Descoberta de diamantes provocou uma corrida de aventureiros atrás de riqueza, fazendo de pequeno arraial mineiro um centro de luxo e de cultura
Júnia Ferreira Furtado
O brilho dos diamantes já alimentava o sonho dos europeus mesmo antes do descobrimento. Terras recheadas de pedras preciosas era o que se pretendia achar e explorar. Quando surge, enfim, o tesouro desejado, a fantasia se eleva ao quadrado: a história dos fatos passa a se misturar com lendas, mal-entendidos e trapaças, sob o feitiço inebriante da cobiça.
Relatos sobre a existência de diamantes no Brasil são antigos. Em seus Diálogos das grandezas do Brasil (1618), o médico Ambrósio Fernandes Brandão, um dos primeiros desbravadores da Paraíba, não titubeou em incluir a pedra entre as riquezas da colônia. Quarenta anos depois, o padre jesuíta Simão de Vasconcelos relatou que, quando passava perto da Serra de Paranapiacaba, em São Paulo, ouviu um estrondo, sendo logo informado de que um rochedo se partira e de dentro dele fora lançada uma “pedra de cristal, a modo de pinha, cheia por dentro de uns como pinhões, formados da natureza a modo de formosos diamantes, uns brancos de todo, outros meio roxos, outros roxos de todo”.
Mas somente no século XVIII viria a confirmação: dentro das rochas e no leito dos rios da Comarca do Serro do Frio, em Minas Gerais, escondiam-se imensas riquezas na forma de pedras brilhantes. O comunicado chegou a Portugal em 1729, expedido pelo governador da capitania, D. Lourenço de Almeida. Mas despertou suspeitas no ato. É que havia anos circulavam boatos de que o garimpo de diamantes já corria solto na região de forma ilegal. E o próprio governador poderia estar entre seus beneficiários.
Para conhecer o achado e investigar o que vinha ocorrendo no pequeno Arraial do Tejuco, onde a reserva havia sido encontrada, a Coroa enviou ao local, em 1730, um governador interino, chamado Martinho de Mendonça e de Proença.
Sua apuração revelou que os diamantes haviam sido encontrados pela primeira vez em 1721, nas lavras do Rio Morrinhos, de propriedade de Bernardo da Fonseca Lobo. Este teria avisado imediatamente o governador D. Lourenço de Almeida. Outro que soube da bombástica notícia foi o ouvidor do Serro do Frio, Antônio Rodrigues Banha. Mas eles trataram de não fazer alarde. Em vez de comunicar o fato oficialmente ao rei, como era sua obrigação, constituíram uma sociedade para extrair ilegalmente as pedras.
Para o êxito da empreitada, porém, era necessário guardar o segredo a sete chaves, missão difícil em se tratando de assunto tão entusiasmante. A notícia vazou e circulou tão depressa que em pouco tempo grandes levas de migrantes passaram a se dirigir para a região em busca de riqueza. Em 1729, a notoriedade da descoberta chegou ao reino, o que obrigou D. Lourenço de Almeida a fazer sua comunicação oficial. No documento enviado à Coroa, justificou a demora em dar a notícia alegando que havia incerteza quanto à qualidade e à autenticidade das pedras encontradas. Argumento difícil de engolir, uma vez que, no tempo em que a exploração dos diamantes correu sem fiscalização da Coroa, o governador conseguiu fazer um excelente pé-de-meia. Irmão do Patriarca de Lisboa (título dado ao arcebispo da cidade) e cunhado do secretário de Estado, ele retornou mais tarde à Corte com cerca de 18 milhões de cruzados, uma fortuna incalculável na época.
Por sua vez, o proprietário Bernardo Fonseca Lobo apressou-se a viajar para Portugal levando um lote de diamantes. Com isso, recebeu o título oficial de descobridor da pedra e várias mercês do rei.
