Para alcançar uma Índia independente e justa, Gandhi valeu-se das armas mais poderosas que tinha à mão: inteligência, amor à verdade e determinação
POR PATRÍCIA PEREIRA*
Pelo perfil, ninguém apostaria se tratar de um líder: homem franzino, pouco eloqüente e incapaz de cometer ou estimular qualquer forma de violência. Mas Mohandas Karamchand Gandhi (1869-1948), mais conhecido como Mahatma Gandhi, cativou milhões de seguidores e, sem usar armas, conquistou a independência da Índia e se tornou o pacifista mais notável da História. Usou princípios de base religiosa, mas nunca quis que o tratassem como profeta, tendo, inclusive, rejeitado o título de Mahatma (“Grande Alma”) que o povo insistia em lhe atribuir. Sua ação era política. Uma política pouco usual, é certo, já que suas estratégias incluíam jejuns e prisões sem resistência - ele passou 2.338 dias de sua vida na cadeia. Em uma Índia com conflitos entre muçulmanos e hindus, ele defendia a união dentro da diversidade. Foi sua mais notável derrota. Mas comecemos pelo caminho das vitórias.POR PATRÍCIA PEREIRA*
Tendo sido contratado como advogado por uma firma indiana, Gandhi parte para a África do Sul em 1893. Lá ele sente na pele a discriminação brutal cometida contra negros e indianos: apanha, é jogado de um trem e expulso de um tribunal, sempre por insubordinação aos costumes racistas. A partir daí, estabelece sua resistência pela não violência, que iria abalizar o resto de sua trajetória
Gandhi nasceu em 2 de outubro de 1869, em Porbandar, no oeste da Índia. Pertencia à subcasta baniana dos vaixás, de comerciantes. Mas, contrariando a tradição, decidiu seguir por outro caminho: foi estudar Direito na Inglaterra. Nenhum membro baniano havia feito isso antes. Nesta época, já havia se casado com Kasturbai Makanji - os dois tinham 13 anos.
Foi na Inglaterra, quase por acaso, que deparou com muitas das influências que iriam mostrar- se centrais na formação de seu pensamento. Catherine Bush, no livro “Gandhi - Os grandes líderes”, conta que, pelo fato de não comer carne, ele sofreu muito em Londres até encontrar um restaurante vegetariano. Lá conheceu membros da Sociedade Vegetariana de Londres, que lhe proporcionaram a leitura da Bhagavad-Gita (Canto do Bem-Aventurado), poema teológicoético indiano, considerado a expressão máxima da literatura da Índia antiga. Na Bhagavad-Gita Gandhi encontrou o conceito de ahimsa (“nãoviolência”), marca de sua trajetória futura.
“A Bhagavad-Gita era o texto de cabeceira do Mahatma. Ele o decorou quase na íntegra e fez um lúcido e esclarecedor comentário sobre seus postulados”, diz Lia Diskin, co-fundadora da Associação Palas Athena e membro-fundador da Rede Gandhi.
ÉTICA DO CRISTIANISMO
Lia também lembra que na Inglaterra Gandhi teve contato com o cristianismo. “Durante o seu período de formação em Direito, na Inglaterra, tomou conhecimento do cristianismo, afeiçoando-se aos Evangelhos e, em especial, ao Sermão da Montanha”, diz Lia.
Frank Usarski, cientista da religião e professor do programa de pós-graduação em Ciência da Religião da PUC-SP, explica que Gandhi era hinduísta, mas na Inglaterra foi confrontado pela ética do cristianismo e ficou balançado. “Ele sentiu a tentação de se converter ao cristianismo, mas acabou não o fazendo”, diz o professor. Gandhi via no cristianismo uma religião mais tolerante. “O Sermão da Montanha falava em amor ao próximo e em aceitar as fraquezas do outro. Pregava que as pessoas deveriam ser tratadas como iguais, independentemente do status. E essa era exatamente a crítica que Gandhi fazia ao hinduísmo, que separava as pessoas em castas e excluía alguns - os intocáveis - do convívio”, explica Usarski.
