segunda-feira, 2 de novembro de 2009

JK - A política como arte de conciliar

Afonso Arinos fala ao microfone
(CPDOC/Arquivo Afonso Arinos/AA foto 10-10)


Carlos Laceda fala ao microfone
(CPDOC/Arquivo Afonso Arinos AA foto 10-7/CPDOC)



Marly Motta

Em seu livro sobre JK, o jornalista Cláudio Bojunga torna públicas algumas confissões do ex-presidente. Uma delas – a primeira pessoa em quem JK pensava ao acordar era Carlos Lacerda – dá bem a medida da preocupação que então lhe provocava o político que é hoje o seu contraponto na memória política nacional. Simbolizando um tipo de oposição marcada pela virulência dos ataques, verdadeira metralhadora giratória que mudava de alvo sem parar de atirar, Lacerda conserva até hoje o epíteto de "demolidor de presidentes" e continua a ser uma poderosa referência para políticos influentes no cenário nacional. JK também ocupa um lugar de destaque nesse seleto clube de políticos do passado que servem de modelo e inspiração para o presente. Só que, ao contrário de Lacerda, figura na galeria dos "conciliadores", daqueles que entendem a política como a arte de negociar.

No imaginário político brasileiro, essa dicotomia – o demolidor x o conciliador – aparece intimamente relacionada a certas caraterísticas particulares que marcariam os políticos das várias regiões brasileiras. Carlos Lacerda, o "tribuno da capital", sempre teve como palco de atuação a cidade do Rio de Janeiro – antigo Distrito Federal, depois estado da Guanabara –, cujo campo político era marcado pela nacionalização, a polarização e a radicalização do debate político. Daí adviriam sua retórica inflamada e implacável, temida pelos rivais e admirada pelos seguidores. Já JK representaria a essência do "político mineiro", habilidoso, conciliador, articulador capaz de aparar arestas e conviver com adversários que via como potenciais aliados. Não resta dúvida de que a construção da mineiridade revelou-se eficaz ao projetar o mineiro como elemento indispensável no concerto político nacional.

A tensa conjuntura política da época seria um teste particularmente difícil para o exercício das "qualidades do político mineiro" na presidência da República. Seriam elas reforçadas ou abandonadas? Como desconhecer o fato de que a eleição de JK havia sido contestada e sua posse se teria devido sobretudo à decisiva atuação do ministro da Guerra, general Lott? Como enfrentar, logo no primeiro mês de governo – fevereiro de 1956 –, um levante de oficiais da Aeronáutica no Norte do país? Como pôr em prática um ambicioso projeto econômico – o Plano de Metas – sem uma sólida base político-parlamentar e com a oposição feroz da "Banda de Música" da UDN, com Lacerda à frente?

Contra aqueles que haviam tomado das armas para tentar impedi-lo de exercer o governo, JK deixou de lado o tradicional arsenal de medidas repressivas – a expulsão das Forças Armadas, por exemplo – e preferiu lançar mão da anistia. Assim, dias depois de encerrado o levante de Aragarças, enviou ao Congresso um projeto de anistia ampla e irrestrita a todos os civis e militares que tivessem participado de movimentos entre 10 de novembro de 1955 e 19 de março de 1956.

No âmbito da luta político-parlamentar, sem armas mas igualmente acirrada, JK colocaria em prática sua concepção da política como a arte de transformar adversários de hoje em aliados de amanhã. Construiu pontes de entendimento com correntes udenistas, especialmente as lideradas por Juraci Magalhães, no intuito de angariar apoios para a aprovação de seus projetos no Congresso – a transferência da capital para Brasília, entre outros –, ao mesmo tempo que procurava isolar politicamente os ruidosos parlamentares da "Banda de Música", como Afonso Arinos.

Este seria o mais difícil desafio para JK: como negociar com Lacerda, que declarava alto e bom som que considerava monótona a conversa política? Como controlar o político que pela força da palavra demolidora enchia de sobressaltos o seu despertar? Uma estratégia de dupla face foi então ativada por Kubitschek. Ao mesmo tempo que apoiava as correntes não-lacerdistas dentro da UDN, buscando, com isso, enfraquecer a liderança carismática e autoritária de Lacerda, seu governo, certamente escaldado pelos inflamados discursos lacerdistas, baixou uma portaria – a famosa Cláusula R – proibindo o acesso do "demolidor dos presidentes" aos meios de comunicação.

Ao encerrar seu mandato presidencial em 31 de janeiro de 1961, JK passou a dedicar tempo integral às articulações políticas capazes de garantir sua volta ao Planalto em 1965. Para tanto, avaliava, deveria enfrentar Carlos Lacerda, que, fortalecido politicamente com a eleição para o governo da Guanabara em 1960, seria o candidato da UDN à eleição presidencial. A expectativa, frustrada pelo golpe de 1964, era de que em 1965 o eleitorado brasileiro teria que escolher entre duas concepções e dois estilos diferentes de fazer política.

O fim do ambiente democrático acabou substituindo o enfrentamento provável por uma união improvável: ainda que por um breve tempo, JK e Lacerda estiveram juntos na Frente Ampla. A morte de ambos, com uma diferença de apenas nove meses – JK morreu em agosto de 1976, e Lacerda, em maio do ano seguinte –, se privou o país de seus principais líderes exatamente no momento em que se anunciava a abertura política, não impediu, no entanto, que um e outro viessem a se tornar matrizes de diferentes concepções e padrões de atuação na política nacional.

Fundação Getúlio Vargas

Um comentário:

  1. Oi!
    Esse Cláudio Bojunga me lembrou pelo sobrenome a escritora Lygia Bojunga de quem sou fã.
    Eu não gostei muito do governo jk pelo que estudei nas minhas aulas de história na escola ele trouxe bastante progresso mas o nordeste passava fome enquanto o lema 50 anos em 5 só se preocupava em construir brasilia,gostei muito do post eu não sabia que havia existido anistia no governo de JK.
    Beijos!

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