Com o anúncio oficial da descoberta, a Coroa tratou de pôr ordem na casa: organizou a exploração dos diamantes e, claro, a cobrança dos respectivos impostos. Entre 1729 e 1734, a exploração foi aberta a todos que tivessem escravos e capital para investir na mineração, mas cobrava-se uma taxa sobre cada escravo empregado nos trabalhos de extração. Por várias vezes essa taxa foi elevada, para dificultar o acesso às lavras e aumentar a arrecadação dos impostos.
O aumento da produção trouxe rápida prosperidade à população, que passou a viver do aluguel de seus escravos a juros de 12% ao ano. Enquanto isso, o Arraial do Tejuco crescia vertiginosamente.
Os primeiros deslocamentos populacionais para a região tinham sido provocados pelo ouro encontrado em torno da Vila do Príncipe. Agora, muita gente partia para lá em busca das pedras preciosas. Um observador dos acontecimentos, o comerciante Francisco da Cruz comentou o número significativo de pessoas que abandonavam, desde 1726, a região aurífera das Minas e se transferiam para a região diamantina. Calculou, pelo que lhe “afirmaram várias pessoas casadas nesta terra que voltaram a buscar suas famílias”, que para lá já tinham passado mais “de mil homens brancos e negros”. Previa que dali “a ano e meio ficará essa comarca [do Rio das Velhas] sem gente, pois uma coisa é ver, e outra é contar as muitas tropas que todos os dias partem para elas”. Numa carta de 1728, confirmou que havia já alguns anos que a vila de Sabará estava ficando deserta, pois todos os moradores corriam para a região diamantina.
A febre dos diamantes contagiou todo mundo. Havia quem vendesse todas as suas posses para comprar escravos, a fim de explorar com eles as lavras de pedras preciosas. Havia quem trocasse uma casa por um freio de cavalo.
Sem falar nos que tentavam obter seu quinhão na base da violência. Os caminhos para a Comarca do Serro do Frio ficaram inseguros. Até 1730, os arredores do Tejuco ainda estavam infestados de ciganos, desocupados e quilombolas que atacavam continuamente os viajantes. Por isso, costumava-se viajar com bandos bem armados de negros. Os diamantes enviados anualmente para Portugal eram escoltados pela guarda diamantina e pelo Regimento dos Dragões até o porto do Rio de Janeiro.
As autoridades portuguesas logo perceberam que o preço do diamante era extremamente sensível, ligado à raridade das gemas. O excesso de oferta fez despencar o valor do quilate no mercado mundial. Na tentativa de reduzir a produção, foi elevado substancialmente o valor das taxas. Depois, todas as concessões de lavras foram revogadas, e só se concediam novas licenças para áreas que fossem exclusivamente auríferas. Foram expedidas ordens para que os diamantes já extraídos fossem registrados e recolhidos em um cofre localizado na Intendência.
Essas medidas provocaram forte comoção na população que para lá tinha imigrado atraída pelas riquezas diamantinas. Somente em 1739 a exploração foi reaberta, mas sujeita a novas regras, aparentemente mais fáceis de controlar. Estabeleceu-se um sistema de contratos particulares que seriam arrematados de quatro em quatro anos, por um único interessado ou em sociedade.
A sociedade diamantina era composta de uma grande camada de escravos, outra menor de homens e mulheres libertos, muitos deles pardos, e uma pequena classe dominante branca, composta quase toda de portugueses. Estes ocupavam os principais postos administrati¬vos e monopolizavam as honrarias e as patentes militares. Apesar de ter seus principais valores baseados nos critérios de nascimento e honra, como acontecia em toda a colônia, não era uma sociedade rigidamente estratificada. Contrariando a lógica, mulatos e mulatas alforriados encontravam espaço para ascender socialmente.
Escravas e ex-escravas podiam acumular renda com vendas de tabuleiro e prestando pequenos serviços no arraial. Algumas melhoravam sua condição social pelo concubinato com algum homem branco. Foi o caso de Chica da Silva, que se tornou célebre por seu relacionamento amoroso com o contratador de diamantes português João Fernandes de Oliveira. Funcionários como ele dispunham de enorme riqueza e prestígio.
