terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Não faça como Santos Dumont

 
Santos Dumont em seu voo pioneiro: sem patente / Foto: Iconographia

REGINA ABREU

Ninguém duvida que o brasileiro é criativo e tem imaginação de sobra. Desde Santos Dumont, que criou o avião e o relógio de pulso, até os inventores da urna eletrônica, do motor flex – que funciona tanto com álcool quanto gasolina –, do biocombustível, do bina (aquele aparelho identificador de chamadas telefônicas) e até do espaguete de espuma, que serve como boia de piscina, não faltam exemplos da criatividade dos nossos compatriotas.

Mas não basta inventar, é preciso registrar a patente. Esse cuidado não teve, por exemplo, Santos Dumont, que nunca se preocupou em patentear seus inventos, ao contrário dos irmãos Wright, dos Estados Unidos, que foram mais espertos: eles trabalhavam num projeto semelhante e tiveram a iniciativa de registrar a patente.

Então, se é imprescindível registrar os inventos, por que o Brasil concede tão poucas patentes? Segundo o último relatório da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi), com dados de 2012, em pesquisa realizada entre 20 países, o Brasil só ganha da Polônia, ocupando o modestíssimo 19º lugar, com 41.453 patentes válidas, apenas 211 a mais que a nação do leste europeu. Perdemos até para o minúsculo principado de Mônaco, que aparece com 42.001 patentes, e estamos a anos-luz dos Estados Unidos, que conquistaram o primeiro lugar, com, pasmem, 2,2 milhões de registros.

O órgão responsável pela concessão de patentes em nosso país é o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), com sede no Rio de Janeiro. Trata-se de uma autarquia federal, criada em 1970, vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Sua finalidade principal, segundo a Lei da Propriedade Industrial, é executar, em âmbito nacional, as normas que regulam a propriedade industrial, tendo em vista sua função social, econômica, jurídica e técnica. Criado em substituição ao antigo Departamento Nacional da Propriedade Industrial, o Instituto acrescentou às tarefas tradicionais de concessão de marcas e patentes, também a averbação dos contratos de transferência de tecnologia e, posteriormente, o registro de programas de computador, contratos de franquia empresarial, registro de desenho industrial e de indicações geográficas.

Um dos motivos para o baixo número de patentes no Brasil, segundo os especialistas do setor, é a demora na concessão, que desanima e desestimula os inventores: nunca menos de cinco e até 14 anos para obter o registro. Essa demora vem aumentando: em 2003 a média era de cerca de seis anos para a concessão de patente de invenção; em 2008 passou para nove anos e em 2013 para 11 anos. Os setores mais penalizados com essa demora são os de telecomunicações, alimentos e plantas, biologia molecular, física e eletricidade, bioquímica, computação e eletrônica, farmácia e agroquímicos. Uma das causas para prazos tão longos é o baixo número de examinadores em relação à quantidade de pedidos na fila para exame. No último cálculo, de 2013, eram 980 pedidos por examinador, enquanto na nação de Barack Obama, no mesmo ano, cada examinador tinha apenas 77 pedidos sob sua responsabilidade.

O diretor de patentes do Inpi, Júlio César Moreira, explica que o Brasil está entre os 15 escritórios do mundo considerados autoridades de referência. “Nossos números não são pequenos, mas baixos em relação ao tamanho de nossa economia. Poderíamos estar melhor”, observa. De fato, o órgão está com um atraso muito grande na concessão de registros. A quantidade de pedidos, o chamado backlog, se acumulou ao longo dos anos. “Estamos hoje na era do conhecimento e mais do que nunca é preciso investir em inovação e na proteção dessa inovação”, ressalta, explicando que o Inpi está se fortalecendo com qualidade. Para ser examinador é preciso ter pelo menos mestrado – são biólogos, químicos, engenheiros, médicos, arquitetos, farmacêuticos. Havia 200 examinadores e em março/abril deste ano entraram mais cem concursados. O número total deve chegar a 700 examinadores. Além disso, de acordo com Moreira, o Instituto precisa de mais informatização, mais pessoal, mais infraestrutura, acesso a banco de dados, internet rápida etc.

Valores acessíveis

Moreira explica ainda que, até 2008, houve um aumento de 10% no número de pedidos de patente no mundo, inclusive no Brasil. A crise chegou um pouco mais tarde aqui, mas nos últimos três anos houve uma estabilização na quantidade de solicitações. É importante prestar atenção nesses números porque eles refletem o grau de interesse de outros países em investir no Brasil e a capacidade que o Brasil tem de inovar. Inovar mesmo, não apenas usar uma inovação que só é nova aqui.

Por enquanto, outra explicação que o diretor do Inpi dá para o ainda pequeno volume de patentes no país é que as pequenas e médias empresas, e as pessoas de modo geral, têm pouco conhecimento sobre a necessidade de patentear – por isso estão fragilizadas em relação às concorrentes no mundo. Ele explica que é necessário registrar porque o inventor tem um gasto e esse investimento precisa ter retorno. Esse retorno vem com a patente, impedindo que outros se apropriem daquele bem.

