segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Relatos da Guerra



Querida Irene:

Então como tens passado? E os miúdos como estão? Devem estar enormes. Espero que se encontrem todos bem. Já passaram 6 meses e ainda me encontro neste sítio horrível a lutar pelo nosso país, mas a vida é assim, há que lutar pelos nossos direitos. Aqui vê-se de tudo mas o pior é ver um camarada nosso a morrer como eu vi ontem. Eu e esse camarada éramos amigos e tínhamos estado outro dia a falar de terras porque ele também gostava muito de ter a sua horta e cuidar dela. Eu, também muitas vezes, já pensei em desistir: como por exemplo pôr-me em cima dos sacos de areia, onde nós nos abrigamos, para levar um tiro em qualquer sítio e voltar para o meu país. Mas depois penso em vocês e não o faço.
Então, como vão as coisas por aí? As nossas hortas? Deves precisar da minha ajuda mas, de certeza que conseguiste resolver essa situação….tu encontras sempre forma de resolver os problemas. Tenho tantas saudades tuas, dos miúdos, enfim… tenho saudades de tudo, do meu país, dos nossos passeios de domingo em família em que vestíamos a nossa melhor roupa e íamos passear. Sinto muito a falta da tua comida. Aqui as refeições são muito fracas. Lembras-te como era um pouco gordo? Agora estou muito magro. Ao longo destes 6 meses não tenho dormido bem nem comido bem. Isto é um inferno. Está a chegar o Natal e eu não estou aí para comer os teus petiscos, aqueles que só tu fazes bem. Não vou poder estar à frente da nossa fogueira, a aquecer-nos um ao outro e, quando chegasse a meia-noite, dava um beijinho a cada um de vocês. Mas, para ser sincero, não sei se chegarei aí algum dia porque aqui morre muita gente. Hoje um camarada meu e amanhã posso ser mesmo eu, mas só Deus sabe o que acontecerá. Como estamos em Dezembro nem imaginas o frio que passamos aqui todos os dias e as fortes chuvas que caem provocam vários estragos por isso temos sempre que fazer de novo todos os dias barreiras de sacos de areia enormes para nos protegermos.
Manda um abraço aos meus amigos aí da aldeia. Um dia vou voltar para jogar às cartas com eles como jogava. Chega a hora de me despedir. Não sei se esta é a última carta ou se escreverei mais alguma vez mas espero escrever dentro em breve. Um beijinho para os nossos filhos e para ti que tens suportado a minha ausência ai na terra.

O teu eterno,
António Ferreira de Sousa

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