segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

'MULHER-FILÉ', POLÍTICA E ESPAÇO PÚBLICO

Antônio Agenor Barbosa

31/10/2008
Arquiteto Urbanista e Professor Universitário
CENA 1
'Buraco do Lume', no coração do Centro do Rio de Janeiro, no dia 1º de outubro de 2008. Junto à banca de jornal do Giuseppe Mannarino, por volta do meio-dia, era impossível alguém conseguir passar por ali sem notar a aglomeração de dezenas de pessoas que praticamente se esbofeteavam na tentativa de saborear a mais nova guloseima estampada nas capas das revistas. Lá estava ela, na maior parte do tempo de costas para o público – é bom que se diga –, abusando da sua condição de neo-celebridade, a intitulada 'Mulher-Filé' que, vestida com o seu micro-shortinho branco, fazia a multidão delirar e gritar de forma ensurdecedora durante a exibição da dança do Pisca-Pisca-Bumbum (sic !).

A 'Mulher-Filé', na seção autográfica/antropofágica.
Crédito: www.titinet.com.br
CENA 2
'Buraco do Lume', no coração do Centro do Rio de Janeiro, no dia 1º de outubro de 2008. Também ali no entorno da banca de jornal do Giuseppe Mannarino, por volta do meio-dia, era impossível alguém parar e prestar atenção à grande quantidade de candidatos a Prefeito e a vereador que, inutilmente, tentavam concorrer com a 'Mulher-Filé'.


Crédito: Alberto Taveira: intervenção sobre imagem de
www.manueljodar.com
Feitas estas duas observações acima, acho que dá para tentarmos fazer algumas breves reflexões:
1. Era a luta inglória da forma – ou das formas – contra o conteúdo. Na ausência total de um discurso político que seja capaz de reunir meia dúzia de gatos pingados em pleno Centro da Cidade do Rio de Janeiro, os candidatos tentam – aos gritos – chamar a atenção para o fraco conteúdo das suas idéias e propostas para a Cidade. Já a 'Mulher-Filé' não tinha microfone, não tinha filipetas sendo distribuídas com o seu currículo, e também nada falou para o seu devoto público. A moça não expôs nenhum conteúdo, já que as suas formas exuberantes, associadas à dança do Pisca-Pisca-Bumbum, já eram suficientes para conquistar a platéia.

Comendo com os olhos ... e os celulares !
Crédito: Alberto Taveira: intervenção sobre imagem de www.taregistrado.com.br
2. Era também o embate entre a cidadania e o consumo. De um lado, candidatos conclamando os cidadãos para votarem certo e com consciência nas próximas eleições e, por outro lado, sem perceber que agia em um vetor diametralmente oposto, a 'Mulher-Filé' estava ali para ser literalmente consumida – material e simbolicamente – e, para tanto, reunia e seduzia seus potenciais consumidores. Não posso deixar de mencionar que um apetitoso gourmet posou para fotos ao seu lado, munido de garfo e faca que deslizava sobre a moça.

E se fosse candidata ?
Crédito: Alberto Taveira: intervenção sobre imagens de
commons.wikimedia.org & Playboy/Divulgação in www.anttenados.com.br

3. É claro que podemos apenas pensar que se tratava de uma grande brincadeira e que a 'Mulher-Filé' é apenas mais uma evolução protéica das suas ancestrais mais frugais, como a 'Mulher-Melancia', a 'Mulher-Uva' e a 'Mulher-Moranguinho'. Por outro lado, sabemos que, infelizmente, a descrença com os políticos se transformou numa descrença com a Política. E podemos também pensar que o esvaziamento da esfera política, rebatida no espaço público – nas suas dimensões físicas e cívicas, que hoje não mais coexistem nas cidades –, é a causa e também o efeito desta nossa própria descrença com a Política e, por que não dizer, com a própria polis – Cidade.

'Mulher-Melancia', 'Mulher-Uva' e 'Mulher-Moranguinho'.
Crédito: Alberto Taveira: intervenção sobre imagens de roger-seg.brasilflog.com.br; povoshowdorio.blogspot.com & blogdobacana-marcelomarques.blogspot.com

Descrentes da Política que estamos, é por que também estamos descrentes com a Cidade e com as atribuições tradicionais e mais reconhecidas historicamente de seus espaços públicos. Usei o pretexto da 'Mulher-Filé' apenas para ilustrar este fenômeno que nos aflige e que, me parece, torna-se cada vez mais irreversível.

Pera, uva, maçã ou salada mista ?
Crédito: Alberto Taveira: intervenção sobre imagens de deborathome.blogspot.com &www.inf.ufrgs.br Revista Vivercidades

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