É importante a disseminação da propriedade intelectual – isto é, a noção de que aquilo que a pessoa inventa ou aperfeiçoa tem valor. Ao contrário do que se imagina, patentear não é custoso: o preço para dar entrada no pedido é de R$ 1.000, incluindo anuidade, com financiamento do governo federal – pequenas empresas têm até 60% de desconto.

Para Moreira, é necessário ter gente nas empresas com essa visão de dar valor às ideias e inovações. Nesse sentido, o Inpi tem conseguido muito sucesso em algumas escolas superiores, casos da Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Para esclarecer o assunto, é bom lembrar que patente é um monopólio de exclusividade, concedido pelo Estado, para o criador de um produto que possa ser fabricado em escala industrial. Ou seja, é um privilégio legal concedido pelo estado aos autores de invenções de produtos, de processos de fabricação ou de aperfeiçoamento de produtos e processos já existentes. Essa permissão especial é reconhecida por meio de um documento chamado carta patente, uma instituição econômica e jurídica, destinada a definir a propriedade tecnológica. A obtenção da patente permite ao respectivo titular a reserva de mercado pelo período de sua validade.

Assim, por exemplo, a máquina de lavar, quando foi inventada, recebeu uma patente; depois, quando foi aperfeiçoada e ficou digital, recebeu outra patente, de modelo de utilidade. A Lei de Propriedade Industrial estabelece ainda a concessão de certificado de adição de invenção, como um acessório da patente de invenção, e a concessão de registro de desenho industrial.

A carta patente assegura ao seu titular a exclusividade de exploração do objeto da patente, por um período determinado de anos. Dentro desse tempo, o titular pode industrializar o produto que inventou e também pode vender ou transferir a terceiros, temporária ou definitivamente, os respectivos direitos. Ao final do prazo estipulado, a invenção cai em domínio público, podendo ser livremente explorada por qualquer pessoa.

A primeira lei brasileira sobre patentes data de 28 de agosto de 1830, oferecendo proteção a uma descoberta, a uma invenção ou a um aperfeiçoamento pelo prazo de cinco a 20 anos. Atualmente, no Brasil, o direito do inventor ao usufruto de sua criação está garantido pela Constituição Federal de 1988, devidamente regulamentado pela chamada Lei da Propriedade Industrial.

É importante destacar que a patente é válida apenas nos países onde foi requerida e concedida essa proteção. E mais: quando o interessado deposita um pedido de patente, passa a usufruir uma expectativa de direito – o direito exclusivo do titular começa a existir apenas com a concessão da chamada carta patente. Só a partir dessa concessão o titular poderá impedir que alguém não autorizado se aproprie de sua invenção. Ficou confuso? É mesmo complicado, e é por isso que o inventor precisa de orientação profissional que lhe pavimente o caminho das pedras.

Efeito silencioso

Diz o diretor de patentes do Inpi: “Se você inventar algo, deve primeiro se certificar de que não há nada igual ou parecido no mundo, por intermédio de pesquisa; depois, procurar um profissional especializado que o oriente e faça o acompanhamento do processo de solicitação de patente”. Não faltam pessoas sérias e competentes que atuam na área, que fazem, inclusive, a pesquisa prévia. Calcula-se que haja cerca de 500 escritórios no Brasil fazendo a ponte entre inventores e Inpi.

Um desses profissionais é o engenheiro, advogado e analista de patentes Alexandre Fukuda Yamashita, sócio responsável pelo setor de patentes do escritório Müller Mazzonetto, em São Paulo. Ele comenta que é comum a ideia de que não é eficaz a aplicação dos direitos das patentes no Brasil, porque os resultados não são imediatos. Além disso, há empresários que investem na proteção de suas tecnologias, mas usam essa patente apenas quando há litígios judiciais por violação dos direitos, quer dizer, quando um concorrente passa a explorar tecnologia idêntica ou similar à protegida, sem autorização. Mas é um engano: a patente é capaz de gerar efeitos silenciosos.

O efeito mais óbvio é quando os concorrentes simplesmente respeitam a patente, evitando a exploração indevida do produto patenteado. Outro efeito silencioso a que se refere Yamashita é o seguinte: normalmente, antes do lançamento, avalia-se se determinado produto é viável comercialmente. Quando se identificam patentes, há a mudança de planos e até a suspensão de projetos, de modo a evitar as sanções legais. Do mesmo modo, quando uma empresa tem um bom portfólio de patentes, protegendo toda e qualquer tecnologia passível desse resguardo, cria uma imagem de usuária do sistema de propriedade industrial e adquire um rótulo de empresa inovadora. Resultado: os concorrentes passam a ter mais cautela na eventual imitação ou reprodução de produtos dessa empresa.

Por tudo isso, Yamashita afirma que é eficaz a aplicação dos direitos das patentes no Brasil, o sistema funciona e a cultura da propriedade intelectual está crescendo. Naturalmente, há uma inevitável burocracia, um grande volume de documentos e prazos que precisam ser respeitados – por isso mesmo, mais um motivo para escolher uma boa assessoria.

