segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Jericó - Em busca da cidade bíblica


Pouco se sabe sobre a cidade de Jericó, descrita no Velho Testamento como a "Cidade das Palmeiras" e conhecida por ser o lugar do retorno dos israelitas da escravidão no Egito, liderados por Josué. Escavações descobriram 20 assentamentos, dos quais o primeiro data do ano 9000 a.C.
Sérgio Pereira Couto

De cima para baixo: restos do palácio de Herodes; e retrato da moderna Jericó em 1967

O que foi a mítica cidade de Jericó? Muito do que sabemos veio da Bíblia, mais precisamente de Josué, no Velho Testamento. Poucos sabem que se trata de uma verdadeira cidade da Antiguidade que, embora não possua o glamour de uma civilização mediterrânea, tem o seu valor para um melhor entendimento da região do Oriente Médio.
No século XIX, acreditava-se que a agricultura havia se desenvolvido no Vale do Nilo em aproximadamente 4000 a.C. e teria ocorrido quase simultaneamente ao desenvolvimento da cerâmica. O Neolítico (um termo que significa "pedra nova") foi associado à invenção desta última atividade.

A partir dos primeiros trabalhos ocorridos no local, a arqueóloga britânica Kathleen Kenyon (1906-1978) percebeu que havia camadas mais profundas por baixo das já conhecidas, datadas da Idade do Bronze. Assim, a cada vez que suas próprias escavações se aprofundavam, ela encontrou depósitos que remontavam ao Neolítico, o que provava que o sítio arqueológico era mais antigo do que se pensava. Porém não foram descobertos restos de cerâmica nas camadas mais modernas, embora fossem mais profundas. Assim foram estabelecidos dois períodos para identificação dos restos encontrados: o Neolítico Pré-Cerâmica A (NPCA) e B (NPCB). A conclusão a qual Kenyon chegara era a de que, apesar da falta de cerâmica, as camadas encontradas eram de comunidades de fazendeiros.
Seria essa a Jericó da Bíblia? Essa foi a dúvida que estava na cabeça de todos quando as primeiras amostras retiradas das escavações da arqueóloga foram enviadas para a Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, onde a tecnologia do radiocarbono havia acabado de se tornar disponível. Os resultados foram especialmente surpreendentes para ela e sua equipe: as amostras remontavam a um período estimado entre 8000 e 7000 a.C., muito antes da data de 4000 a.C. conhecida. Jericó havia sido ocupada por pessoas que cultivavam grãos milhares de anos antes, remontando ao período entre 9000 e 7000 a.C. Essas datas logo foram confirmadas por leituras de outros sítios arqueológicos e as escavações de Kenyon estabeleceram o começo da história da agricultura.

Vista aérea do sítio arqueológico de Jericó

Muralhas e Mortos

Apesar das provas que mudavam a concepção histórica sobre o início da atividade agricultural, os prédios da antiga Jericó e seus conteúdos foram ainda mais surpreendentes. Construções na quantidade descoberta pelos arqueólogos era algo completamente sem precedentes numa era tão longínqua. A camada do NPCA era cercada por um trincheira larga cavada no leito de pedra e uma muralha com aproximadamente 3,66 metros de altura e 2,74 metros de largura. Essa construção era complementada por uma torre de aproximadamente 7,62 metros de altura, feita de pedra talhada com uma escadaria interna que levava a um terraço plano.
O objetivo dessa torre e da muralha é discutido até hoje. Kenyon pensou se tratar de medidas defensivas, mas teorias mais recentes sugerem que se assim fosse, teriam como meta proteger o vilarejo de inundações e deslizamentos de terra e não de ataques de inimigos.

A área no interior das muralhas é grande e poderia conter cerca de 500 pessoas em qualquer período. As casas eram construídas com pedras ou tijolos de argila, eram redondas e parcialmente abaixo do solo. Na próxima camada, pertencente ao NPCB, as casas mudaram para o formato retangular, mas mantiveram os pisos de argamassa. Porém, as do NPCB eram polidas e pintadas.
Outro detalhe que chamou a atenção dos arqueólogos foi que os habitantes de Jericó do NPCB viviam literalmente com seus mortos. Kenyon foi capaz de escavar cerca de um décimo de toda a área, mas encontrou cerca de 276 buracos usados em enterros e todos eles eram associados às construções da cidade. Estavam nos pisos, entre as paredes, sobre as estruturas das casas e mesmo dentro da já citada torre. Poucos eram acompanhados por artefatos, mas muitos deles, principalmente os que continham corpos de adultos, não tinham os crânios, que eram enterrados em separado.

Grupos de crânios decorados foram identificados como sendo do período NPCB. Sete estavam em um único buraco, alguns estavam em casas e outros ainda sobre os pisos pintados e polidos. Suas faces foram modeladas com aplicações de gesso sobre os ossos e muitos não possuíam as mandíbulas, uma indicação de que podem ter sido colocados como decoração cerimonial depois de anos enterrados.
Por vezes moluscos eram colocados no lugar dos olhos e havia traços de outras decorações no gesso de alguns deles, que poderia ser para desenhar bigodes. Alguns dos crânios encontrados pareciam ter sido enterrados novamente enquanto outros eram conservados para mostrar nas casas, junto dos demais ossos que estavam nos buracos encontrados. Eram preparados com muito cuidado e a maioria dos crânios está em excelentes condições de preservação, o que indica que poderiam fazer parte de algum culto aos antepassados.

Períodos
Por fim, resta falar um pouco sobre o que se conhece dos períodos históricos de Jericó. O primeiro assentamento foi seguido por um (por volta de 6800 a.C.) que os arqueólogos dizem ser de um povo que teria absorvido os habitantes originais para dentro da cultura então predominante. Na metade final da Idade do Bronze Médio (por volta de 1700 a.C), a cidade já tinha prosperidade o suficiente para ter seus muros expandidos e reforçados. Foi destruída por volta de 1550 a.C., e o local ficou abandonado até ser reutilizado no século IX a.C.
Pouco depois, houve uma invasão assíria, seguida por uma babilônica. Jericó ficou novamente sem habitantes entre 586 e 538 a.C., perío do do exílio babilônico. O rei persa Ciro, o Grande, refundou a cidade distante um quilômetro e meio a sudeste do seu local histórico no monte Tell es-Sultan.

Sob domínio persa a cidade foi um centro administrativo e serviu como sede para Alexandre, o Grande, após sua conquista da região entre 336 e 323 a.C. Passou para o domínio helênico em meados do século II a.C. e foi arrendada por Herodes de Cleópatra, após a rainha egípcia tê-la recebido como presente de Marco Antônio.
Após a queda de Jerusalém pelo exército de Vespasiano em 70 d.C., Jericó declinou rapidamente, e apenas em 100 d.C. a cidade foi uma pequena guarnição romana. Outros períodos se seguiram, mas o mistério sobre quem seriam seus primeiros habitantes, bem como seus hábitos tão peculiares, ainda persiste até que novas evidências sejam descobertas.


Para saber
SANTON, Kate. Archaeology - Unearthing the Misteries of the Past. Parragon Publishing, 2007.
BARTLETT, John. Jericho. Taunton Press, 2005.
MITCHELL, T.C. Biblical Archaeology - Documents for the British Museum. Cambridge USA, 1988.
Revista Leituras da História

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