domingo, 19 de abril de 2009

O Brasil e seus nomes


O longo debate em torno dos muitos nomes que teve o país pode ser lido como indicação da insegurança sobre nossa identidade e das frustrações de nossos sonhos.
José Murilo de Carvalho

Julieta parecia não dar grande importância a nomes: a rosa manteria seu perfume sob qualquer outra denominação. Mas o próprio Shakespeare a desmentiu, fazendo com que o peso dos nomes de Capuleto e Montéquio levasse à tragédia que vitimou os dois amantes. Haveria algo no nome dos países que pudesse afetar sua identidade e seu destino, para o bem ou para o mal, para a felicidade ou para a tragédia? O nome faz o país ou é o país que faz o nome? Há países que moldam seu nome e países que são por ele moldados? Um país que se autonomeia é o mesmo que um país nomeado? Ao começar este trabalho sobre o nome do Brasil, não tinha qualquer idéia sobre as conclusões a que chegaria. Não estou certo de que cheguei a alguma.
Uma das características da chegada de espanhóis e portugueses ao continente hoje chamado de América foi a incerteza em relação à natureza da coisa. Eram as Índias, era um mundo novo, uma ilha, um continente? Colombo achava que eram as Índias Ocidentais, Cabral pensou que era uma ilha, Vespúcio desconfiou que era um continente novamente descoberto. A incerteza em relação ao todo reproduziu-se em relação às partes, sobretudo àquelas habitadas por povos nômades com baixo grau de organização social.


Foi o caso da parte visitada por Cabral em 1500. Ao longo dos séculos XVI e XVII, ela foi batizada com vários nomes. A disputa sobre como grafar Brasil estendeu-se até o século XX. E até hoje se discute a origem do nome. Difícil imaginar outro país com tão grande dificuldade de decidir até mesmo seu próprio nome. A nova terra foi denominada Pindorama (antes de 1500), Ilha (Terra) de Vera Cruz (1500), Terra de Santa Cruz (1501), Terra Papagalli (1502), Mundus novus (1503), América (1507), Terra do Brasil (1507), Índia Ocidental (1578), Brazil (século XIX), Brasil (século XX).

A terra a que Pedro Álvares Cabral aportou em 1500 era chamada pelos habitantes com quem travou conhecimento de Pindorama, ou Terra das Palmeiras. O capitão permaneceu dez dias em terra. Viu gentes estranhas, nem pretas nem brancas, que caminhavam totalmente nuas pelas praias, tinham furos nos beiços em que enfiavam ossos, estavam armadas de arcos e flechas. Viu ainda muitos papagaios e uma terra cheia de palmeiras e outras árvores. Pero Vaz de Caminha, afirma em sua carta que mandou ao rei D. Manuel que Cabral inicialmente deu à terra o nome de Terra de Vera Cruz. No mesmo documento, corrige para Ilha de Vera Cruz, indicando a incerteza sobre a geografia da região. Só não houve incerteza quanto a Vera Cruz. Cabral era cavaleiro da Ordem de Cristo, cuja bandeira trazia uma grande cruz. Essa bandeira lhe fora entregue por D. Manuel antes da partida da frota e mais tarde foi içada no mastro da nave principal e colocada ao lado do Evangelho durante a primeira missa celebrada em uma ilhota da nova terra.


O primeiro nome da terra durou pouco. Ao tomar conhecimento da descoberta, D. Manuel tratou de apressar seu casamento com a infanta de Espanha e enviou Gonçalo Coelho para confirmar o achado. Além de o confirmar, Coelho informou que a nova terra era grande demais para ser uma ilha. Na volta, carregou o navio com pau-brasil e papagaios. Já no ano seguinte, em 29 de julho, D. Manuel escreveu aos reis católicos Fernando e Isabel, agora seus sogros, informando sobre a descoberta da terra a que Cabral dera o nome de Terra de Santa Cruz. El-rei trocou Ilha por Terra e Vera Cruz por Santa Cruz. O novo nome foi logo adotado.


