sábado, 13 de agosto de 2011

Paris é uma festa

Em 7 de abril de 1831, o imperador Pedro 1º. abdicou da Coroa brasileira em favor de seu filho Pedro e zarpou para Paris. Após seis meses de badalações e tertúlias, viu nascer a filha Maria Amélia e moveu ofensiva militar contra o irmão, d. Miguel, rei de Portugal, a quem derrotou, deixando o trono livre para d. Maria 2ª.

ISABEL LUSTOSA

ESPECIAL PARA A FOLHA

Biblioteca Nacional de Portugal
Na caricatura de Daumier (1833), apoiado pelo rei da França, D. Pedro encara o irmão D. Miguel (à dir.)

No dia 7, fez 180 anos que o imperador d. Pedro 1º pisou pela última vez em terras brasileiras. A data, hoje esquecida, já teve tanta importância que chegou a ser cogitada como feriado da nossa independência. Era um dia tão significativo que Bernardo Pereira de Vasconcelos, grande personalidade da Regência, daria o nome de "7 de Abril" ao seu polêmico jornal. Talvez o baixo nível de muito do que publicou ali tenha contribuído para o rápido desprestígio da data.

Depois de um processo de desgaste que tivera entre suas razões o profundo envolvimento de d. Pedro com a sucessão da monarquia portuguesa, ele fora levado a abdicar da Coroa brasileira em nome de seu filho de cinco anos, que assim se tornava, automaticamente, o imperador d. Pedro 2º.

Não zarpou logo o ex-imperador.

Seu navio ficou no porto ainda por uma semana, durante a qual ele aproveitou para negociar todos os seus bens, até os mais modestos. A bordo, seus maus modos --especialmente no trato com d. Amélia-- e sua azáfama de dono de armazém cioso da contabilidade de seu comércio causaram espécie na tripulação inglesa do Warspite.

TIRANO Deixava para trás o Brasil, onde, ao longo de um reinado de dez anos, passara de herói da Independência, príncipe liberal indispensável à conservação da unidade do nosso território, a tirano que não respeitava as decisões da Assembleia e que estaria mais ocupado com os problemas do país do qual nos libertáramos do que com os nossos. Poucos dias depois da abdicação, um dos jornais que mais o combateram, o "Tribuno do Povo", do agitador republicano Francisco das Chagas de Oliveira França, publicaria a acusação, até então apenas murmurada, de que a imperatriz Leopoldina, pouco antes de morrer, teria recebido um literal pontapé do marido.

A imagem do imperador do Brasil também não parecia ser muito boa no exterior. O casamento com a segunda imperatriz, d. Amélia, aliás, só foi celebrado depois que 16 princesas europeias recusaram a mão ao pretendente, aterrorizadas com seus modos brutais. Sabia-se também na Europa que ele ostentava uma amante poderosa, a plebeia Domitila de Castro, elevada pelo imperador a marquesa de Santos.

A revolta dos batalhões estrangeiros que ensanguentou o Rio durante três dias, em 1828, traumatizara a cidade. Quando o mesmo cenário se repetiu, em março de 1831, na sequência dos combates entre portugueses e brasileiros que passou à história como a Noite das Garrafadas, o desapreço dos brasileiros por d. Pedro já era total.

DESEMBARQUE No entanto, ao desembarcar na Normandia, em junho de 1831, o agora duque de Bragança foi recebido com salvas de 21 tiros de canhão, batalhões em formação, banquetes e todas as honras devidas ao chefe de Estado que já não era. Cherbourg e o resto da França festejavam d. Pedro como o príncipe que implantara um regime constitucional em um novo país da América.

As notícias sobre a revolução ocorrida em Paris em julho de 1830, que derrubara Carlos 10º, e, com ele, a última encarnação do regime absolutista na França, serviram de estímulo aos que, no Brasil, combatiam d. Pedro, impulsionando o movimento que o levou a abdicar. Na França, no entanto, o imperador tropical representava justamente os ideais modernos do constitucionalismo e do liberalismo.

Ao contrário do irmão, d. Miguel, que promovia um reinado de terror em Portugal, d. Pedro era visto como um monarca à frente de seu tempo, pois dera uma constituição tanto aos "selvagens" do Brasil como ao obscuro Portugal, mergulhado no atraso e na superstição. Impulsionada pelas ações e pela boa imagem do ex-imperador, a causa de d. Maria 2ª, cuja coroa fora usurpada pelo tio, ia ganhando admiradores por toda a Europa e empolgava a imprensa liberal francesa.