Jawaharlal Nehru ao lado de Gandhi no Comitê Geral do Congresso indiano, em 1942. Nehru era um grande seguidor dos ensinamentos de Mahatma e tornou-se seu braço direito na luta contra a dominação inglesa. Em junho de 1947 assumiu o cargo de primeiro-ministro da Índia recém-liberta
Usarski diz que Gandhi representa o hinduísmo de reformas ou neo-hinduísmo. “É um hinduísmo purificado no sentido ético”, explica. Para ele, a exclusão dos membros da casta dos intocáveis era uma perversidade do hinduísmo tradicional e essa crítica partia da ética cristã. “Não que ele fosse contra o sistema de castas. Ele aceitava as castas, mas acreditava que os seres humanos têm talentos diferentes e complementares e a sociedade precisa de cada um. O que Gandhi rejeitava era a hierarquia baseada nas castas”, explica o professor.
Depois de feitas as críticas, concluiu que a ética do cristianismo era mais universalista. No entanto, o hinduísmo tem um caráter inclusivo muito abrangente. “Não é preciso rejeitar o cristianismo para ser hindu. Pode-se implementar elementos, aprender com o cristianismo”, explica o professor. Gandhi define o hinduísmo como algo superior por ser capaz de integrar outros caminhos da espiritualidade.
Do Ocidente, Gandhi ainda recebeu mais influências. “Outras fontes que marcaram seu pensamento e suas ações foram as idéias de Th oreau, de Ruskin e, principalmente, de Tolstoi”, diz Lia. Usarski lembra que a “resistência passiva”, atitude que caracteriza a principal estratégia de Gandhi, foi inspirada no pensamento do norte-americano Henry David Th oreau.
CAMADAS DE PESSOAS
Ninguém sabe como começou. Mesmo a teoria antes amplamente aceita, de que invasores arianos, tendo conquistado parte da Índia, estabeleceram uma discriminação entre eles mesmos e os nativos, foi desacreditada por meio de exames de DNA. O que se sabe é que a sociedade hindu segue ainda hoje a divisão apresentada pelos registros sagrados chamados Vedas (conhecimentos), escritos em 1500 a.C.. Neles são apresentadas quatro classes ou castas que detêm diferentes funções: Os brâmanes (filósofos, religiosos e escolares em geral), os xátrias (militares e governantes) os vaixias (mercadores e artesãos) e os sudras (trabalhadores braçais e camponeses). Essas castas antes eram escolhidas por fatores diversos, como mapa astrológico, posição social e aptidão pessoal, mas com o tempo se tornaram hereditárias e supercomplexas, ramificando-se em centenas de subdivisões. Porém, até o mais humilde dos sudras agradece a Purusha pelo seu lugarzinho nos versos. Sim, porque a camada mais baixa é aquela não mencionada nos vedas, a dos Dalit, também conhecidos por “intocáveis”. Esses marginalizados somam mais de 140 milhões de indivíduos a quem são oferecidos apenas os trabalhos considerados degradantes ou impuros, relacionados geralmente ao recolhimento do lixo e contato com os mortos.*
RELIGIÕES ORIENTAIS
Mas muitos elementos norteadores vieram mesmo do Oriente. Lia explica que Gandhi recebeu e absorveu influências do jainismo, do hinduísmo e do budismo. “No jainismo, o primeiro princípio a ser observado por um praticante ou devoto é ahimsa, “não-violência” em palavra, pensamento e ato. Comprometer-se a viver com uma atitude amigável, de respeito por todas as formas de existência, evitando ser causa de sofrimento para quem quer que seja, eis a ética do jainista”, diz Lia.
Gandhi fazendo algodão fiado em casa, ou kadhi, usando um tipo de roca chamado chakra, para boicotar as mercadorias inglesas e impulsionar a autosuficiência econômica por volta de 1920-1930. Kadhi foi também um meio de preparação para a independência econômica da Índia. A roca mais tarde tornou-se o símbolo da libertação e é por essa razão que é simbolizada na bandeira da Nova Índia, oficialmente adotada em 1947
Usarski lembra que Gandhi vem de um estado indiano, o Gujarat, que se caracterizava por ser o centro de convivência de várias religiões - hinduísmo, jainismo, islamismo. “É um ambiente que irá alimentar sua ideologia final. Tanto que no processo de independência da Índia, Gandhi irá defender a manutenção da unidade do Estado até o fim. O que acaba não ocorrendo, já que o país se divide, os hindus formam a Índia independente e os muçulmanos, o Paquistão. Mas Gandhi fez uma defesa radical da unidade até o fim. Isso porque vinha deste estado, onde havia a convivência harmoniosa entre praticantes de diferentes religiões”, explica o professor.
