sexta-feira, 8 de abril de 2011

Joana D’Arc: a santa guerreira


Apesar da fé e da coragem para lutar contra a ordem vigente, a ira da Igreja Católica foi implacável contra Joana D’Aarc. A história de sua vida, porém, venceu as fogueiras da Inquisição e atravessou os séculos
por Julinan Tavares

Joana D’Arc era uma garota pobre e analfabeta de 17 anos quando decidiu salvar a França dos ingleses. Guiada pelas vozes de santa Catarina, santa Margarida e são Miguel, que ela dizia ouvir desde os 13, deixou a aldeia de Domrémy, na atual Lorena, com a meta de ver o príncipe herdeiro do trono, Carlos VII, o delfim, coroado rei. A vontade tinha fundamento. Era 1429 e a França via-se em maus lençóis: um século antes, fora dizimada por pestes, intempéries e fome. Desde 1337 o país se debatia contra os ingleses, na Guerra dos Cem Anos. A região vivia uma guerra civil entre a população local e o rico ducado da Borgonha, vizinho à Lorena, que se aliara aos ingleses. Para Joana – e suas vozes –, apenas uma França forte e soberana poderia derrotar os inimigos. E isso só aconteceria quando o delfim recebesse a coroa na Catedral de Notre-Dame, em Reims, como mandava a tradição. Destemida, presunçosa e, para alguns, fanática, Joana D’Arc, sem nenhum conhecimento militar, convenceu na base da fé um pequeno grupo de soldados a acompanhá-la. Conseguiu muito mais.

Além de uma conferência com o príncipe, a camponesa obteve o que parecia impossível: seu próprio exército, de cerca de 7 mil homens, e a autorização real para marchar até Orléans (a 130 km de Paris) e livrá-la do cerco inglês. Montada num cavalo branco, a Donzela, como se denominou, inspirou os militares. Os ingleses, porém, não tardaram a chamá-la de vaqueira. De fato, Joana D’Arc havia, até então, apenas montado nas costas do gado do pai. Nunca usara uma armadura, jamais estudara táticas de guerra e nem sequer tinha visto um combate. No entanto, nada disso a intimidava. A prova é uma carta sua endereçada ao alto-comando inglês, pouco antes de invadir Orléans, na qual se afirmava chefe de guerra (posição que não lhe fora dada) e emissária de Deus. “Rei da Inglaterra”, dizia ela no comunicado, “se não entregardes o que haveis tomado e violado na França, vos matarei a todos.”

Seu desempenho como soldado, porém, não se mostrou excepcional: na Batalha de Orléans, ela pisou numa bola de cravos, que machucou seus pés e, por pouco, não a deixou fora do cerco à cidade. Durante o combate, foi ferida no peito por uma flecha, mas resistiu.

Os últimos combates

Em Jargeau, Joana foi derrubada de uma escada por uma pedra e, se não fosse seu elmo, teria sofrido um ferimento sério. Apesar das trapalhadas, a presença de Joana D’Arc foi a inspiração que faltava aos soldados franceses quando chegaram à cidade, em 29 de abril de 1429. Carregando um estandarte branco com a figura de Deus ladeada por dois anjos, ela viu as tropas protagonizarem um ataque sangrento. No dia 8 de maio, 4 mil dos cerca de 5 mil ingleses jaziam aniquilados. Encerrava-se assim a Batalha de Orléans, que alterou o cenário da guerra, até então marcada pela dominação britânica.

"O fato de ela ser mulher e ouvir vozes sagradas era algo fabuloso para as mentes da população do século 15", diz Ricardo Luiz Costa, professor de história medieval da Universidade Federal do Espírito Santo. A aura mística em torno de Joana aumentou ainda mais com novas vitórias nas vilas de Jargeau, Meung e Beauregency. As pessoas passaram a se amontoar para vê-la.