Durante todo o século XVIII, o Tejuco ficou reduzido à situação jurídica de arraial, para evitar que se instalasse uma Câmara Municipal na localidade. Apesar disso, era um núcleo urbano florescente e dinâmico. Em 1732, a população já ultrapassara em muito à da Vila do Príncipe, sede da comarca. Distante dos rios diamantinos, a vila acabou despovoada, enquanto o arraial, por estar mais perto das lavras, crescia a olhos vistos.
Nascia ali também uma elite ilustrada. Na década de 1750, o Arraial do Tejuco ganhou uma Ópera, onde eram encenadas as peças populares da época. As diversas igrejas (Matriz, São Francisco, Carmo, Rosário, Mercês) também contratavam músicos para escrever peças inéditas para as diversas celebrações anuais, como a Semana Santa, a Quarta-feira de Cinzas, o Corpo de Deus, o Senhor dos Passos, o Corpus Christi, além de ofícios de defuntos e missas cantadas. O mulato José Joaquim Emérico Lobo de Mesquita destacou-se entre os cerca de 120 músicos que atuaram no Tejuco durante o século XVIII, tornando-se renomado compositor.
A posse de livros entre os moradores refletia um grau de instrução elevado para a época. Chamava a atenção a biblioteca do guarda-livros Manoel Pires de Figueiredo, composta de aproximadamente 140 obras, com cerca de 360 tomos, escritas em latim e francês. Nas suas estantes sobressaíam O espírito das leis, de Montesquieu, e um exemplar da Enciclopédia portátil, resumo da maior obra iluminista do século XVIII, escrita por Diderot e D’Alembert. Um dos fatores decisivos para esse intercâmbio cultural foi o significativo número de tejucanos enviados para estudar em universidades do exterior. No final do século XVIII, boa parte dos estudantes brasileiros matriculados na Universidade de Coimbra provinha da região diamantina.
Entre 1750 e 1775, havia mais de 500 casas no Arraial do Tejuco, dispostas em 19 ruas e sete becos, com um total de 884 moradores livres. Quando Saint-Hilaire passou por ali, já no século XIX, existiam 800 casas e seis mil habitantes. Assim como outros viajantes, ele se deslumbrou com o ambiente de luxo e a pujança do comércio local, com lojas abastecidas de objetos importados, como louças inglesas e da Índia. Tudo transportado em lombo de burros para as famílias de posses. Havia no Tejuco, segundo ele, “um ar de abastança que não havia observado em nenhuma parte da Província, (...) mais instrução que em todo o resto do Brasil, mais gosto pela literatura e um desejo mais vivo de se instruir”.
Somente com o decreto imperial de 13 de outubro de 1831 o Tejuco foi elevado à categoria de vila. Em 1838 foi criada a cidade de Diamantina. A Real Extração foi extinta por decreto em 1845. Instituiu-se, então, o arrendamento dos terrenos diamantinos, a ser realizado em leilão público pelo prazo de quatro anos. Alguns mal-entendidos surgiram da aplicação desta lei, pois várias pessoas que já exploravam os ribeiros diamantinos não dispunham de recursos para arrendá-los. Assim, o decreto não foi imediatamente posto em vigor. Em 1852, novos adendos legitimaram as ocupações já realizadas, e a legislação pôde enfim ser efetivada, o que ocorreu no ano seguinte.
Estava definitivamente acabada a Real Extração dos Diamantes. Mas não a exploração das preciosas pedras, que em mãos particulares continuou a render intrigas, cobiça e disputas nas bandas das Minas Gerais. Esta é uma outra história, que, por sinal, perdura até hoje.
Júnia Ferreira Furtado é professora da Universidade Federal de Minas Gerais e autora do Livro da Capa Verde: a vida no Distrito Diamantino no período da Real Extração (Editora Annablume) e de Chica da Silva e o contratador dos diamantes: o outro lado do mito ( Companhia das Letras).