Quando milhares de muçulmanos marcham para o Paquistão, Gandhi faz jejum pela paz e pela conciliação de todos em um único território
"A não-violência nunca deve ser usada COMO UM ESCUDO para a covardia. É UMA ARMA para os bravos."
MAHATMA GANDHI
Eduardo Basto de Albuquerque, professor de História das Religiões da Unesp, diz que Gandhi chegou a ter uma certa aproximação com o Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos. “Não chegou a ser uma influência, mas ele sempre defendeu a união entre todos, independentemente da religião professada”, diz o professor da Unesp. O que vai persistir mesmo depois de a Índia se libertar do domínio inglês. Quando os hindus ficam com o país recém-independente e milhares de muçulmanos marcham para o Paquistão, Gandhi faz jejum pela paz e pela conciliação de todos em um único território.
Além de ser um estado em que vigora a convivência pacífica entre diversas religiões, o Gujarat era um centro representativo do jainismo. “Nesta religião, o vegetarianismo e a não-violência são conceitos muito fortes. Por exemplo, os praticantes andam limpando o caminho para não machucar nenhum bicho e bebem água com cuidado para não engolir moscas”, diz Usarski. Para o professor, o pensamento de Gandhi foi formado por uma mistura de inspiração e convivência.
"Nosso líder amado, o pai da nação, NÃO ESTÁ MAIS ENTRE NÓS. [...]isso é um golpe terrível, não apenas para mim, mas para MILHÕES E MILHÕES NESTE PAÍS."
Jawaharlal Nehru – então primeiro-ministro da Índia, anunciando a morte de Gandhi
Não confunda Indira Gandhi com o Mahatma. Apesar de compartilharem o mesmo sobrenome, que significa “verdureiro”, ela adotou o nome de família do marido Feroze, também não parente do líder espiritual. Ocorre, no entanto, que Indira é a filha única do político Jawaharlal Nehru e foi a única primeira-ministra mulher da Índia, eleita por três mandatos consecutivos
Do hinduísmo, Gandhi absorve grande parte dos preceitos que tratam de disciplina interna, individual, como a necessidade de cultivar o desapego aderindo à simplicidade voluntária. Ele manifesta isso ao dizer: “Aquele que possui coisas de que não precisa é um ladrão”, explica Lia. “Ser transparente, não ocultar, não dissimular, mostrar aos outros e à vida aquilo que se é e ao que se aspira. Ter a honestidade como regra de convívio, pois isso oferece garantias aos outros de saber com quem estão interagindo. Cultivar a sabedoria aliada à compaixão”, são outras influências que recebe desta religião, diz Lia.
Mas Gandhi se nega a seguir alguns pontos. “O que rejeita do hinduísmo, e de qualquer outra religião ou tradição espiritual, é tudo aquilo que oprime, segrega, discrimina, humilha e desqualifica. Desse modo, ele se opõe ao sistema de castas e, sobretudo, à exclusão social dos intocáveis e párias. Também se opõe à subordinação da mulher e à exclusão delas dos espaços de decisão política”, explica Lia.
NA ÁFRICA DO SUL
Quando se forma em Direito, na Inglaterra, já tendo tido contato com a maioria das influências orientais e ocidentais que interfeririam na formação de seu pensamento, Gandhi retorna à Índia, em 1891, para trabalhar como advogado, mas não obtém muito sucesso. É quando uma empresa hindu o contrata para defendê- la em um processo judicial na África do Sul e Gandhi decide se mudar para lá, em 1893, com a idéia de passar um ano no país. Acaba passando 20 anos, colocando em prática seus pensamentos e dando mostras do que seria sua luta na Índia.
Na África do Sul Gandhi defrontou com a discriminação em relação aos hindus e decidiu combatêla de uma forma original: a Satyagraha, “resistência passiva” ou “força da verdade”
Na África do Sul Gandhi defrontou com a discriminação em relação aos hindus e decidiu combatê-la de uma forma original: a Satyagraha, “resistência passiva” ou “força da verdade”, protesto político e maneira eficaz de organizar um movimento de massa. Um dos fatos que mais o mobilizou e o tornou conhecido na África do Sul foi o combate a uma lei promulgada em 1907 pelo governo do Transvaal que obrigava os indianos a se registrarem e sempre portarem consigo este registro. “Isso era a negação dos direitos civis básicos e Gandhi ficou estarrecido”, conta Catherine no livro “Gandhi - Os grandes líderes”.