Era apenas a primeira mudança. O piloto e cosmógrafo florentino Américo Vespúcio participou de uma expedição exploradora da nova terra enviada por D. Manuel já no ano de 1501. Fez um relato da viagem em carta escrita no primeiro semestre de 1503 e enviada a Lorenzo de Médici. Publicada em tradução latina em 1503, já na segunda edição chamou-se Mundus Novus e se tornou um verdadeiro best-seller, com 22 edições em várias línguas até 1506. Vespúcio afirmou ser “lícito chamar [as novas terras] de Mundo Novo, porque nenhuma delas era conhecida dos nossos maiores”.

A notícia da descoberta se espalharou rapidamente por Lisboa, onde residiam muitos comerciantes, capitalistas e espiões italianos. Graças a eles, a novidade logo chegou a outras partes da Europa. Muitos deles se referiam à nova terra como Terra dos Papagaios, ou Terra Papagalli. A razão do novo nome tinha a ver com um dos aspectos que mais chamaram a atenção dos primeiros visitantes: o exotismo de alguns animais e a beleza de algumas aves, sobretudo as da família dos psitacídeos, papagaios, periquitos e araras.

Mais importante do que os papagaios, no entanto, era a madeira que encontraram, o pau-brasil: árvore alta e grossa de casca cinza, coberta de espinhos, cerne vermelho e flor amarela. Ceasalpinia Echinata para os cientistas, o pau-brasil era chamado de ibirapitanga, ou pau vermelho, pelos indígenas. Os exploradores portugueses a identificaram logo porque desde o século XII era conhecida árvore semelhante, a Caesalpinia Sappan, chamada de Brazil ou de variantes deste nome, importada da Ásia, sobretudo do Ceilão e da Indonésia. A madeira desta árvore era usada sobretudo como corante de panos e, em menor escala, para preparo de tintas. Por ser muito dura, usava-se também em construção e fabricação de instrumentos musicais. Há registros do nome na Itália desde o século XI e na Espanha desde o século XII. Marco Pólo fala em brésil, e no Roteiro da viagem de Vasco da Gama menciona-se a existência de “muito bom brasyll, o qual faz muito fino vermelho”.

Durante as três primeiras décadas após a chegada dos portugueses, o principal produto da nova terra comerciável na Europa era o pau-brasil. A madeira era cortada em toras de 1,5m pesando cerca de 30k. Os índios cortavam, desbastavam e carregavam as toras até os navios em troca de ferramentas e bugigangas. Vendidos em Amsterdã, 60 kg de pó de pau-brasil valiam no século XVI o equivalente aproximado de US$ 865,00 de hoje. Calcula-se que cerca de dois milhões de árvores tenham sido derrubadas no primeiro século de exploração, quantia correspondente a 6 mil km2 da Mata Atlântica. Essa intensa atividade comercial em torno da madeira teve como efeito imediato a adoção do nome Terra do Brasil para a nova descoberta. O mapa-múndi de Marini, de 1511, registra pela primeira vez o nome Brasil.


No fim da segunda década do século XVI, o novo nome já superara os de Ilha de Vera Cruz, Terra de Santa Cruz, Terra dos Papagaios, Mundo Novo e América. João de Barros e Pero de Magalhães Gandavo no século XVI, e frei Vicente do Salvador, no século XVII, entre outros, protestaram energicamente contra a mudança do nome de Santa Cruz para Brasil. Para Gandavo, a mudança tinha sido obra do demônio. Segundo frei Vicente do Salvador, importou mais “o nome de um pau com que tingem panos do que o daquele divino pau que deu tinta e virtude a todos os sacramentos da Igreja”. A mudança do nome, segundo o frei, causara a decadência da terra.


Entre os que adotam a versão, generalizada na época, de que o nome Brasil provinha da madeira vermelha, houve e continua a haver disputa sobre como grafar a palavra. A própria Academia Brasileira de Letras se envolveu nesta disputa. Podemos encontrar 23 versões registradas no período que vai do século XI ao XVII, entre as quais bersil, bresil, braxilis, brasyl, brisolium, verzino, braxille.

