segunda-feira, 4 de maio de 2009

Maximiliano do México - Um fantoche francês

Para rivalizar com os EUA, a França implantou uma monarquia no México em 1863. Foi um papelão histórico! O imperador importado, porém, amou o país que não conseguiu governar e no qual foi fuzilado
por Yves Bruley

BIBLIOTECA DO CONGRESSO, WASHINGTON, DC

O nobre austríaco em 1864, já dono do trono mexicano: inepto ou apenas ingênuo, pagou caro pelo delírio europeu de conquistar o quintal americano

Fernando Maximiliano José, mais tarde chamado de Maximiliano de Habsburgo (1832-1867), nasceu príncipe, na Áustria, e morreu mais nobre do que nunca, no papel de imperador do México. O sangue azul, porém, além de lhe abreviar a vida, foi um item a mais a colocar sua passagem pela política mais próxima do ridículo do que da glória.

De fato, governar o México do século XIX não era tarefa para amadores. E Maximiliano, arrastado da Europa para a América, como inocente útil numa intrincada rede de interesses, teve a oportunidade de descobrir isso no seu curto reinado, que durou de 1864 a 1867. Por ora, basta saber que ele foi convencido a entrar nessa empreitada pelo imperador francês Napoleão III. Mas é importante conhecer antes o tamanho da armadilha em que o nobre austríaco caiu.

Tempos antes, logo que ficou independente da Espanha, o México já havia tido outro imperador, o desventurado Agustín de Iturbide, que reinou por apenas oito meses, de julho de 1822 a março de 1823. Daí em diante, foi instaurada uma República, na qual o país só conheceu instabilidades. Foram 36 presidentes, em pouco mais de 40 anos, e 50 mudanças de governo. Junto com a desorganização política vieram a social e a econômica.

Por causa dessa conjuntura, em que as tentativas de desenvolvimento e de um mínimo de unidade nacional não prosperavam, o México perdeu, nesses anos, a metade do seu território para os Estados Unidos, mais especificamente o Texas, o Arizona, o Novo México e a Califórnia. Suas riquezas minerais eram, além disso, cobiçadas por muitos países


A execução do imperador Maximiliano, óleo sobre tela, Edouard Manet, 1867-1868, Stadtische Kunsthalle, Mannheim, Alemanha

Opção pela morte: derrotado, ele teve duas chances de abdicar e fugir do país, mas preferiu o fuzilamento

As lutas políticas locais opunham os conservadores, apoiados pela Igreja e por proprietários de terra, aos ditos “liberais” ou “radicais”, reunidos em torno de um partido anticlerical e favorável ao confisco dos inúmeros bens da Igreja. O último dos presidentes do período foi o radical Benito Juárez, que encontrou o país endividado por obra do antecessor e suspendeu todo e qualquer pagamento para as potências européias. Não bastasse, subiu o tom do discurso político, com ameaças a estrangeiros.

Vítimas do calote de Juárez, França e Inglaterra romperam relações diplomáticas com o México. A Espanha, que tinha grandes interesses financeiros na sua ex-colônia, aliouse aos dois países contra o presidente radical. Em 9 de janeiro de 1962, as frotas aliadas desembarcaram em Vera Cruz e ocuparam a cidade, sem enfrentar grande resistência. Essa operação recebeu o nome de Expedição do México.

Foi nesse período de transe político que viajantes e missionários europeus passaram a acalentar o sonho de um México regenerado pela França. Não por acaso, eles ofereciam essa teoria para os membros do partido conservador, apeados do poder por Juárez, e para os negociantes. Por alguma razão, idêntica tese chegou à então otimista realeza francesa: sabe-se lá como, Paris começou a achar que os mexicanos estavam fartos de sua República e ávidos por uma monarquia à moda européia.

Ao mesmo tempo, um projeto era arquitetado no palácio imperial francês, alimentado também por notícias sobre a existência de generosas minas de prata no noroeste mexicano. O imperador da França, Napoleão III, andava às voltas com uma importante escassez de dinheiro. O suposto filão de prata talvez fosse capaz de equilibrar sua base monetária.