"As religiões são CAMINHOS DIFERENTES convergindo para o MESMO PONTO. Que importância faz se seguimos por caminhos diferentes, desde que alcancemos O MESMO OBJETIVO?"
Gandhi
COMO O MUNDO AVALIAVA GANDHI
Antes mesmo de retornar à Índia, quando ainda vivia na África do Sul, Gandhi já era considerado um herói pelos nacionalistas indianos. Isso porque era visto como um defensor dos direitos hindus contra a discriminação no país africano e um homem que acreditava na resistência não-violenta. Mais tarde, nos movimentos pela independência da Índia, multidões o seguiam e respeitavam os princípios pregados por ele, mesmo quando delas eram exigidas ações como receber golpes de cassetete sem revidar.
Gandhi era um grande líder, mas não chegava a ser unanimidade mesmo em seu país. Havia disputas entre hindus e muçulmanos e ele sempre lutou pela união e pela paz entre esses povos, contrariando certos segmentos. Sua morte, por exemplo, foi causada por um hindu radical.
Ao governo inglês, Gandhi provocava grande insatisfação. Winston Churchill chegou a descrevê-lo raivosamente como um “advogado sedicioso [...] posando como um faquir seminu”, devido aos meios de pressão pela inconsciendependência que vinha usando - a nãocooperação e o boicote.
Mas mesmo opositores políticos de Gandhi o admiravam, reconheceu um juiz que o julgava e o condenou a seis anos de prisão no início dos anos de 1920. “Seria impossível ignorar o fato de que você está numa categoria diferente de qualquer pessoa que já julguei ou que poderei julgar algum dia”, disse, segundo relata o livro “Gandhi - Os grandes líderes”.
Elogios também vieram de Albert Einstein: “as gerações por vir terão dificuldade em acreditar que um homem como este realmente existiu e caminhou sobre a Terra”, disse.
Gandhi ainda conseguiu admiradores entre os ingleses. Quando foi a Londres, participar de uma mesa-redonda, hospedou- se em uma favela da cidade e visitou uma região industrial para conversar com os trabalhadores têxteis que haviam perdido o emprego devido ao boicote indiano aos tecidos ingleses. Gandhi descreveu a pobreza na Índia e explicou a luta pela independência. Ganhou a solidariedade dos trabalhadores.
Quanto aos povos de outras nacionalidades, é difícil saber a imagem que faziam de Gandhi. “Tudo ocorreu em uma época em que não tínhamos muitos meios de informação disponíveis como temos hoje”, explica Eduardo Basto de Albuquerque, professor de História das Religiões da Unesp. “Ninguém sabia direito o que estava acontecendo. Havia poucas idéias a respeito de Gandhi, o olhar sobre ele era mais religioso do que político. Só depois de morrer ele vira um modelo para lideranças ocidentais”, diz o professor.
POR PATRÍCIA PEREIRA*
Mahatma Gandhi violando a Lei ao pegar um monte de sal natural na vila de Dandi, no distrito de Gujarat, Índia, 6 de abril de 1930
Gandhi lançou a campanha da Satyagraha, uma recusa em se submeter à injustiça, e pediu que nenhum indiano se registrasse, mesmo que viesse a ser punido. Foi preso, junto com outros seguidores. O movimento cresceu ainda mais com a prisão. O governo acirrou a discriminação, só reconhecendo casamentos cristãos e cobrando impostos de residência dos trabalhadores hindus. A resposta de Gandhi - e da multidão de seguidores - foi a mesma: marchas pacíficas e o não cumprimento dessas decisões. Em 1914, o governo sulafricano cedeu e fez um acordo, reconhecendo os casamentos e abolindo o imposto. Duas semanas após essa decisão, Gandhi retornou à Índia.
Por sua ação a favor dos migrantes na África do Sul, Gandhi já era conhecido na Índia. “Quando ele decide voltar, a mídia divulga fotos desse ‘corajoso advogado’ que luta pelos trabalhadores indianos”, diz Usarski. É o começo do apelo às multidões, que será uma forte arma no processo de independência da Índia.
O APELO POPULAR
Usarski explica que a cultura da Índia é fixada nas autoridades que se qualificam por ações extraordinárias e a história do país é cheia de pessoas virtuosas como Gandhi - vegetarianas, que fazem jejum e se voltam para o celibato. Até aí, ele não tinha nada de especial. O diferencial de Gandhi foi conseguir se expressar com simplicidade e apelar à consciência coletiva com símbolos inerentes ao universo indiano, diz Usarski. “Ele conseguiu instrumentalizar o sentimento despertado e ativar atitudes políticas”, explica o professor.