Mas a maior polêmica em torno do nome do país ainda estava por vir. Não dizia respeito apenas à ortografia, mas também à origem do nome. Se entre os cronistas coloniais, inclusive os contemporâneos da chegada dos portugueses, é unânime a versão de que o nome da nova terra tenha vindo da madeira brasil, a partir do início do século XX começa a ganhar força a versão que defende outra origem, alternativa ou complementar. Em notas à terceira edição da principal história geral do Brasil até então escrita, a História geral do Brasil, do visconde de Porto Seguro (Francisco Adolfo de Varnhagen), datada de 1906, outro respeitado historiador, Capistrano de Abreu, menciona uma outra vertente do nome brasil.

Trata-se de uma ilha mítica supostamente localizada à altura da costa irlandesa. Era uma das muitas ilhas ou terras fantásticas que povoaram o imaginário europeu desde a Idade Média, a Ilha Brazil, que aparece em vários mapas desde 1375, como no Atlas de Catalan, desse ano, e no de Mercator, de 1595. Ela constou dos mapas do Almirantado inglês até 1865. Velhas tradições célticas, como a do rei Brasal que nela teria fixado residência após a morte, falavam desta ilha coberta de brumas a que ninguém tinha acesso. Marinheiros procuravam em vão por ela, poetas a cantavam em pleno século XIX. Robert Dwyer Joyce fala da “linda Hy Brasil onde os amantes são abençoados para sempre”. Essa versão do nome do país também registra mais de 20 grafias, como Berzil, Bracil, Brasil, Brazil, Brazille, Brazir, Braxil.



Nenhum dos autores contemporâneos da chegada dos portugueses menciona a Ilha Brazil como possível inspiração para o batismo da nova terra. No entanto, os descontentes com a substituição do nome de Santa Cruz pelo nome da madeira brasil tiveram no século XX seus seguidores. Sem poder mais livrar-se do nome Brasil, os novos inconformados buscaram deslocar sua origem para a fantástica ilha. Se para os primeiros o lenho corante não podia substituir o lenho sagrado, para os segundos o lenho-mercadoria não podia prevalecer sobre a Ilha dos Abençoados.

Quem mais defendeu a nova versão foi Gustavo Barroso, em livro de 1941. Argumentando com a hipótese plausível de que os navegadores portugueses conheciam a Ilha Brazil, pois vinha reproduzida em vários mapas, Barroso afirma que houve fusão das duas tradições na definição do nome do país, ignorando as unânimes referências em favor da madeira. Barroso tinha o mesmo desprezo pela madeira alimentando por João de Barros e frei Vicente. Mas seus motivos não eram religiosos. Era mais digno para o país, segundo ele, derivar seu nome da Terra Abençoada do que da reles mercadoria comercializada por cristãos novos, isto é, judeus. A posição de Barroso, sem o anti-semitismo, foi retomada em livro de Geraldo Cantarino, publicado em 2004.

Se o nome Brasil-madeira incomodava muita gente, incomodava mais ainda o gentílico ‘brasileiro’. Brasileiro era comerciante de pau-brasil, uma profissão como pedreiro, carpinteiro. Nos primeiros séculos, os índios eram os brasis, os europeus eram portugueses. Na metade do século XVII ainda era ofensa chamar alguém de brasileiro. Um português nascido no Brasil era português do Brasil ou luso-americano. Na época da independência, ainda se usavam os gentílicos brasiliense, brasílico, brasiliano, muito mais apropriados do que brasileiro.

Embora não haja sustentação histórica para a hipótese de uma influência conjunta do pau-brasil e da fantástica Ilha Brazil na nomeação do país, o encontro se deu no imaginário nacional. A ênfase nas qualidades paradisíacas como característica da nova terra esteve presente desde a chegada dos conquistadores portugueses. Os cronistas, desde Caminha, não se cansaram de exaltar a riqueza e a beleza da terra.