Revista de Historia da Biblioteca Nacional
Júnia Ferreira Furtado
O brilho dos diamantes já alimentava o sonho dos europeus mesmo antes do descobrimento. Terras recheadas de pedras preciosas era o que se pretendia achar e explorar. Quando surge, enfim, o tesouro desejado, a fantasia se eleva ao quadrado: a história dos fatos passa a se misturar com lendas, mal-entendidos e trapaças, sob o feitiço inebriante da cobiça.
Relatos sobre a existência de diamantes no Brasil são antigos. Em seus Diálogos das grandezas do Brasil (1618), o médico Ambrósio Fernandes Brandão, um dos primeiros desbravadores da Paraíba, não titubeou em incluir a pedra entre as riquezas da colônia. Quarenta anos depois, o padre jesuíta Simão de Vasconcelos relatou que, quando passava perto da Serra de Paranapiacaba, em São Paulo, ouviu um estrondo, sendo logo informado de que um rochedo se partira e de dentro dele fora lançada uma “pedra de cristal, a modo de pinha, cheia por dentro de uns como pinhões, formados da natureza a modo de formosos diamantes, uns brancos de todo, outros meio roxos, outros roxos de todo”.
Mas somente no século XVIII viria a confirmação: dentro das rochas e no leito dos rios da Comarca do Serro do Frio, em Minas Gerais, escondiam-se imensas riquezas na forma de pedras brilhantes. O comunicado chegou a Portugal em 1729, expedido pelo governador da capitania, D. Lourenço de Almeida. Mas despertou suspeitas no ato. É que havia anos circulavam boatos de que o garimpo de diamantes já corria solto na região de forma ilegal. E o próprio governador poderia estar entre seus beneficiários.
Para conhecer o achado e investigar o que vinha ocorrendo no pequeno Arraial do Tejuco, onde a reserva havia sido encontrada, a Coroa enviou ao local, em 1730, um governador interino, chamado Martinho de Mendonça e de Proença.
Sua apuração revelou que os diamantes haviam sido encontrados pela primeira vez em 1721, nas lavras do Rio Morrinhos, de propriedade de Bernardo da Fonseca Lobo. Este teria avisado imediatamente o governador D. Lourenço de Almeida. Outro que soube da bombástica notícia foi o ouvidor do Serro do Frio, Antônio Rodrigues Banha. Mas eles trataram de não fazer alarde. Em vez de comunicar o fato oficialmente ao rei, como era sua obrigação, constituíram uma sociedade para extrair ilegalmente as pedras.
Para o êxito da empreitada, porém, era necessário guardar o segredo a sete chaves, missão difícil em se tratando de assunto tão entusiasmante. A notícia vazou e circulou tão depressa que em pouco tempo grandes levas de migrantes passaram a se dirigir para a região em busca de riqueza. Em 1729, a notoriedade da descoberta chegou ao reino, o que obrigou D. Lourenço de Almeida a fazer sua comunicação oficial. No documento enviado à Coroa, justificou a demora em dar a notícia alegando que havia incerteza quanto à qualidade e à autenticidade das pedras encontradas. Argumento difícil de engolir, uma vez que, no tempo em que a exploração dos diamantes correu sem fiscalização da Coroa, o governador conseguiu fazer um excelente pé-de-meia. Irmão do Patriarca de Lisboa (título dado ao arcebispo da cidade) e cunhado do secretário de Estado, ele retornou mais tarde à Corte com cerca de 18 milhões de cruzados, uma fortuna incalculável na época.
Por sua vez, o proprietário Bernardo Fonseca Lobo apressou-se a viajar para Portugal levando um lote de diamantes. Com isso, recebeu o título oficial de descobridor da pedra e várias mercês do rei.
Com o anúncio oficial da descoberta, a Coroa tratou de pôr ordem na casa: organizou a exploração dos diamantes e, claro, a cobrança dos respectivos impostos. Entre 1729 e 1734, a exploração foi aberta a todos que tivessem escravos e capital para investir na mineração, mas cobrava-se uma taxa sobre cada escravo empregado nos trabalhos de extração. Por várias vezes essa taxa foi elevada, para dificultar o acesso às lavras e aumentar a arrecadação dos impostos.