A ação paradigmática que ficou na história foi a Marcha do Sal - caminhada de 24 dias encabeçada por Gandhi e acompanhada por milhares de indianos, em direção à costa. “Gandhi entra no mar, reza e logo apanha grãos de sal deixados na areia pela evaporação da água. Era março de 1930, e com esse gesto já antecipava a independência da Índia: estava infringindo a lei inglesa que impedia os indianos de fabricarem seu próprio sal. Seu gesto foi logo imitado por milhões de mulheres e homens que, comprometidos com a nãoviolência, violavam conscientemente uma lei que consideravam injusta, pois nas palavras de Gandhi, ‘o primeiro compromisso da não-violência é não cooperar com a injustiça’”, explica Lia.
Gandhi foi o primeiro na história do século XX a mostrar que o pacifismo poderia ser uma arma política eficiente
A independência veio mais tarde, em 1947, depois de muitos protestos pacíficos, prisões e jejuns de Gandhi, que foi peça fundamental na conquista. “Ele foi o primeiro na história do século XX a mostrar que o pacifismo poderia ser uma arma política eficiente”, diz Eduardo Basto de Albuquerque, professor de História das Religiões da Unesp.
Recepção para Gandhi em Euston, Londres
Gandhi nunca aceitou cargos de governo. Também não exaltava as massas com discursos demagógicos. “Pelo contrário, cobrava de seu povo serem irracionais a perpetuação do sistema de castas, a discriminação das mulheres e a falta de higiene”, diz Lia. E, a despeito de suas crenças religiosas, não foi um profeta nem permitiu que assim o tratassem, rejeitando o título de Mahatma que lhe conferiram.
“Todavia, foi o líder de milhões de indianos que na metade do século XX conquistaram a independência nacional sem recorrer às armas, à coerção ou a sabotagens violentas. Estamos falando de Gandhi – sem dúvida o pacifista mais notável da modernidade”, diz Lia.
Em 1918, ano em que liderou o Satyagraha, movimento de desobediência civil em massa contra a violência e extorsão dos donos de terra suportados pelo império britânico, no distrito de Kheda. Sua prisão levou a revolta à população local que saiu às ruas pedindo a libertação daquela “grande alma”, o Mahatma
Nem mesmo na hora da morte abandonou seus princípios de não-violência. Dias antes de ser assassinado, Gandhi sabia que corria riscos. Chegou, inclusive, a comentar sobre o assunto. “Se eu for a vítima de uma bala assassina”, disse, “não deverá haver ódio dentro de mim”. Deus deverá estar em meu coração e em meus lábios”, segundo relata o livro “Gandhi - Os grandes líderes”.
TRAJETÓRIA
A vida de Gandhi pode ser dividida em quatro períodos:
1) A infância e a adolescência em Porbandar, cidade litorânea e pouco expressiva no noroeste da Índia.
2) Os anos de estudos na Inglaterra, onde cursou Direito e entrou em contato com as idéias de Tolstoi, Emerson, Thoreau, dos socialistas utópicos e com o Sermão da Montanha – influências que se mostraram decisivas em sua futura ação libertária.
3) O início das lutas contra o racismo na África do Sul.
4) O retorno à terra natal, onde liderou a independência da Índia que havia sido dominada pelo Império Britânico durante três séculos.
FATOS MARCANTES
1869 – No dia 2 de outubro, nasce Gandhi, em Porbandar.
1888 – Gandhi se muda para Londres para estudar Direito.
1891 – Volta para a Índia, depois de formar-se, para praticar a advocacia, mas acaba não sendo bem-sucedido.
1893 – Vai para a África do Sul, representando uma firma hindu em um processo judicial. Lá irá iniciar o movimento pacifista, lutando pelos direitos dos hindus.
1899 – Ocorre a Guerra dos Bôeres na África do Sul. No conflito, Gandhi apóia os ingleses, liderando hindus que ajudaram na parte médica e alimentar dos feridos.
1907 – O governo de Transvaal torna lei o Ato de Registro dos Asiáticos, uma medida que obriga todos os hindus a serem registrados. Gandhi lança a campanha da Satyagraha (“força da verdade”), uma recusa em se submeter à injustiça.
1915 – Retorna à Índia e difunde seu movimento de resistência pacífica.