Américo Vespúcio afirmou em sua Mundus Novus, que se existisse um paraíso, não seria longe destas terras. Tal visão, a que chamo de motivo edênico, repetiu-se ao longo dos séculos. Em 1576, Pero de Magalhães Gandavo afirmou que a terra era “sem contradição a melhor para a vida do homem que cada uma das outras de América, por ser comumente de bons ares e fertilíssima, e em grã maneira deleitosa e aprazível à vida humana”. A terra, segundo o autor, é sempre verde, o clima, de permanente primavera. Em 1618, 42 anos depois de Gandavo, o autor de Diálogos das grandezas do Brasil continuou na mesma linha: “A terra é disposta para se fazer nela todas as agriculturas do mundo pela sua muita fertilidade, excelente clima, bons céus, disposição de seu temperamento, salutíferos ares, e outros mil atributos que se lhe ajuntam”.

No século XVIII, surgiu a mais exaltada versão do edenismo na História da América Portuguesa (note-se a persistência do uso do nome América), escrita em 1730 por um brasileiro, Sebastião da Rocha Pita. O texto é uma verdadeira propaganda turística do país. Na época da independência, o argumento do tamanho, riqueza e beleza da terra foi usado para justificar a separação de Portugal. Em 1824, o francês , Ferdinand Denis insistiu em que a literatura brasileira baseasse sua originalidade na descrição da natureza tropical e dos costumes exóticos dos indígenas. O romantismo literário, iniciado na década de 1830, fez exatamente isso: exaltou a figura idealizada do indígena, que nada tinha a ver com os índios reais, e vangloriou-se da natureza.

Em 1900, por ocasião do quarto centenário da chegada de Cabral, o conde de Afonso Celso publicou um livro intitulado Por que me ufano de meu país, que ficou conhecido como o paradigma do ufanismo, isto é, do orgulho ingênuo da pátria. O autor lista treze razões para se ter orgulho do país. As seis primeiras são edênicas, repetem os argumentos usados desde Cabral: o país é grande, tem riquezas incalculáveis, é riquíssimo, goza de perpétua primavera e não tem desastres naturais como terremotos, vulcões, ciclones.

Duas pesquisas de opinião pública feitas em 1996, uma nacional, outra na região metropolitana do Rio de Janeiro, confirmam o fenômeno. Perguntados se tinham orgulho do Brasil, os entrevistados responderam maciçamente (85% na pesquisa nacional, 87% na pesquisa do Rio de Janeiro) que sim. Solicitados a dar três motivos de orgulho, muitos (30%) não souberam responder ou disseram que não havia motivo algum. Somando as três respostas e eliminando os que não sabiam ou não respondiam, chegou-se ao resultado de que a principal razão apontada para orgulho (35%) era a natureza. Em segundo lugar, com menos da metade da porcentagem (15,5%), vinha o caráter do povo.

A grande maioria das respostas classificadas como “natureza” coincidia com as características da tradição edênica. Alguns exemplos: terra maravilhosa, o céu, o ar puro, a beleza das praias, as matas, a Amazônia, a fertilidade do solo, país abençoado, o tamanho, as riquezas naturais, o clima, a ausência de terremotos e furacões. Esta visão paradisíaca do país foi estigmatizada pelo dramaturgo Nelson Rodrigues: “Ah, o Brasil não é uma pátria, não é uma nação, não é um povo, mas uma paisagem”.


Mas a generosidade de Deus com o país foi tão grande que, além da doação do paraíso natural, prometeu ainda um paraíso histórico. A grandeza natural era promessa de um futuro de grande e poderoso império. A origem dessa utopia remonta à batalha de Ourique, lutada em 1139 contra cinco reis mouros. De acordo com a lenda, Cristo teria então aparecido ao príncipe Afonso Henriques prometendo-lhe a vitória e, mais ainda, um grande império futuro para divulgar seu nome entre as nações. No Brasil, a partir da chegada de D. João, em 1808, tornou-se comum falar na formação de um grande império na ex-colônia, já que Portugal, por suas limitações geográficas e demográficas, não tinha condições de servir de base a tal empreendimento. Logo antes da Independência, o príncipe D. Pedro dirigiu-se aos brasileiros falando “desse vasto e poderoso império”. Um ano após a Independência, o bispo D. Marcos foi ainda mais explícito ao falar da realização no Brasil do Quinto Império. Não por acaso, o novo país, criado em 1822, não se chamou reino como a metrópole, mas Império. Só a designação império parecia adequar-se à dimensão geográfica e à dimensão de suas ambições para o futuro.