Outro registro concedido pelo Inpi é o da marca. Paula de Araújo Formigoni, advogada do departamento jurídico da Assessoria Brasileira de Marcas (ABM), esclarece que são duas patentes diferentes: a do produto e a da marca. E dá um exemplo: a fórmula do refrigerante Coca-Cola é um segredo industrial patenteado; a marca Coca-Cola, o nome, também é registrada e vale nada menos que US$ 5 bilhões.

É através da marca que o produto fica conhecido. A marca registrada impede que outros usem sua imagem sem ter investido. Evita ainda golpes e ações que possam denegrir a empresa. Registrar a marca permite também processar outros por imitação ou reprodução. Marcas identificam produtos e serviços e há marcas para tudo. Mas elas só podem ser requeridas por quem – pessoa física ou jurídica – exerce atividade compatível com o produto que elas assinalam. Quer dizer: se a empresa fabrica macarrão, não pode requerer marca de roupa.

Podem ser registrados como marca os sinais distintivos visualmente perceptíveis (letras, palavras, nomes, imagens, símbolos, cores, formas gráficas ou uma combinação desses elementos). Mas isso não é tudo. A advogada da ABM destaca que, quanto à sua apresentação, a marca pode ser nominativa (composta por letras ou sinais gráficos e de pontuação), figurativa (formada por desenhos ou letras de outros alfabetos), mista e tridimensional.

Vale lembrar também do registro de desenho industrial, que protege a forma externa ornamental de um objeto ou o conjunto de linhas e cores, aplicado a um produto, desde que apresentem um resultado novo e original e que seja possível sua produção em escala industrial. Poucas pessoas conhecem o registro de indicação geográfica. Algumas cidades ou regiões ganham fama por causa de seus produtos ou serviços. Quando certa qualidade ou tradição de determinado produto ou serviço pode ser atribuída à sua origem, a indicação geográfica (IG) garante sua proteção e diferenciação no mercado. Por exemplo: o champanhe é um vinho que só pode ser designado por esse nome se vier da região de Champagne, na França; todos os outros são “vinhos espumantes”.

Não pode deixar de ser citado ainda o registro de direito autoral, que cobre obras intelectuais, artísticas, literárias e científicas. Quanto aos programas de computador, sua proteção está na expressão e não na solução alcançada.

Museu para a invenção

Carlos Mazzei, presidente da Associação Nacional dos Inventores (ANI) e autor do livro Inventei! E Agora? Como Ganhar Dinheiro com uma Boa Ideia, relata que sua empresa oferece suporte e auxílio aos que têm “uma ideia na cabeça” e não sabem como fazer para viabilizá-la no mercado. “Aos criadores que inventam alguma coisa e querem fabricá-la, um conselho: não façam isso. O melhor a fazer é procurar por quem fabrique”, diz. Focando essencialmente as pessoas físicas, a ANI incentiva e orienta contatos entre inventores e empresários, com o objetivo de viabilizar comercialmente a invenção. Quanto à demora para o registro no Inpi, ele garante que isso não deve ser encarado como problema: dada a entrada no pedido, já é possível dar início à manufatura do produto.

Anos atrás, Mazzei abriu o Museu das Invenções, nas dependências da ANI, estabelecida em São Paulo, cujo acervo compreende desde utilidades para o dia a dia até dispositivos úteis para a saúde, passando por objetos de fazer inveja a qualquer cientista maluco. Eis alguns exemplos de inventos, um verdadeiro banho de criatividade:

Óculos com uma lente só – útil para mulheres com dificuldade de visão, mas que querem maquiar o olho sem borrar.

Óculos com visão retroativa – bom para quem tem mania de perseguição, porque permite ver por trás da cabeça.

Cadeira que vira tábua de passar roupa – e vice-versa.

Chuveiro de canequinha – para quando faltar água.

Escovas de dentes em variados formatos – inclusive para escovar a língua sem ter ânsia de vômito.

Rosas de madeira – lindas flores artificiais, feitas com rebarbas de marcenaria.

Rasteirinha 3 em 1 – um único solado e três tiras diferentes para visuais distintos.

Espaguete de espuma para piscina – todo mundo brinca, todo mundo se diverte.

Furou, vedou – se o pneu furar, nada de trocar no meio da rua ou no meio da noite – basta tapar o furo com o produto, continuar rodando e só depois ir atrás do borracheiro.

Chinelo lustrador – passeie pela casa e lustre o chão ao mesmo tempo.

Vaso sanitário ecológico – separa os dejetos, aplica cal e recolhe em caixa. Bom para acampamento.

Sistema inteligente – sem interruptor, basta aproximar a mão da chapa metálica que a luz acende.

Teclado enrolável – teclado de piano que toca de verdade e pode ser enrolado como se fosse de pano, ocupando um espaço mínimo.

Extrator de ar – extrai o ar da garrafa, conservando o suco de fruta por mais tempo.
Revista Problemas Brasileiros

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