1920 – Inicia campanha nacional de não cooperação com os britânicos. A população adere com o não pagamento de impostos.
1931 – Gandhi e o vice-rei Irwin assinam um acordo. A desobediência civil é cancelada, mas permite-se a fabricação de sal na costa; prisioneiros são soltos e líderes do Congresso podem assistir à Conferência de Mesa Redonda em Londres.
1942 – O pacífista quer a independência total da Índia, mas o governo inglês tenta negociar. Ele retoma a campanha pela desobediência civil.
1947 – Auge dos conflitos entre hindus e muçulmanos e Gandhi faz jejum pela paz. A Índia torna-se independente e é criado o estado do Paquistão, muçulmano.
1948 – Gandhi é assassinado por um hindu radical que o acusava de enfraquecer o novo governo ao pedir que a Índia pagasse certas dívidas ao Paquistão.
Em 30 de janeiro de 1948, debilitado por um jejum em prol da paz e da conciliação entre hindus e muçulmanos - que se enfrentavam nas ruas depois que a Índia se tornou independente e um país de hindus, enquanto os muçulmanos partiram em fuga para formar o Paquistão, islâmico - apoiado nos ombros de duas sobrinhas, Gandhi foi a uma reunião de orações. Estava em Nova Délhi, na Índia. Ao chegar, cerca de 500 pessoas o aguardavam. O grupo levantou-se. As mais próximas curvaram-se em reverência. Gandhi fez o mesmo e juntou as mãos para fazer o cumprimento tradicional hindu.
Foi quando o jornalista Nathuram Godse, membro de um grupo de extremistas hindus, com um revólver, deu três tiros à queima-roupa no Mahatma. Ele caiu no solo dizendo: “Hey Rama (“Ó Deus”). Ainda foi carregado para casa, mas não resistiu. Morria Gandhi, aos 79 anos, deixando um legado de paz, mas sem conseguir superar as divergências entre hindus e muçulmanos e unir a Índia.
MAIS VISADO QUE O PAPA
Antes de conhecer seu destino derradeiro, Gandhi já tinha sido alvo de cinco outras tentativas de assassinato. Em 1934, uma bomba foi arremessada contra o carro em que estava. Mais tarde, o radical hindu Nathuram Godse, tentaria apunhalá-lo em duas ocasiões diferentes, exalando uma raiva descontrolada, segundo testemunhas. Em 1946 o trem que levava o Mahatma foi propositalmente descarrilado e, dois anos depois, mais um atentado a bomba fracassaria.
Isso fez de Godse o nêmesis particular de Gandhi e principal suspeito de todos os atentados; foi seu nacionalismo extremista estimulado pela organização radical conhecida como Sangh. Inicialmente um admirador das ações de resistência passiva, mudou de opinião na medida que percebia a tolerância de Mohandas em relação aos muçulmanos como uma forma de proteção descabida àquela minoria separatista. As coisas pioraram com criação do estado do Paquistão em 1947.
A partir desse racha traumático para a população hindu, Godse decidiu, de uma vez por todas, terminar o que começou. E o fez em janeiro de 1948, sem tentar fugir do local do crime. Um ano depois, balançava na corda da forca.*
Para saber mais:
BUSH, C. Gandhi - Os grandes líderes. São Paulo: Nova Cultural, 1987.
GANDHI, M. K. Autobiografia: minha vida e minhas experiências com a verdade. São Paulo: Palas Athena, 1999.
___________. A roca e o calmo pensar: São Paulo: Palas Athena, 1991.
GALTUNG, J. O caminho é a meta: Gandhi hoje. São Paulo: Palas Athena, 2003.
GANDHI, M.K. As palavras de Gandhi. Rio de Janeiro: Record, 1984.
ROHDEN, H. Mahatma Gandhi : idéias e ideais de um político místico”. São Paulo: Alvorada, 1988.
*PATRÍCIA PEREIRA é jornalista e escreve para está publicação.
*Complemento da redação
Revista Leituras da Historia
Gandhi também me cativou e li Bhagavad-Gita . Essa postagem está SHOW.
ResponderExcluirEduardo, eu poderia postá~la com os devidos créditos no meu blog PAZ e BEM? Ou ao menos deixas o título e a URL do blog para que os leitores, venham aqui?
Agradeço pela belíssima leitura.
É sempre om ter Gandhi na alma.
Um forte abraço
Mirze