terça-feira, 16 de novembro de 2010

A religião dos bichos


A religião dos bichos
Desde a Idade da Pedra, os animais são vistos como mensageiros de seres divinos
Rodrigo Elias

Não é de hoje que os animais são domesticados. Esta prática começou no período Neolítico, há cerca de 10 mil anos, e fez parte do que os historiadores e arqueólogos costumam chamar de “Revolução Neolítica”, que viu surgir a agricultura e a vida sedentária.

Mas o início da submissão de alguns animais aos homens não estava relacionado a fatores econômicos desse período: alimentação e trabalho. É provável que tenha atendido a fins sobrenaturais. A morte ritualística, comum em várias sociedades pré-históricas, requeria uma quantidade regular de animais, só possível com o seu amansamento.

Antes da domesticação, entretanto, os homens já atribuíam significados sobrenaturais aos bichos. Pinturas rupestres datadas do Paleolítico Superior (entre 300.000 e 10.000 a.C.) na Europa retratam bisões, mamutes e renas com tal perfeição que se pode especular sobre a existência de indivíduos especializados nessa tarefa. Seus autores possivelmente eram sacerdotes afastados das tarefas de caça e coleta, o que indica a importância dada pela comunidade aos homens que faziam esses desenhos com fins mágicos. Na região da atual Alemanha, há pouco mais de 10 mil anos, comunidades de caçadores que seguiam manadas de renas sacrificavam o primeiro animal que capturavam em cada temporada, atirando em um lago seu corpo amarrado a uma pedra. Portanto, matavam animais com objetivos rituais.

Várias culturas próximas a nós, modernas ou antigas, enfatizam o caráter sagrado dos não humanos. O cristianismo, dentro da tradição judaica, submete os animais ao homem desde a Criação – Adão, ainda no Éden, deu nome a cada uma das espécies feitas por Deus, sublinhando assim o controle humano sobre as bestas. O próprio filho do Criador, encarnado para os cristãos em Jesus, vem ao mundo para morrer em uma oblação, como “Cordeiro de Deus”. Aliás, o carneiro, animal domesticado há cerca de 10 mil anos no atual Iraque, tem papel importante nas culturas do Oriente Médio.

Entre as funções atribuídas aos animais, uma das mais persistentes é a de mediação entre o mundo dos vivos e o dos mortos. No Egito Antigo, Anúbis, o deus da morte, era representado por um híbrido de homem e cão. O touro Ápis, um dos animais mais reverenciados entre os egípcios, era considerado um semideus, vivia em um santuário, onde era bajulado pelos sacerdotes e enfeitado com joias. Quando morria, passava por um processo de mumificação que durava cerca de 70 dias e era acompanhado por uma multidão em prantos até o seu sepultamento. No primeiro milênio a.C., as oferendas de cães, gatos, falcões e outros animais mumificados aos deuses se tornaram muito populares no Egito, como forma de comunicação com o mundo dos mortos. (...)

Revista de História da Biblioteca Nacional

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