O aumento da produção trouxe rápida prosperidade à população, que passou a viver do aluguel de seus escravos a juros de 12% ao ano. Enquanto isso, o Arraial do Tejuco crescia vertiginosamente.
Os primeiros deslocamentos populacionais para a região tinham sido provocados pelo ouro encontrado em torno da Vila do Príncipe. Agora, muita gente partia para lá em busca das pedras preciosas. Um observador dos acontecimentos, o comerciante Francisco da Cruz comentou o número significativo de pessoas que abandonavam, desde 1726, a região aurífera das Minas e se transferiam para a região diamantina. Calculou, pelo que lhe “afirmaram várias pessoas casadas nesta terra que voltaram a buscar suas famílias”, que para lá já tinham passado mais “de mil homens brancos e negros”. Previa que dali “a ano e meio ficará essa comarca [do Rio das Velhas] sem gente, pois uma coisa é ver, e outra é contar as muitas tropas que todos os dias partem para elas”. Numa carta de 1728, confirmou que havia já alguns anos que a vila de Sabará estava ficando deserta, pois todos os moradores corriam para a região diamantina.
A febre dos diamantes contagiou todo mundo. Havia quem vendesse todas as suas posses para comprar escravos, a fim de explorar com eles as lavras de pedras preciosas. Havia quem trocasse uma casa por um freio de cavalo.
Sem falar nos que tentavam obter seu quinhão na base da violência. Os caminhos para a Comarca do Serro do Frio ficaram inseguros. Até 1730, os arredores do Tejuco ainda estavam infestados de ciganos, desocupados e quilombolas que atacavam continuamente os viajantes. Por isso, costumava-se viajar com bandos bem armados de negros. Os diamantes enviados anualmente para Portugal eram escoltados pela guarda diamantina e pelo Regimento dos Dragões até o porto do Rio de Janeiro.
As autoridades portuguesas logo perceberam que o preço do diamante era extremamente sensível, ligado à raridade das gemas. O excesso de oferta fez despencar o valor do quilate no mercado mundial. Na tentativa de reduzir a produção, foi elevado substancialmente o valor das taxas. Depois, todas as concessões de lavras foram revogadas, e só se concediam novas licenças para áreas que fossem exclusivamente auríferas. Foram expedidas ordens para que os diamantes já extraídos fossem registrados e recolhidos em um cofre localizado na Intendência.
Essas medidas provocaram forte comoção na população que para lá tinha imigrado atraída pelas riquezas diamantinas. Somente em 1739 a exploração foi reaberta, mas sujeita a novas regras, aparentemente mais fáceis de controlar. Estabeleceu-se um sistema de contratos particulares que seriam arrematados de quatro em quatro anos, por um único interessado ou em sociedade.
A sociedade diamantina era composta de uma grande camada de escravos, outra menor de homens e mulheres libertos, muitos deles pardos, e uma pequena classe dominante branca, composta quase toda de portugueses. Estes ocupavam os principais postos administrati¬vos e monopolizavam as honrarias e as patentes militares. Apesar de ter seus principais valores baseados nos critérios de nascimento e honra, como acontecia em toda a colônia, não era uma sociedade rigidamente estratificada. Contrariando a lógica, mulatos e mulatas alforriados encontravam espaço para ascender socialmente.
Escravas e ex-escravas podiam acumular renda com vendas de tabuleiro e prestando pequenos serviços no arraial. Algumas melhoravam sua condição social pelo concubinato com algum homem branco. Foi o caso de Chica da Silva, que se tornou célebre por seu relacionamento amoroso com o contratador de diamantes português João Fernandes de Oliveira. Funcionários como ele dispunham de enorme riqueza e prestígio.