Retrato de Napoleão III, óleo sobre tela, 1862, Hippolyte Flandrin, Palácio de Versalhes, França


Reino da fantasia: Napoleão III impõe uma monarquia católica na América

O monarca, por certo, teve ainda uma visão econômica de mais longo alcance. Dinheiro seria ótimo, mas criar uma zona de influência francesa no centro das Américas poderia ser ainda melhor, garantindo esse mercado para os manufaturados franceses e, do ponto de vista político, a contenção da crescente influência dos Estados Unidos na região.

Tais idéias têm a assinatura de outro personagem histórico, o assessor econômico do rei, Michel Chevalier. Para ele, cumpria à França assumir a liderança de um grupo de países latinos – Itália, Espanha e México – para rivalizar economicamente com países de origem anglo-saxã.

É difícil imaginar, hoje, o quanto o México fascinava a Europa em meados do século XIX. Naqueles anos de otimismo e audácia inusitados, os intelectuais já estudavam os maias e os astecas, sua escrita misteriosa e seus monumentos enigmáticos.

Assim surgiu no império francês o projeto de criação de uma grande monarquia católica no México, tão poderosa quanto a República protestante dos Estados Unidos. Deixado livre, o projeto virou sonho, e o sonho se perdeu no exagero.


Batalha de Miahuatlán, óleo sobre tela, Francisco de Paula Mendoza, 1906, Museu Nacional de História, México

Enfrentamento final: derrubada do império e restauração da república no México

Os franceses passaram a imaginar um tipo de efeito dominó: depois do México, haveria um modelo a ser seguido por quase todas as ex-colônias tornadas repúblicas nas Américas. Desse modo, seria possível “civilizar e monarquizar” aqueles Estados, conforme a expressão da imperatriz Eugênia, que já via na região lugar para instalar tronos para a numerosa nobreza européia e seu excesso de príncipes.

Mergulhados na Guerra da Secessão, os Estados Unidos estavam debilitados para impor a chamada Doutrina Monroe – que pregava a oposição a intervenções européias no continente americano. Italianos e ingleses, por sua vez, já haviam deixado o México depois da tomada de Vera Cruz. “Livremo-nos da triste questão mexicana” era uma espécie de bordão dos aliados, que previam problemas com os nativos e com a França.

Por desinformação ou paixão pelo próprio projeto, Napoleão III achou por bem propor à Áustria que o arquiduque Maximiliano, irmão do imperador do país, fosse levado ao trono no México. O que se seguiu foi a ocupação do México pela França, numa luta que de saída registrou mil baixas no exército invasor.

SÓ ERROS Os franceses descobriram que o México tinha um exército e um povo que, ao contrário da conversa palaciana de Paris, não estava à espera de um salvador nem se levantaria contra um dos seus. Para salvar a honra nacional francesa, porém, era preciso ficar na ex-colônia, ir até o fim. A chegada de reforços possibilitou o difícil avanço europeu até a tomada da Cidade do México, em junho de 1863.



BIBLIOTECA DO CONGRESSO, WASHINGTON, DC

Benito Juárez: deposto, vira guerrilheiro, vence Maximiliano e volta à presidência com a ajuda dos EUA

Foi proclamada a monarquia, e Maximiliano ganhou a coroa imperial do México. O arquiduque hesitou. Queria subordinar sua aceitação a condições de aprovação popular e garantias européias. Tinha razão, mas a vitória lá estava; a coroa, a seu dispor; o trono, à sua espera. Um ano depois, no dia 12 de junho de 1864, Maximiliano I instalou-se na capital com a esposa, a imperatriz Carlota. Em pouco tempo começaram os problemas, encadearam-se os erros, acumularam-se os fracassos.