REVOLUÇÃO Em Paris, no aniversário de um ano da revolução de julho de 1830, o rei Luis Felipe fez questão de comparecer a todos os festejos na companhia do ex-imperador. D. Pedro causou a melhor das impressões. Elegante, simpático e bom cavaleiro, por onde passava era saudado pela multidão. Se no Rio desconcertava os diplomatas europeus com seu estilo informal --sem atentar para as sutilezas do "vous" (pronome de tratamento formal) e do "tu" (informal)--, só fazia agradar numa França com sede renovada de democracia.

Lafayette, por exemplo, que andava meio em baixa, até gostou quando, ao ser apresentado a ele, d. Pedro não escondeu que era tiete do herói francês. A amizade que firmaram faria com que o próprio Lafayette mais tarde escrevesse a d. Pedro encaminhando-lhe o neto como voluntário para lutar na reconquista do trono de Portugal.

Aurélio de Figueiredo/Wikimedia Commons
Na tela de Aurélio de Figueiredo (c. 1890, d. Pedro 1º entrega a carta de abdicação

Dali em diante, d. Pedro seria constantemente mencionado nos jornais. Até o nascimento de sua filha, em dezembro de 1831, mereceria longa matéria na primeira página do "Le Moniteur Universel". Ali se descrevia em detalhes a reunião em torno do leito da duquesa de Bragança. Entre os convivas, estava o embaixador do Brasil, pois d. Pedro queria garantir para a filha caçula o direito de sucessão ao trono brasileiro.

Diz o jornal que, depois do nascimento da princesa Maria Amélia, foram todos comemorar num restaurante. Devem ter reproduzido ali, no frio do inverno parisiense, mais uma das memoráveis pândegas lideradas pelo maior dos pândegos que sempre foi o imperador. Do grupo, no qual não faltaram o Chalaça e o futuro marquês de Resende, Antonio Telles, é possível que também participassem o pintor Jean-Baptiste Debret e seu pupilo, Araújo Porto-Alegre, então recém-chegados à Europa.

MUNDANISMO Se, do ponto de vista da vida pública, o "séjour" parisiense de nosso primeiro imperador foi um sucesso, do ponto de vista mundano não foi diferente. Ele era visto em toda parte, na ópera, nas corridas, frequentando os melhores cabeleireiros, os melhores alfaiates, fazendo-se retratar pelo melhor gravador e, só para não perder o costume, conquistando corações.

Mas não seria o nosso d. Pedro 1º se tudo o que fizesse agradasse aos esnobes franceses. A condessa de Abrantes, que o vira menino em Lisboa, classificou seus modos como equivalentes aos de um "criado de quarto de uma casa sem muita classe".

Suas composições musicais, apresentadas no Teatro dos Italianos pela orquestra do grande Rossini (diante do qual d. Pedro quedara-se embasbacado), foram bombardeadas pelo jornal "La Mode". Disse o jornal conservador que "o imperador do Brasil faria melhor indo expulsar seu sanguinário irmão do trono de Portugal do que expulsando com sua música os pacatos frequentadores da ópera".

CAMPANHA MILITAR D. Pedro não demoraria a de fato partir para Portugal. Enquanto jogava bilhar com o rei dos franceses ou festejava com os brasileiros e portugueses radicados em Paris, captava os recursos para aquela campanha militar que então todos consideravam de sucesso improvável. A simpatia pela causa de d. Maria no resto da Europa e o apoio da imprensa e dos liberais não eram garantia de ajuda para a expedição. Inglaterra e França preferiam, mesmo que apenas oficialmente, manter-se neutras diante da situa­ção portuguesa.

D. Miguel contava com um Exército de 80 mil homens e com o apoio da população. D. Pedro era um completo estranho, que nunca mais voltara a Portugal e que, ainda por cima, tinha arruinado o país patrocinando a independência do Brasil. Quando deixou a França com destino a Portugal, em janeiro de 1832, mal conseguira juntar 7.000 homens e algumas poucas embarcações, muito mal equipadas. Faltavam a d. Pedro navios, armas e homens. Suas tropas contavam, no entanto, com um bom elenco de poetas e idealistas, entre os quais Almeida Garrett e Alexandre Herculano, além da garra do notável líder militar que o ex-imperador do Brasil haveria de se revelar.

Foi uma campanha heroica e, pela bravura que demonstrou nos campos de batalha, pelo comando firme que impôs aos seus Exércitos, d. Pedro alcançou a vitória em 1834, quando, afinal, pôde coroar rainha sua filha amada, Maria da Glória. Estava fechado o ciclo desse contraditório herói romântico moderno que morreria logo depois, em setembro de 1834, aos 36 anos, deixando fixada na história de Portugal uma imagem bem diversa da que deixou no Brasil quando abdicou, em 7 de abril de 1831
Folha de São Paulo

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