quarta-feira, 31 de julho de 2013

Terra do Sol Nascente Tropical

No meio da Amazônia, Tomé-Açu atraiu a terceira onda imigratória japonesa para o Brasil.
Por Heitor e Silvia Reali


Plantação de pimenta-do-reino na década de 1950.


Casa dos primeiros imigrantes.

Fachada da cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu.

Produtos de Tomé-Açu para o Japão.


os grãos avermelhados após a secagem.

a pimentado-reino no pé.

palmeiras de dendê


Tomé-Açu, a 210 quilômetros a sudeste de Belém, no Pará, tem tudo para ser uma cidade mítica da geografia brasileira. Em 1929, desembarcou na cidade, no atracadouro no Rio Acará, a primeira leva de imigrantes japoneses trazidos para a Amazônia brasileira. Eram 42 famílias com 189 pessoas. No começo os adultos estavam apreensivos, mas as crianças acharam divertido.

Para muitos, o sonho de imigrar para o Brasil era antigo. Na década de 1920 o Japão passava por grave crise econômica e o governo via com bons olhos a partida do excesso de mão de obra. Em contrapartida, o governo do Pará, diante do êxito recente dos imigrantes japoneses em São Paulo, apostava nos trabalhadores orientais. O Pará e o vizinho Amazonas doaram três áreas, num total de 1 milhão de hectares, 600 mil no município de Acará e o restante em Parintins (AM) e Monte Alegre (PA), para o assentamento dos imigrantes.

Segundo o sr. Hajime Yamada, de 85 anos, um dos primeiros a chegar a Tomé-Açu, o Brasil estava precisando de bons agricultores. “Nós éramos bons de terra. Por que, então, não fazer um dekassegui – um bico?” Era essa a intenção da maioria. “Vamos fazer um pé de meia e retornar para a terra do sol nascente.”

Ao contrário dos compatriotas que aportaram em 1908 no Sudeste para trabalhar nos cafezais, em substituição aos italianos “revoltados” contra as condições de trabalho, os japoneses atravessaram os oceanos para se tornar donos de terra na Amazônia. Tudo foi planejado.

Em 1926, conta a historiadora Fusako Tsunoda, o governo japonês cuidou de preparar a primeira missão técnica à região enviando-a aos Estados Unidos. Isso mesmo. Na biblioteca de Nova York os pesquisadores encontraram a mais completa documentação existente a respeito do clima, do solo, da geografia, da mineralogia, da botânica e das doenças da Amazônia. Nesse mesmo ano, Henry Ford iniciara uma grande plantação de seringueiras na maior floresta tropical do mundo, perto de Santarém (PA).

O resultado das pesquisas preliminares apontou para o potencial da plantação do cacau e para a região da bacia do Rio Acará, na colônia de Tomé-Açu. Em janeiro de 1929 foi fundada a Nantaku Companhia Nipônica de Plantação do Brasil, e acertou-se que cada imigrante receberia 25 hectares de terra.

A Nantaku se comprometia a ajudar com material para a construção de casas de madeira e a fornecer ferramentas para derrubar a mata. Também foram construídos um hospital e um armazém de abastecimento de produtos de primeira necessidade. Quando souberam dos planos, os imigrantes japoneses do Sul chamaram os compatriotas do Norte de “mimados”.

Arado dos sonhos

Hajime Yamada foi um dos 189 que chegaram a Tomé-Açu no primeiro desembarque, vindo da província de Hiroshima. Tinha 2 anos e acompanhava os pais e três irmãos. Construiu uma vida no Brasil e virou a biblioteca viva da história japonesa de Tomé-Açu. Yamada-san, como é chamado em sinal de respeito, é também um bonsan, um monge.

“Não falávamos uma palavra em português”, lembra. “As dificuldades eram compartilhadas pelas primeiras famílias de agricultores e pelas seguintes, que vinham de três em três meses. Meu pai dizia que estavam esperançosos, mesmo vendo que a realidade da floresta amazônica era diferente do que pintaram no Japão.”

Logo se viu que o cacau não ia dar certo. Demorava dois a três anos para frutificar e muitas mudas não vingavam, pois o solo era seco e a planta requer clima úmido. Então, as plantações foram abandonadas e os colonos passaram a se dedicar ao arroz, aos legumes e à agricultura de subsistência.

Mesmo com a ajuda da Nankatu, logo nos primeiros anos a miséria bateu à porta de todos os membros da comunidade. Para piorar, muitos contraíram malária e febre negra, uma agressiva e fatal febre hemoglobinúria, causada, ironicamente, pelo uso excessivo do quinino, medicamento utilizado no combate à própria malária.

Mesmo assim, novas levas de migrantes chegavam à região. “Se não dá para nós vivermos aqui, por que a Companhia ainda continua mandando japoneses para cá?”, perguntava Yoshiti, pai de Hajime.

“Em 1933, quando o 21o grupo chegou, Tomé-Açu assistiu pela primeira vez a uma recusa em desembarcar. “Depois de perceber a situação dos agricultores locais, os imigrantes japoneses preferiram retornar ao Japão”, relembra Yamada.

Nesse mesmo ano a Nankatu diminuiu suas atividades no país e praticamente abandonou os associados ao léu. Cada um que se virasse como pudesse. A partir daí começou a fuga de muitos para o Sudeste em busca de melhor sorte.