Este complexo de grandeza, ao lado do mito edênico, passou a fazer parte do imaginário do país. Aliás, o próprio Hino Nacional, que incorporou o edenismo, também endossou a idéia de grandeza no futuro, dizendo literalmente: “o teu futuro espelha esta grandeza”. A crença fora reforçada em 1942 pelo escritor austríaco Stefan Zweig, que escreveu um livro cujo título era Brasil, país do futuro. Refugiado no Brasil por causa da guerra, ficou encantado com a convivência racial que aqui encontrou. Diante de uma Europa que se destruía e da perseguição nazista aos judeus, viu no Brasil um exemplo de convivência humana. Em outra concepção, a visão de um grande futuro se manifestou no projeto de “Brasil grande potência” dos governos militares. O sonho afeta até hoje boa parte da população. Uma pesquisa nacional de opinião, realizada em 1996, revelou que 57% dos brasileiros ainda acreditavam na utopia do grande império.

O mito da natureza edênica, da flora, fauna, rios e florestas, foi destruído pela ação predadora dos colonizadores, ajudados pelos nativos e depois pelos próprios brasileiros. O brasileiro do pau-brasil destruiu o paraíso da Ilha Brazil. A utopia do grande império, por sua vez, se vê sistematicamente frustrada pelo desempenho do país. O Brasil chega ao século XXI com uma população de 185 milhões de habitantes, mas apresentando índices de desenvolvimento político, social e econômico que o deixam longe de qualquer veleidade de grande império. O país é hoje o décimo mais desigual do mundo e mal conseguiu estabilizar sua democracia. Só há poucos anos é que a educação básica se universalizou. No ensino médio e superior, o país exibe índices que estão entre os piores da América Latina. Mais recentemente, a violência comandada por traficantes tem transformado a vida das grandes cidades em pesadelo, sobretudo para a população pobre. A idéia de país do futuro cunhada por Zweig tornou-se uma piada: o Brasil é, e sempre será, um país do futuro.

A comparação é particularmente desvantajosa quando feita com os Estados Unidos. Na época da independência das colônias inglesas, os pais da pátria norte-americana alimentavam as mesmas ambições de seus equivalentes brasileiros. Eles falavam na potencialidade da ex-colônia de transformar-se em um império autônomo e poderoso do Novo Mundo. Na Convenção Constitucional de 1787, Franklin e outros usaram a mesma palavra “império” que encontramos no caso brasileiro. Para o bem ou para o mal, os norte-americanos foram capazes de transformar seu sonho em realidade.

Diante de tanta frustração, de tanta distância entre o sonho e a realidade, torna-se compreensível que se tenha desenvolvido no país uma paixão desenfreada pelo futebol. O entusiasmo pode ser em parte explicado pelo fato de que esse esporte é a única atividade de alcance popular em que o país se destaca internacionalmente. Uma partida de futebol é o único momento em que todos os brasileiros, inclusive as populações indígenas, se tornam brasilienses, se identificam em um sentimento comum, que a pátria política não fornece. Citando novamente Nelson Rodrigues, a seleção nacional é a pátria de chuteiras. É a pátria de que os brasileiros não se orgulham em outros ramos de atividade. A excelência nesse campo, atestada pela vitória em cinco Copas, apesar do vexame da última, torna-se então um sucedâneo do paraíso perdido e do império impossível. Um jogo da seleção é o único momento em que todos os brasileiros gritam juntos o nome do país, sem preocupações com materialidades, ilhas encantadas, paraísos e utopias. È, talvez, o único momento em que desmentimos Julieta.

José Murilo de Carvalho é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), membro da Academia Brasileira de Letras e autor de A Formação das Almas: O Imaginário da República no Brasil (Companhia das Letras, 1996).

Revista de Historia da Biblioteca Nacional

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