segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Os limites da Helenização


Maria Luiza Corassin
Departamento de História/USP

MOMIGLIANO, Arnaldo. Os limites da Helenização. Tradução por Claudia Martinelli Gama. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1991, 158pp. Tradução de "Alien wisdom. The limits of hellenization". Cambridge University Press, 1975.

Arnaldo Momigliano (1908-1987) desenvolveu uma longa e prestigiosa carreira que incluiu o ensino nas maiores universidades européias e americanas. O historiador italiano ensinou história grega e romana nas Universidades de Roma e Turim até ser expulso pelo fascismo em 1938. Obrigado a emigrar para a Inglaterra, tornou-se professor de história antiga em Oxford e Londres, transferindo-se em 1975 para a Universidade de Chicago. Produziu imensa quantidade de ensaios, os quais encontram-se reunidos numa série intitulada "Contributo alla storia degli studi classici e del mondo antico".

Há pouco tempo tivemos a edição de Corpo e Sociedade de Peter Brown, que não por acaso dedica seu livro a Momigliano, a quem chama de "meu mestre e amigo". Ambos, Momigliano e Brown, representam a historiografia do mais alto nível produzida na área de história antiga. Que outras traduções destes autores sejam oferecidas ao público brasileiro.

Os capítulos de Os limites da Helenização correspondem a seis conferências apresentadas em 1973 na Universidade de Cambridge e em 1974 no Bryn Mawr College. A forma original foi mantida, sendo acrescentada uma extensa bibliografia a cada capítulo.

Para Momigliano, "a história da historiografia ajuda a definir, enfrentar e resolver cada um dos problemas históricos". Com sua profunda erudição, o autor se movimenta com desenvoltura pelo mundo greco-romano, por regiões bárbaras e pelo Oriente Próximo, revelando as complexas articulações entre as culturas dos vencedores e dos povos politicamente submetidos.

O estudo destas relações culturais entre gregos, romanos, celtas, judeus e persas durante o período helenístico até a época de Augusto constitui o tema central do livro de Momigliano, no qual procurou verificar como os escritores gregos vieram a conhecer e avaliar grupos não-gregos em relação à sua própria civilização.

É ressaltado o forte impacto exercido pelos romanos sobre as relações intelectuais entre os gregos e os demais povos a partir do século II a.C, quando o poder romano começou a ser sentido fora da Itália. Agindo a partir de uma posição de força, os romanos preservaram um sentimento intenso de sua identidade e de superioridade. O período decisivo da assimilação da cultura grega em Roma foi o das primeiras duas guerras púnicas. Enquanto lutavam contra Cartago, aprenderam a língua grega e incorporaram conhecimentos e costumes gregos com rapidez crescente no período compreendido entre 240 e 200 a.C. Momigliano aventa a possibilidade do sucesso do imperialismo romano estar em parte implícito nesse esforço deliberado para aprender a se exprimir e pensar em grego.

Um dos pontos altos deste livro consiste na análise crítica da obra de Políbrio, historiador grego do século II a.C. que "explica aos gregos porquê os romanos venceram e explica aos romanos o significado e as condições de sua própria vitória" (p.33). Fica claro que o conceito polibiano de que o sucesso do imperialismo romano relacionava-se com a excelência de uma constituição "mista" era pura ficção. Isto impediu o historiador grego de mostrar a verdadeira face do poder romano: as relações de submissão das aristocracias locais itálicas à Roma, obrigando os aliados ("socii") a fornecerem tropas e acompanharem Roma na guerra.

Ao estudar a historiografia antiga grega e não-grega, vai sendo demonstrado como os romanos utilizaram Políbio e Posidônio, tornando-os verdadeiros agentes de sua expansão; ao desenvolver investigações sobre os celtas, especialmente sobre as populações da Espanha e da Gália, os intelectuais de língua grega tornaram mais fácil a dominação romana nestas regiões.

Quando os romanos passaram a controlar a Judéia já podiam contar também com autores helenísticos que haviam sido convenientemente estimulados a reunir informações sobre as novas áreas que estavam se abrindo à influência de Roma. Esta utilizou historiadores e geógrafos gregos para fornecer os subsídios que necessitava para lidar com os persas ou partas; Posidônio foi um estudioso tão notável dos assuntos da Pártia quanto o foi da vida celta.

Os gregos estudaram o mundo dos celtas, dos judeus, dos persas e dos próprios romanos. Estes, por sua vez, dominaram os celtas, os judeus, os gregos e mantiveram tensas relações com os persas ao longo de séculos. Para tanto, souberam tirar partido da cooperação técnica de eruditos gregos a fim de formar seu conhecimento destes povos e facilitar seu controle.

Revista de História - USP

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