A maior parte da comunidade, entretanto, manteve o espírito perseverante diante da adversidade e procurou soluções para continuar na terra. Um alívio surgiu no fim dos anos 1930, com a venda de legumes para Belém, que permitiu uma pequena melhora na situação econômica da colônia. Uma luz de prosperidade começou a brilhar, mas durou pouco.

Pesadelo



Na Segunda Guerra Mundial, o Brasil de Getúlio Vargas declarou guerra ao Eixo, formado por Alemanha, Itália e Japão. Quase no mesmo dia da declaração (22 de agosto de 1942), os japoneses de Belém tiveram suas casas queimadas e a Cooperativa dos Agricultores de Tomé-Açu, fundada em 1939, foi confiscada. O município tornou-se o centro de confinamento de todos os japoneses do Norte do Brasil, praticamente um campo de prisioneiros.

“A situação piorou de vez. Não podíamos negociar livremente nossos produtos, e era muito difícil conviver com os militares. Mas isso não era nada perto da agressividade contra os japoneses em Belém. Havia vigilância constante sobre nós. Invadiam nossas casas e queimavam tudo que lembrava o Japão: livros, retratos, orações e objetos”, lamenta Yamada.

A nissei Tomiko Sawada, de 82 anos, foi a primeira japonesa a nascer na Amazônia, embora tenha sido “fabricada” no Japão, como gosta de dizer. Ainda hoje, a senhora Sawada lembra aqueles dias da ocupação militar em Tomé-Açu. “Meus pais morreram de malária anos antes, e eu vivia com seis irmãos. Tínhamos muito medo, pois estávamos sendo maltratados pelos policiais. As coisas só melhoraram quando a colônia ficou sob as ordens dos tenentes Mauricio e Felicidade. Eles tratavam bem de nós, gostavam das crianças, nos ensinaram a jogar voleibol e inventavam muitas brincadeiras. Talvez por ser criança na época, não tenho lembrança triste daqueles tempos”, recorda Tomiko.


Boa sorte

Após a guerra, a simples menção do nome Tomé-Açu provocava tristeza entre os imigrantes japoneses do Brasil. Além de ter sido um espaço de internação durante o conflito, a lembrança guarda estatísticas amargas. Dos 2.104 imigrantes que chegaram antes da guerra, 77% morreram ou abandonaram a colônia, ou seja, 1.621 pessoas.

Todos queriam ir embora. Só ficaram aqueles que não tinham nenhuma condição de sair, “ou os obstinados, como meu pai, que faziam questão de permanecer”, sintetiza Yamada. Ele sempre dizia: “Vim para vencer e não para desistir.”

Tomé-Açu mergulhou na pobreza até surgir um acontecimento novo. Em 1933, o navio que trouxe a 13ª onda imigratória fez uma parada forçada em Cingapura e o dirigente da Nantaku, Makinosuke Usui, adquiriu 20 mudas de pimenta-do-reino (Piper nigrum), da variedade Pacífico Sul, no Jardim Botânico da cidade.

Em Tomé-Açu, as mudas foram plantadas na Estação Experimental de Açaizal e esquecidas. Apenas duas sobreviveram e foram replantadas, em 1947, cada uma por um agricultor japonês. As sementes dessas plantas formaram outras, e em dez anos tapetes verdes de pimenta-do-reino se estendiam sobre Tomé-Açu.

O cultivo ideal da região só vingou, mesmo, a partir de 1952, quando o preço da pimenta alcançou altos valores no mercador internacional, devido à queda da produção da especiaria na Ásia, abalada pela destruição das plantações durante a guerra.

No Pará, em pouco tempo a pimenta-do-reino se tornou o maior produto de exportação regional, depois da borracha. O sucesso retumbou como um gongo entre as comunidades japonesas. No final da década de 1950, o município de Tomé-Açu já produzia mais de 5 mil toneladas de pimenta por ano, o “diamante negro da Amazônia”.

Apesar da retomada da produção do grão pelos países asiáticos durante os anos 1960, e a consequente retração dos preços, a situação continuou favorável até o início da década seguinte. Os agricultores de Tomé-Açu e os imigrantes que retornaram para plantar pimenta prosperaram e enriqueceram.

Hoje, costuma-se citar como maiores contribuições da agricultura japonesa ao país o sucesso da hortelã, no Sul, nos anos de 1941-43, e do café, no Norte do Paraná, em 1951-54. “Mas o boom da pimentado-reino de Tomé-Açu e a prosperidade associada a ele não tiveram paralelo na comunidade japonesa brasileira”, ressalta Tsunoda.

Atualmente, a agricultura do município diversificou-se, não se restringindo à monocultura da pimenta-do-reino. Cacau, banana, dendê, açaí, cupuaçu, maracujá, acerola e muitas frutas são plantados à sombra de árvores nativas. “Aprendemos que os ciclos de produção agroflorestal podem conjugar agricultura e extrativismo em harmonia com o ambiente”, diz o produtor Kosaburo Minoshita, um dos precursores da técnica.

A história de Tomé-Açu é um exemplo de superação. Se o ambiente condiciona os assentamentos humanos, pessoas determinadas fazem a diferença em qualquer lugar.
Revista Planeta

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