sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Nicolau Maquiavel: A realidade crua do poder


O pensador Nicolau Maquiavel aponta errosdos governos fracos e dá exemplos de como funcionamos bastidores da política. Para ele, moral, religião epoder público devem ser dissociados

Celso Masson 

Personagem-chave da diplomacia européia, o secretário do Conselho de Segurança do governo de Florença, Nicolau Maquiavel, de 32 anos, tem-se revelado um fenomenal pensador dos problemas de Estado. Suas teorias sobre a beligerância que se impõe como que por osmose no continente não param de causar polêmica. É dele, por exemplo, a idéia de que não há como proteger as próprias fronteiras sem ameaçar os vizinhos: “Se uma nação se exime de molestar as demais, será molestada por elas”, sustenta. Alguns analistas detectam nas idéias do florentino o embrião de uma nova ciência, na qual a teoria política, baseada na realidade dos fatos, existiria como disciplina autônoma, separada da moral e da religião. Outros vêem nesse polemista sem meias-palavras não mais que um oportunista. Com tanta controvérsia, suas idéias, expostas nesta entrevista, estão destinadas a alimentar discussões acaloradas por muito tempo.

História – Afinal, o que é melhor: negociar ou pegar em armas?

Maquiavel – Há duas maneiras de combater: uma, segundo as leis; a outra, pela força. A primeira forma é própria dos homens, a segunda, dos animais. Mas, como a primeira freqüentemente não basta, é preciso recorrer à segunda. Não há lei nem Constituição que possa pôr um freio à corrupção universal.

Qual é sua opinião sobre os governos que, em vez de se envolver em guerras, adotam a política da neutralidade?

De toda a minha experiência nos negócios públicos e de tudo o que li sobre história não consigo me lembrar de um só caso em que a política da neutralidade tenha sido vantajosa. Tais políticas sempre são desastrosas e levam direto à ruína.

O governante empenhado em conduzir políticas acertadas deve ter isso sempre em mente?

Não imagine nunca nenhum governo poder tomar decisões absolutamente certas; pense antes em ter de tomá-las sempre incertas, pois isso faz parte da ordem das coisas. A prudência está justamente em conhecer a natureza dos inconvenientes e adotar o menos prejudicial como sendo o bom.

Muitas vezes, nessa tentativa de fazer o certo, os governantes passam por cima da Constituição. Por quê?

Em um Estado bem constituído, não se deve ser obrigado a recorrer a medidas extraordinárias; porque, se as medidas extraordinárias fazem bem no momento, seu exemplo traz um mal real. O hábito de violar a Constituição para fazer o bem autoriza, em seguida, a violá-la para disfarçar o mal.

Na prática, que o senhor conhece tão bem, é comum alterar a Constituição. Há um modo correto de fazê-lo?

Quem quiser mudar a Constituição, de maneira que essa modificação seja bem-vinda, deve salvaguardar, ao menos, a sombra das formas antigas, a fim de que o povo pouco se aperceba das mudanças, mesmo que as novas instituições sejam estranhas aos antigos; porque os homens se alimentam tanto de aparência como de realidade; muitas vezes, a aparência os impressiona mais que a realidade.

A Constituição garante a liberdade?

Em toda república existem dois partidos, o dos aristocratas e o do povo; e as leis que favorecem a liberdade resultam da luta desses partidos. Todos os legisladores que redigiram constituições sábias julgaram essencial estabelecer uma proteção à liberdade; e, conforme a maior ou menor habilidade com que essa proteção foi criada, a liberdade durou mais ou menos. As graves e naturais inimizades que existem entre as pessoas do povo e os nobres, causadas porque estes querem mandar e aqueles não querem obedecer, são os motivos de todos os males das cidades, porque dessa diversidade de humores se nutrem todas as outras coisas que perturbam as repúblicas.

Uma vez conquistada a liberdade, a quem se deve confiar sua guarda: às elites ou ao povo?

Qualquer encargo deve sempre ser confiado a quem tenha menos inclinação a fraudá-lo. Quando o povo recebe o encargo de velar pela liberdade, ele, sendo menos inclinado a invadi-la, dará melhor conta da incumbência; e, também, sendo incapaz de violá-la ele próprio, melhor impedirá que outros o façam.

Mesmo que se questione as instituições?

A quem me disser que a grita constante do povo contra o Senado, a indisposição do Senado contra o povo, as correrias nas ruas – a quem me disser que tais fatos são meios estranhos de atingir um fim conveniente responderei que esses mesmos fatos só podem assustar os que apenas os vêem e que todo Estado livre deve dar ao povo uma válvula, por assim dizer, para as suas ambições.

E quando os protestos populares geram violência?

Quem se der ao trabalho de examinar com cuidado os resultados das agitações verá que elas jamais foram causa de violências e se convencerá de que, pelo contrário, elas deram de fato origem a leis vantajosas para as liberdades públicas.

Apesar de crítico da Igreja, o senhor não vê nenhuma atuação positiva em termos de melhorar as coisas desse mundo?

Se a religião tivesse permanecido fiel aos princípios, os Estados e as repúblicas da cristandade seriam mais unidos. Não há melhor indício de seu declínio do que o fato de que os povos próximos de Roma é que são os menos religiosos. A ponto de que, se confrontarmos os princípios que presidiram a sua criação e o uso que é feito deles hoje, julgaremos próxima a hora de sua ruína ou da calamidade.

Que conselho fundamental o senhor daria a um governante?

É preciso fazer todo o mal de uma só vez a fim de que, provado em menos tempo, pareça menos amargo, e o bem pouco a pouco, a fim de que seja mais bem saboreado.

Para um governante, é preferível ser temido ou amado?

Eu respondo que é necessário ser um e outro; mas, como é bem difícil reunir as duas condições, é mais seguro se fazer temer que amar. Porque o amor se mantém por um vínculo de obrigações que, já que os homens são pérfidos, é rompido quando se ofereça ocasião de proveito particular; mas o temor se mantém por um receio de castigo, que não se abandona jamais.

Saiba mais

LivroA Mandrágora, Nicolau Maquiavel, Martin Claret, 2003, A mais genial peça do autor, que era também dramaturgo e modernizou a comédia italiana
REVISTA AVENTURAS NA  HISTÓRIA

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