efeito em relação às mudanças causadas por humanos, que cortavam árvores para vários fins e praticavam agricultura de corte e queima. Acredito haver evidências substanciais de que foram roedores, mais que humanos, que levaram ao desmatamento. 

Nossas escavações em Anakena, assim como estudos arqueológicos anteriores, encontraram milhares de ossos de rato. Ao que tudo indica, a população de ratos polinésios cresceu com rapidez, e decaiu mais recentemente antes de se extinguir face à competição de espécies de rato introduzidas por europeus. Quase todas as cascas de semente de palmeira descobertas na ilha mostram sinais de terem sido roídas, sugerindo que esses animais que já foram onipresentes afetaram a capacidade de reprodução das palmeiras Jubaea. Motivos para considerar os ratos mais culpados que os humanos também são revelados pela análise de sedimentos obtidos em Ranu Kau que, como as evidências do Havaí, parecem indicar que a floresta decaiu (deixando menos pólen no sedimento) antes do uso extensivo de fogo pelas pessoas. 

Quando a segunda rodada de resultado por carbono chegou, um quadro completo da pré-história de Rapa Nui começava a se formar. Os primeiros colonizadores chegaram de outras ilhas da Polinésia por volta de 1200. A quantidade deles aumentou rapidamente, talvez a um ritmo de 3% ao ano, o que seria similar ao rápido crescimento de outros locais no Pacífico. Na ilha Pitcairn, por exemplo, a população cresceu 3,4% por ano depois da chegada dos amotinados do Bounty em 1790. Em Rapa Nui, um crescimento anual de 3% significaria que uma população de 50 colonos teria aumentado para quase 1.000 em um século. O número de roedores teria explodido com mais velocidade ainda, e a combinação de humanos cortando árvores e ratos comendo as sementes teria levado a um rápido desmatamento. Portanto, na minha opinião, não houve um período longo durante o qual a população humana viveu em algum tipo de equilíbrio idílico com o frágil ambiente.

Também parece que os habitantes da ilha começaram a construir moais e ahus logo depois de chegar ali. Por volta de 1350, a população provavelmente chegou ao máximo de cerca de 3 mil pessoas, e permaneceu estável até a chegada dos europeus. As limitações ambientais de Rapa Nui teriam evitado que a população crescesse muito mais. Em 1722, a maioria das árvores da ilha já tinha sumido, mas o desmatamento não precipitou o colapso da sociedade, como Diamond e outros argumentaram.
Não existem provas confiáveis de que a população da ilha tenha alcançado 15 mil pessoas ou mais, e a verdadeira queda dos rapanui foi resultado não de disputas internas, mas do contato com os europeus. Quando Roggeveen desembarcou no litoral de Rapa Nui, poucos dias depois da Páscoa (daí o nome da ilha), ele levou consigo mais de 100 de seus homens armados com mosquetes, pistolas e cutelos. Antes de avançar muito, Roggeveen ouviu disparos vindos da retaguarda. Ele se virou e viu dez ou 12 habitantes mortos e muitos outros feridos. Seus marujos afirmaram que alguns dos rapanui haviam feito gestos ameaçadores. Qualquer que tenha sido a provocação, o resultado não foi de bom agouro para os habitantes da ilha.

Doenças trazidas de fora, conflitos com invasores europeus e escravidão seguiram-se durante os 150 anos seguintes, e essas foram as principais causas do colapso. No começo da década de 1860, mais de mil rapanui foram levados da ilha como escravos e, no final da década seguinte, o número de habitantes nativos chegava somente a cerca de 100. Em 1888, a ilha foi anexada ao Chile. Atualmente permanece como parte daquele país. 

Na década de 30, o etnógrafo francês Alfred Métraux visitou a ilha. Mais tarde descreveu o fim de Rapa Nui como "uma das atrocidades mais medonhas cometidas por homens brancos nos Mares do Sul". Foi genocídio, não ecocídio, o causador do fim dos rapanui. Não ocorreu uma catástrofe ecológica em Rapa Nui, pois ela foi resultado de vários fatores, não somente de miopia humana.

Acredito que o mundo enfrente, hoje, uma crise ambiental global sem precedentes, e compreendo a utilidade de exemplos históricos sobre as armadilhas da destruição ambiental. Portanto, foi com certa inquietação que concluí que Rapa Nui não fornece tal exemplo. Mas, como cientista, não posso ignorar os problemas encontrados na narrativa aceita sobre a pré-história da ilha. Erros ou exageros nos argumentos para a proteção do ambiente somente levam a respostas simplistas ao extremo e prejudicam a causa do ambientalismo. No final, acabaremos nos perguntando por que nossas respostas simples não foram suficientes para fazer alguma diferença na confrontação dos problemas atuais.

Os ecossistemas são complexos, e há necessidade premente de compreendê-los melhor. Com certeza o papel dos roedores em Rapa Nui mostra o impacto potencialmente devastador, e com freqüência inesperado, de espécies invasoras. Espero podermos continuar a explorar o que aconteceu em Rapa Nui e a aprender qualquer que seja a lição que essa ilha remota tem a nos ensinar.
Easter Island, Earth Island., P. G. Bahn e J. R. Flenley. Thames and Hudson, 1991.

Anomalous radiocarbon dates from Easter Island. K. C. Butler, A. Prior e J. R. Flenley. Radiocarbon 46(1):395-405, 2004. 

Easter\\`s end. J. Diamond. Discover 9:62-69, 1995. 

Colapso: Como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso. Record, 2005.

Late colonization of Easter Island. T. L. Hunt e C. P. Lipo. Science 311:1603-1606, 2006.

Mapping prehistoric statue roads on Easter Island. C. P. Lipo e T. L. Hunt. Antiquity 79:158-168.
Scientific American Brasil

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