quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

A POLÍTICA DO PORRETE - A estratégia de Roosevelt para dominar a América Latina


Quando Roosevelt chegou à presidência, já sabia o que queria: mostrar que quem mandava na América Latina eram os Estados Unidos

Theodore Roosevelt foi presidente dos Estados Unidos de 1901 a 1909. Em um safári que realizou na África, antes de assumir a presidência, aprendeu um provérbio africano que iria marcar tristemente as relações entre seu país e a América Latina: “Quando for visitar seu adversário, fale em voz baixa, mas leve um grande porrete nas mãos”. Uma vez no governo, foi fiel a essa máxima de respaldar as ações americanas pela ameaça do uso da força. As relações dos Estados Unidos com a América Latina passaram a ser guiadas pela “diplomacia do porrete”– em inglês, Big Stick –, marcando o apogeu das intervenções militares norte-americanas.Mas, muito antes disso, em 1823, a doutrina Monroe, com o lema “a América para os americanos”, já procurava afastar a influência européia sobre o continente americano. No contexto ainda das lutas de independência dos países hispanoamericanos, a declaração estadunidense chegou a ser vista como forte apoio contra as tentativas de recolonização da Espanha e da Santa Aliança. Naquele começo do século XIX, no entanto, a efetividade da doutrina Monroe era garantida mais pelo domínio inglês dos mares do que propriamente pelo poderio da nação estadunidense.Os Estados Unidos, de todo modo, fortaleciam-se e expandiam seu território, a partir das treze Colônias, até chegar ao Pacífico, incorporando grande parte das terras mexicanas nas décadas de 1830 e 1840. Realizaram, ainda, outras intervenções, diretas ou indiretas, na América Central e no Caribe, mas apenas após a Guerra da Secessão e com o fim da escravidão é que se firmaram como potência capitalista moderna.A segunda metade do século XIX foi marcada pelo auge das disputas imperialistas, com as nações européias – Grã-Bretanha, França, Alemanha, Itália e Bélgica – dividindo entre si a África e grande parte da Ásia. Por outro lado, Espanha e Portugal, especialmente a primeira, perderam grande parte das colônias que lhe restavam. Nas Américas, os Estados Unidos passaram a considerar o continente como sua área de influência exclusiva na repartição do mundo pelas potências imperialistas, que disputavam mercados para seus produtos e fontes de matérias-primas para suas indústrias.Crise cubanaNa virada do século XIX para o XX, a maior parte dos investimentos estrangeiros e das dívidas contraídas pelos governos latino-americanos estava nas mãos dos capitalistas europeus. Essa situação, no entanto, foi revertida.O primeiro marco da emergência dos Estados Unidos como potência imperialista dominante na América Latina foi a guerra contra a então decadente Espanha. Patriotas cubanos, liderados por Martí, lutavam pela independência da ilha, últimacolônia espanhola no continente americano. O magnata das comunicações, William Hearst, passou a liderar, nos Estados Unidos, uma intensa campanha contra o domínio espanhol sobre Cuba.A guerra foi declarada em 1898, quando um navio norte-americano, o Maine, explodiu no porto de Havana, em circunstâncias não esclarecidas. O conflito foi rápido e, pelo tratado de paz de Paris, a Espanha reconheceu a independência cubana e cedeu as ilhas de Porto Rico e Guam, além das Filipinas, ao inimigo.Cuba continuou ocupada por tropas americanas até 1903, quando se aprovou uma Constituição que incluiu a Emenda Platt, que garantia aos Estados Unidos o direito de intervir na ilha, se considerassem seus interesses ameaçados.Foi também assinado um tratado que cedeu, de forma perpétua (sim, vale até hoje), a base de Guantánamo, no norte da ilha, para uso das forças armadas americanas. Já em 1906, os fuzileiros navais americanos voltaram a Cuba em uma nova ocupação que se estendeu até 1909.
América para norte-americanosA guerra hispano-americana trouxe para o centro da cena política norte-americana o então deputado Theodore Roosevelt, que liderou um batalhão de cavalaria de voluntários no que ele chamou de “esplêndida guerrinha”.