Durante todo o século XVIII, o Tejuco ficou reduzido à situação jurídica de arraial, para evitar que se instalasse uma Câmara Municipal na localidade. Apesar disso, era um núcleo urbano florescente e dinâmico. Em 1732, a população já ultrapassara em muito à da Vila do Príncipe, sede da comarca. Distante dos rios diamantinos, a vila acabou despovoada, enquanto o arraial, por estar mais perto das lavras, crescia a olhos vistos.
Nascia ali também uma elite ilustrada. Na década de 1750, o Arraial do Tejuco ganhou uma Ópera, onde eram encenadas as peças populares da época. As diversas igrejas (Matriz, São Francisco, Carmo, Rosário, Mercês) também contratavam músicos para escrever peças inéditas para as diversas celebrações anuais, como a Semana Santa, a Quarta-feira de Cinzas, o Corpo de Deus, o Senhor dos Passos, o Corpus Christi, além de ofícios de defuntos e missas cantadas. O mulato José Joaquim Emérico Lobo de Mesquita destacou-se entre os cerca de 120 músicos que atuaram no Tejuco durante o século XVIII, tornando-se renomado compositor.
A posse de livros entre os moradores refletia um grau de instrução elevado para a época. Chamava a atenção a biblioteca do guarda-livros Manoel Pires de Figueiredo, composta de aproximadamente 140 obras, com cerca de 360 tomos, escritas em latim e francês. Nas suas estantes sobressaíam O espírito das leis, de Montesquieu, e um exemplar da Enciclopédia portátil, resumo da maior obra iluminista do século XVIII, escrita por Diderot e D’Alembert. Um dos fatores decisivos para esse intercâmbio cultural foi o significativo número de tejucanos enviados para estudar em universidades do exterior. No final do século XVIII, boa parte dos estudantes brasileiros matriculados na Universidade de Coimbra provinha da região diamantina.
Entre 1750 e 1775, havia mais de 500 casas no Arraial do Tejuco, dispostas em 19 ruas e sete becos, com um total de 884 moradores livres. Quando Saint-Hilaire passou por ali, já no século XIX, existiam 800 casas e seis mil habitantes. Assim como outros viajantes, ele se deslumbrou com o ambiente de luxo e a pujança do comércio local, com lojas abastecidas de objetos importados, como louças inglesas e da Índia. Tudo transportado em lombo de burros para as famílias de posses. Havia no Tejuco, segundo ele, “um ar de abastança que não havia observado em nenhuma parte da Província, (...) mais instrução que em todo o resto do Brasil, mais gosto pela literatura e um desejo mais vivo de se instruir”.
Somente com o decreto imperial de 13 de outubro de 1831 o Tejuco foi elevado à categoria de vila. Em 1838 foi criada a cidade de Diamantina. A Real Extração foi extinta por decreto em 1845. Instituiu-se, então, o arrendamento dos terrenos diamantinos, a ser realizado em leilão público pelo prazo de quatro anos. Alguns mal-entendidos surgiram da aplicação desta lei, pois várias pessoas que já exploravam os ribeiros diamantinos não dispunham de recursos para arrendá-los. Assim, o decreto não foi imediatamente posto em vigor. Em 1852, novos adendos legitimaram as ocupações já realizadas, e a legislação pôde enfim ser efetivada, o que ocorreu no ano seguinte.
Estava definitivamente acabada a Real Extração dos Diamantes. Mas não a exploração das preciosas pedras, que em mãos particulares continuou a render intrigas, cobiça e disputas nas bandas das Minas Gerais. Esta é uma outra história, que, por sinal, perdura até hoje.
Júnia Ferreira Furtado é professora da Universidade Federal de Minas Gerais e autora do Livro da Capa Verde: a vida no Distrito Diamantino no período da Real Extração (Editora Annablume) e de Chica da Silva e o contratador dos diamantes: o outro lado do mito ( Companhia das Letras).
Revista de Historia da Biblioteca Nacional
Muita gente se deu bem...rs.
ResponderExcluirMas a ganância tammbém fez muitos perderem muita coisa!