Em paga pelo seu esforço militar, a França exigia os direitos sobre as famosas minas de Sonora, no noroeste do país. Maximiliano recusou. A Igreja reclamava a devolução das terras confiscadas por Juárez. Maximiliano não quis. O partido conservador reivindicava participação no poder. Maximiliano negou. Na tentativa de conciliar tantos diferentes lados, o imperador foi perdendo apoio sem que ninguém aderisse à sua causa.

Por sua vez, o presidente deposto, Benito Juárez, seguia vivo e em liberdade. Seus partidários controlavam boa parte do México e, apesar de alguns sucessos, o exército francês estava acossado pela guerrilha que ia ganhando terreno. Em 1865, ficou claro que era impossível ganhar aquela guerra.

O golpe de misericórdia sobre a monarquia veio dos Estados Unidos. Desembaraçado da Guerra de Secessão, o governo americano se recusou a reconhecer o imperador Maximiliano e exigiu a retirada das tropas francesas. A alternativa seria a guerra.

Napoleão III calculou o prejuízo de uma guerra e, em fevereiro de 1866, escreveu: “Minhas intenções assim se resumem: evacuar o mais depressa possível, mas fazer tudo que estiver ao nosso alcance para que a obra que fundamos não desmorone no dia seguinte ao da nossa partida”.

Com Maximiliano rifado interna e externamente, Juárez avançou e não tardou a chegar à capital mexicana. Desprezando os conselhos de Napoleão III, Maximiliano recusou-se a abdicar. Em 15 de maio de 1866 foi preso na cidade de Querétaro. Os guerrilheiros lhe propuseram a fuga, que ele chegou a aceitar, mas mudou de idéia – dizem que amava o país. Condenado à morte, foi executado no dia 19 de junho de 1867. Suas últimas palavras teriam sido: “Viva o México!”

CRONOLOGIA
1810
Começa a luta contra os espanhóis pela independência do México

1821
O México conquista a independência da Espanha

1822
É criado o primeiro império mexicano

1824
È proclamada a República, seguida de 40 anos de grande instabilidade

1845
O país entra em guerra com os EUA pela posse do Texas

1848
Os EUA anexam Texas, Califórnia, Arizona e Novo México a seu território por meio do Tratado de Guadalupe

1864
Com a restauração da monarquia, Maximiliano se torna o 2º imperador mexicano

1867
Maximiliano é fuzilado pelas forças que restauraram a República

A “INVENÇÃO” DA AMÉRICA LATINA
Em meados do século XIX, as antigas colônias portuguesas e espanholas eram alvo de cobiça da Grã-Bretanha, Estados Unidos e França. Cada um desses países queria colocar as jovens repúblicas sob sua esfera de influência.

Foi nesse contexto que o imperador francês Napoleão III criou a idéia do “pan-latinismo”. Como as novas nações eram todas tributárias de povos latinos, os franceses poderiam lutar ao lado de seus irmãos americanos para enfrentar a influência dos anglo-saxões, ou seja: ingleses e americanos.

Essa idéia difundiu-se entre franceses e francófilos dos dois lados do Atlântico. Tudo indica que o primeiro a utilizar a expressão “América Latina” tenha sido o político e intelectual chileno Francisco Bilbao, em uma conferência proferida em Paris em 1856. No mesmo ano, o escritor e diplomata colombiano José Maria Torres Caicedo voltou a utilizá-la em um poema intitulado “Las dos Américas”.

A formulação caiu como uma luva para os interesses europeus, e em 1961, o intelectual francês L. M. Tisserand publicou um texto na revista Revue des races latines, no qual usava o termo para se referir aos países surgidos das antigas colônias ibéricas. A ação das tropas francesas no México foi uma primeira tentativa de implementar na prática esse bloco “latino-americano” sob a liderança da França. O fracasso da empreitada, no entanto, não impediu que a denominação “América Latina” fosse apropriada pelos próprios povos do continente para afirmar sua autonomia em relação aos Estados Unidos.

BRUNO FIUZA é editor-assistente de História Viva

Yves Bruley é professor e especialista em história diplomática na França

Revista Historia Viva

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