terça-feira, 26 de janeiro de 2010

As Batalhas - Bravos Belgas

Alemães conquistam Liège e abrem caminho para invadir a
França – Exército da Bélgica oferece surpreendente resistência – Inovações
da máquina de guerra alemã são decisivas para o resultado

Forte, mas não infalível: base do Exército alemão em Vise, alguns quilômetros a noroeste de Liège, com prisioneiros belgas

rimeiro combate significativo da Grande Guerra, a Batalha de Liège, na Bélgica, terminou com sabor de vitória não só para os vencedores, mas também para os vencidos. A Alemanha logrou êxito em subjugar a cidade e suas fortificações, um feito que já era esperado pela diferença abissal de quantidade e qualidade entre os exércitos envolvidos. Mas os belgas – e, naturalmente, seus aliados franceses e britânicos – celebraram a brava e inesperada resistência dos homens do general Gerard Leman, que renderam-se apenas depois de doze dias de pugnas encarniçadas. A coragem e a tenacidade da armada belga não apenas atrasaram a marcha germânica, permitindo que as forças francesas e britânicas pudessem organizar melhor suas defesas em Paris – alvo da coluna alemã –, mas também forneceram importante componente moral à Tríplice Entente, provando que o exército alemão não é infalível.

Como descrito na cartilha do Plano Schlieffen, a Alemanha optou por atacar a França pelo norte. No caminho entre as duas potências, porém, está a neutra Bélgica, que, sem fazer concessões, não cedeu passagem às forças germânicas, conforme requisitado pelo Reichstag no começo de agosto. Aos agressores, não havia, pois, outra alternativa senão levantar a espada. O primeiro obstáculo foi Liège, situada no vale do rio Meuse, conhecida por sua vocação metalúrgica e defendida por um estratégico anel de 12 fortificações em seu entorno. Construídos nos anos 1880 pelo engenheiro militar belga Henri Brialmont, os fortes semissubterrâneos, com uma cúpula retrátil em forma de tartaruga, estão a um raio de 6 a 10 quilômetros da cidade, separados cada um por cerca de 4 quilômetros – distância que permite, em caso de ataque a um deles, alcance de artilharia de seus vizinhos imediatos.

Ofensiva até pelos céus: Zeppelin alemão foi uma das grandes surpresas no front
Para conquistar Liège sem palpitações, a Alemanha destacou uma força especial, batizada de Exército do Meuse, composta por 60.000 homens, subordinados ao general Otto Von Emmich. As forças disponíveis para a resistência da Bélgica, liderada pelo general Leman, eram bem mais modestas, com cerca de 36.000 homens. Dessa forma, na tarde de 4 de agosto, os alemães partiram para o primeiro ataque com a confiança de uma vitória suave. Entretanto, logo ficou claro que os flamengos não negociariam facilmente a derrota. As investidas germânicas pelo norte e pelo sul de Liège foram repelidas pela artilharia belga, que, em 5 de agosto, obrigaram os assaltantes a bater em retirada.

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Zeppelin e howitzer - Observadas as evidentes dificuldades que os aguardariam, os germânicos, sem demora, decidiram mostrar aos belgas – e, por tabela, aos Aliados e ao resto do planeta – as últimas e irresistíveis novidades de sua pujante máquina de guerra. O general Erich Ludendorff suspendeu os ataques aos fortes e convocou uma ajuda dos céus que assombrou o mundo: um Zeppelin sobrevoou Liège e lançou bombas sobre a cidade, em um dos primeiros episódios de artilharia aérea de que se tem notícia. O bombardeio fez o general Leman ordenar a retirada de uma de suas divisões, enviando-a para junto do restante do exército belga, em Bruxelas, e dirigir suas tropas para dentro dos fortes, de onde continuaram combatendo os invasores. Dessa forma, mesmo com a rendição da cidade de Liège, em 7 de agosto, a conquista ainda não estava selada: era necessário ainda subjugar os fortes para permitir a passagem das fileiras alemãs vindouras.

Pérola mortal: pelotão germânico espalha o terror com seus howitzers Krupp

Nos dias seguintes, os ataques foram infrutíferos: as fortificações resistiam ao bombardeio incessante, e os valorosos soldados belgas repeliam as avançadas da infantaria alemã – apenas o Forte Bachon foi capturado por terra, em 10 de agosto. Faltavam nada menos que onze, tarefa inglória diante das circunstâncias e do cronograma. Foi então que o exército teutônico mais uma vez surpreendeu. Para derrubar os bastiões, trouxe da Alemanha um reforço monstruoso, pérola de sua indústria bélica, usada pela primeira vez em combate: um canhão howitzer Krupp 420 mm, jamais visto pelo mundo militar. Até agora, só se conheciam os howitzers ambulantes de 210 mm. Morteiros austro-húngaros de 310 mm também ajudaram a minar os alvos. Assim, o colossal poder da armada alemã destruiu, um a um, os fortes, que finalmente capitulavam. Em 16 de agosto, o último deles, Forte Boncelles, depôs as armas.

No calendário inicial, a tomada total de Liège estava prevista para 10 de agosto, mas o estado-maior germânico garantiu que a semana de atraso não afetou os planos de assalto à França: de acordo com os militares, muitos batalhões ainda estavam se mobilizando e não teriam condições de chegar no prazo à Bélgica. Mesmo com essa negativa, os dias ganhos em Liège estão sendo muito apreciados pelas bandas aliadas, que aplaudem a bravura belga – o presidente francês, Raymond Poincaré, já condecorou a cidade de Liège com a Legião de Honra, mais alto galardão civil da república. O reconhecimento, aliás, veio até do inimigo. Ao ser capturado pelas tropas alemãs no dia 15 de agosto, inconsciente devido às explosões que dizimaram o Forte Loncin, o general Leman foi levado até o comandante Von Emmich. Quando o belga recuperou os sentidos e se viu cativo, desembainhou a espada para entregá-la a seu conquistador. Von Emmich, porém, reconhecendo o esforço dos belgas, recusou-se a cumprir o ritual de vencedores e vencidos. "Fique com ela, general. O senhor defendeu com nobreza e galhardia seus fortes".

Revista Veja História

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