No dia 17 de julho de 1429, seu sonho se realizou: o delfim foi coroado. A missão poderia ter acabado ali, mas a garota tinha incorporado o papel de soldado. Sua nova ambição era expulsar os ingleses de Paris. Mas a total falta de preparo pesou, e Joana nunca mais conheceu a vitória. Na Batalha de Compiègne – que iniciou sem a autorização real –, a jovem, então com 19 anos, foi capturada. “Embora seu julgamento, que durou seis meses, fosse eclesiástico, Joana D’Arc terminou por ser condenada pelo governo inglês, que, ligando suas vitórias militares à bruxaria, pôde justificar suas perdas. Eram derrotas consideradas mais humilhantes por serem para uma mulher", diz a professora inglesa Mary Gordon, autora do livro Joana D’Arc. “A guerreira foi acusada de herege, relapsa e idólatra e levada a morrer na fogueira.” No dia 30 de maio de 1431, Joana caminhou acorrentada até uma praça no centro de Rouen, onde prenderam-na a uma estaca. Uma vez dentro do fogo, ela gritou mais de seis vezes ‘Jesus!’, teria contado um dos carrascos. Seu corpo carbonizado, acabou exposto em praça pública à multidão. Os restos mortais foram queimados e as cinzas atiradas ao rio Sena para impedir o culto. Mas o mito de Joana só aumentou.


Saiba mais

Livros

Joana D’Arc, Mary Gordon, ed. Objetiva, 2001

El Legado Secreto de los Cátaros, Francesco Zambon, ed. Siruela, 1997

Site
www.cathares.org


Caça às bruxas

A jovem donzela não foi a única nem a última a morrer queimada com a alcunha de herege. A Inquisição existia desde 1232, vigiando, perseguindo e condenando suspeitos de praticar outras religiões ou que, de alguma forma, ameaçassem a ordem. Como os bogomilos, de origem búlgara, que rejeitaram o cristianismo ortodoxo, negaram o nascimento divino de Cristo e recusaram a adoração a Maria. "Eles combinavam elementos do zoroastrismo, uma antiga religião persa, com outras religiões orientais. Também possuíam uma visão dualista radical, segundo a qual o mundo está dividido em duas forças: o Bem (luz) e o Mal (trevas)", explica Julio Gralha, historiador especialista em Idade Média. Propagaram-se pela Europa Central, alcançando os Alpes e os Pirineus, porém, perseguidos como hereges por Constantino, bogomilos se isolaram na Armênia e na Bósnia, onde foram exterminados pelos turcos no fim do século 15. "Talvez a maior influência dos bogomilos tenha sido lançar as bases para a religião cátara, também dualista." O teólogo boêmio Jan Huss foi outro que sofreu nas mãos da Inquisição. Indignado com as indulgências, defendia, em 1403, o uso da razão para chegar às conclusões espirituais, além de apoiar a tradução da Bíblia para o vernáculo. Apesar de arrebanhar um enorme séquito, conhecido como os hussitas, Huss não escapou da fogueira e acabou sendo morto em 1415.

Já o frade agostiniano alemão Martinho Lutero triunfou na luta contra o domínio católico.

Ao tomar conhecimento de que a Igreja comercializava objetos em troca da salvação, Lutero elaborou 95 teses e fixou-as na porta da igreja do Castelo de Wittenberg no dia 31 de outubro de 1517. O ato não teria importância se ele não tivesse se recusado a receber os emissários papais enviados para adverti-lo. "O gesto levou a sua excomunhão", diz André Koeche, professor de história antiga e medieval da Ulbra (RS). Por não ir contra os dogmas e sugerir apenas a modificação de normas, Lutero não provocou reações tão violentas de início. Entre algumas de suas propostas estavam a abolição da confissão e do pagamento de indulgências e a permissão para o casamento entre padres e freiras.
Em 1529, no entanto, o crescimento do luteranismo fez com que a perseguição tomasse proporções dramáticas mesmo depois da morte de seu líder, em 1549, vítima de um problema cardíaco. O massacre da Noite de São Bartolomeu, por exemplo, foi um dos episódios mais pavorosos na repressão aos protestantes na França, levada a cabo pelos reis católicos. As matanças começaram em 24 de agosto de 1572 e duraram vários meses, vitimando entre 70 e 100 mil protestantes franceses – os huguenotes. A perseguição, que ocorreria até o início do século 19, não diminuiu a força do protestantismo, que se espalhou rapidamente por todo o mundo.

Revista Aventuras na História

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