sábado, 24 de abril de 2010

RUÍNAS QUE EMPODERAM.


RUÍNAS QUE EMPODERAM.

QUANDO A FORÇA DAS IDÉIAS E O PROTAGONISMO DA JUVENTUDE FAZEM A DIFERENÇA.

POR CÉLIO TURINO

O empoderamento social nos Pontos de Cultura deve ser entendido enquanto processo pelo qual podem acontecer transformações nas relações sociais, culturais, econômicas e de poder. Ao concentrar sua atuação nos grupos historicamente alijados das políticas públicas, o Ponto de Cultura potencializa iniciativas já em andamento, criando condições para um desenvolvimento econômico alternativo e autônomo, de modo a garantir sustentabilidade na produção sociocultural das comunidades. Em Nova Olinda, cidade com 8 mil habitantes no vale do Araripe/ Cariri (sul do Ceará) a experiência de empoderamento social antecede o próprio Ponto de Cultura. Há dez anos, um músico, filho da cidade, Alemberg, decide retornar de Fortaleza. Sua referência: a Casa Grande, uma herança de família que estava em ruínas. Diz a lenda que era uma casa mal-assombrada. Ele decide reconstruí-la, e para isso recebe ajuda de jovens, crianças, mulheres e velhos, pois os homens adultos, em sua maioria, haviam saído da cidade para buscar emprego em outros cantos.

Casa reconstruída, começam a montar um museu de arqueologia. No vale do Araripe há muita pintura rupestre. A pré-história foi relacionada com a vida dos moradores, orientando-os na preservação, e surgiu a idéia de deixar que as crianças escrevessem as legendas, a fim de que a exposição ficasse mais inteligível para todos. Mas a Casa era muito grande e havia espaço para mais atividades. E as necessidades eram maiores ainda. Os jovens queriam produzir música. Foi montada uma banda – uma não, algumas. Faltava cinema, montaram uma videoteca. Faltavam livros, montaram uma biblioteca. Faltava teatro, construíram um teatro. Tudo muito simples e utilizando apenas os recursos de que dispunham, mas feito com muito esmero (como na música de Vinicius) e com tudo que um bom centro cultural precisa: cenotecnia, equipamento de iluminação, som, bancos na platéia, área de descanso. Com um museu de qualidade próximo de casa, bandas de música, oferta de filmes que não passam na TV, livros que dificilmente chegariam ao vale e teatro, os moradores quiseram mais. Emissora de rádio, internet, TV local.

Isto é empoderamento. E empoderamento pela força das idéias e pelo protagonismo da juventude. Alemberg e sua esposa, arqueóloga, nem moram mais na cidade (se bem que sempre estão por perto), mas o Ponto de Cultura Casa Grande está cada vez mais forte. Com o tempo a notícia se espalhou e vieram os turistas: 3 mil por mês. Visitam as pinturas rupestres, as cachoeiras, a cultura do sertão e, principalmente, a experiência da Casa Grande. Uma nova economia surge em Nova Olinda. Era preciso abrigar os turistas, criaram-se hospedarias familiares. O artesanato de couro revigorou-se, alguns adultos voltaram e houve mais renda para a cidade - bem distribuída, porque é repartida entre muitas famílias. E a casa malassombrada foi fazendo com que os moradores gostassem mais de si e de sua cidade, encontrando o seu lugar no mundo, cujo centro estava ali mesmo. (Esta série de artigos será concluída na próxima edição, quando o autor vai tratar da integração entre os conceitos de autonomia, protagonismo e empoderamento na construção da Gestão Compartilhada e Transformadora nos Pontos de Cultura.)

Célio Turino é historiador e autor de Na trilha de Macunaíma – ócio e trabalho na cidade (Ed. SENAC). Atualmente exerce o cargo de Secretário de Programas e Projetos do Ministério da Cultura.

Revista Raiz

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