Com o aumento da popularidade provocado pelo conflito, Roosevelt foi eleito governador do estado de Nova Iorque, em 1898, e dois anos depois foi incluído como vice-presidente na chapa do Partido Republicano,liderada por McKinley, que conseguiu sua reeleição. O presidente Mckinley foi assassinado em 1901 e Roosevelt, então com 42 anos, tornou-se o mais jovem presidente da história dos Estados Unidos. Logo no início de seu mandato, a crise venezuelana de 1902-1903 serviu para deixar claro que os Estados Unidos não admitiriam mais intervenções européias na América Latina. Para cobrar dívidas pendentes, em 1902, Alemanha, Inglaterra e Itália declararam o bloqueio militar aos portos venezuelanos. A disputa se agravou e as potências européias passaram a afundar navios e bombardear fortificações do país latino-americano.Os Estados Unidos reagiram e exigiram que os países europeus desistissem do bloqueio e que o caso fosse discutido na Corte de Haia. Para mostrar a seriedade de suas intenções, Roosevelt ordenou o deslocamento de uma poderosa frota para as costas da Venezuela. As ameaças americanas deram resultado e a questão da dívida venezuelana acabou sendo discutida na Corte Permanente de Arbitragem de Haia, em 1904. A Corte decidiu que a Alemanha, a Inglaterra e a Itália teriam a prioridade nos pagamentos da dívida venezuelana.De todo modo, a mensagem era clara: daquele momento em diante os Estados Unidos passaram a outorgar-se o direto exclusivo de intervenção na América Latina. A Doutrina Monroe foi reinterpretada por Roosevelt no que ficou conhecido como o corolário Roosevelt.Para ele “A má conduta crônica, ou uma inoperância que resulte no afrouxamento dos laços da sociedade civilizada, no continente americano como em qualquer outra parte, acaba fazendo exigir a intervenção de alguma nação civilizada. No hemisfério ocidental, a adesão dos Estados Unidos à Doutrina Monroe pode forçar os Estados Unidos, ainda que de modo relutante, nos casos de flagrante má conduta ou impotência, a exercer o poder internacional de polícia”.O canal do Panamá Mas, na verdade, os Estados Unidos passaram a exercer muito mais do que o autoproclamado poder de polícia. As intervenções americanas continuaram, cada vez mais abertas. A questão do Canal do Panamá é um grande exemplo.Os Estados Unidos e a Inglaterra tinham assinado, em 1850, um tratado pelo qual a construção de um canal entre os oceanos Atlântico e Pacífico, na América Central, só poderia ser feita com o consentimento mútuo. Tentativas de empresas francesas de construir o canal, porém, convenceram os Estados Unidos a não esperar, e o tratado com a Inglaterra foi rompido.Em janeiro de 1902, o Congresso americano autorizou a realização de negociações com a Nicarágua e com a Colômbia para decidir qual seria a melhor localização do canal. Até aquele momento, o Panamá não existia como país independente, era parte da Colômbia. Decidiu-se que o canal deveria passar pelo istmo do Panamá e, em 1903, foi assinado um tratado entre os governos dos Estados Unidos e da Colômbia para a construção do canal interoceânico. O acordo foi, no entanto, rejeitado pelo Congresso colombiano, que considerou que suas disposições violavam a soberania nacional, especialmente porque concediam aos Estados Unidos o controle perpétuo sobre a zona adjacente ao canal.

Em resposta, os Estados Unidos passaram a fomentar os sentimentos autonomistas preexistentes no Panamá e a promover sua separação da Colômbia.
Os fuzileiros navais americanos impediram a reação colombiana e, em 3 de novembro de 1903, o Panamá declarou sua independência.

Poucas semanas depois, o governo do Panamá assinou com os Estados Unidos o tratado que confirmou as concessões até então recusadas pela Colômbia. Foi dada aos Estados Unidos a soberania sobre uma zona de dez milhas de cada lado do canal, que cortava o novo país em duas metades. Roosevelt resumiu a situação com a frase: “eu tomei o Panamá”.O Corolário Roosevelt passou a ser aplicado também preventivamente, com o objetivo declarado de evitar a intervenção dos países europeus na América Latina.
Foi assim no caso da intervenção americana na República Dominicana em 1905.
Sob o aplauso dos credores britânicos, os Estados Unidos invadiram o país e passaram a administrar a alfândega, cobrando eles mesmos as taxas sobre as importações dominicanas e privilegiando o pagamento das dívidas com os banqueiros europeus. O que restava, após o pagamento aos banqueiros, era repassado para o governo da República Dominicana.No período de Roosevelt, com a “Política do Porrete”, os Estados Unidos controlavam, direta ou indiretamente, quase todos os países da América Central, do Caribe e, mesmo, os do norte da América do Sul.O mar caribenho tornou-se um grande “lago americano”. Ainda que a independência dos países latinoamericanos fosse nominalmente preservada, os Estados Unidos não hesitavam em mandar seus fuzileiros navais para garantir os interesses de suas empresas na América Central e no Caribe.
Luís Cláudio Villafañe G. Santos é diplomata, doutor em História pela Universidade de Brasília e autor de diversos livros, entre eles O Brasil entre a América e a Europa (São Paulo: Unesp, 2004).
Revista Desvendando a História

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