sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Expulsão dos jesuítas - Bons negócios


Emblema da ordem no forro da Catedral Basílica de Salvador; antiga igreja dos Jesuítas.

Empreendedores de sucesso, os jesuítas acumularam um enorme patrimônio no Brasil

Paulo de Assunção
“Desnaturalizados, proscritos e exterminados” do território português e de todas as terras de além-mar. Foi com estes termos que o rei D. José I determinou o banimento dos religiosos da Companhia de Jesus na lei promulgada em 3 de setembro de 1759. A decisão rompia com mais de dois séculos de união entre os jesuítas e a Coroa portuguesa, marcados por uma tumultuada relação de interesses.

No decorrer de sua permanência em terras brasileiras, o poder espiritual dos jesuítas também se transformou em poder material. O acúmulo de propriedades foi prática constante e crescente entre aqueles religiosos, fosse por meio de compra ou de herança testamentária. Além das igrejas, de colégios e orfanatos, seus bens incluíam prédios, fazendas e engenhos, ocupando boa parte do tempo dos missionários em atividades administrativas e empreendedoras. Precisavam se preocupar com o pagamento de salários e débitos, custos de produção, taxas de rentabilidade e gerenciamento da mão de obra escrava. Possuíam grandes fazendas no Rio de Janeiro, no Espírito Santo, no Pará e no Maranhão. Mas a maior concentração de bens estava no Nordeste, por conta da exploração da cana-de-açúcar, base da economia colonial no período.

Eram tantas as propriedades em seu nome que os jesuítas constantemente se envolviam em litígios e conflitos com os donos de terrenos vizinhos. Reclamava-se de que eram minuciosos demais nas disputas pelos limites de suas propriedades, hábito agravado pelo incômodo discurso em defesa da liberdade dos índios.

Ao concentrar influência religiosa, política e econômica, a ordem angariou inimizades e passou a ser vista como uma ameaça pelos governantes locais. Tanto que o ato de sua expulsão alegava o objetivo de preservar a autoridade real e a soberania do Estado lusitano. Segundo a Coroa, era uma ação em defesa da segurança da coletividade, para “conservar a tranquilidade e interesses dos fiéis vassalos”. A lei que os mandou embora foi recebida como boa notícia por muitos. Ainda mais porque transferia para a Coroa portuguesa as muitas riquezas que estavam em seu poder.

O rei determinava o confisco geral de todos os bens, rendas ordinárias, pensões e qualquer outra atividade dos religiosos em toda a extensão das terras coloniais. Assim que eles se retiraram, começou o trabalho de inventariar e descrever todas as suas propriedades. Seus próprios livros e rol de contas, onde registravam em detalhes as transações financeiras, ajudaram nesse trabalho. Relatórios quantificavam a produção das fazendas, o montante obtido com as vendas, as mercadorias compradas, os valores gastos com a manutenção da propriedade e para o andamento dos negócios – como a reposição dos instrumentos de produção, o tratamento das doenças dos escravos e os fretes dos produtos que iam da Colônia para o reino e vice-versa. As terras jesuíticas fabricavam pães de açúcar, arroz, fumo, especiarias e muitos outros produtos. Eles também criavam gado, principalmente nas propriedades do Rio de Janeiro, onde alguns rebanhos chegaram a ter de duas mil a três mil cabeças.

O resultado das atividades econômicas dos inacianos, bem como as doações em dinheiro feitas por fiéis, gerou ainda recursos para a aquisição de imóveis no meio urbano. No Recife, o Colégio Jesuítico era proprietário de cerca de 30 “prédios rústicos”, sítios localizados nas adjacências da cidade. Depois de inventariados, esses imóveis foram vendidos em hastas (ofertas públicas), gerando uma receita de quase 9,5 contos de réis – valor extremamente elevado para a época, equivalente ao patrimônio das famílias mais abastadas.

No caso do confisco dos bens do Colégio do Recife, realizado entre 1759 e 1763, só com a venda de bens móveis foram arrecadados mais de três contos de réis – entre botica, mobiliário, gado das fazendas, ferragens, roupas, livros das bibliotecas, couros, açúcar, escravos e miudezas. Passou-se então à venda dos bens imóveis do Colégio: o engenho de açúcar de Nossa Senhora da Luz, a Fazenda de Nossa Senhora do Rosário da Barreta, outras fazendas de criação de gado e prédios rústicos e urbanos renderam à Coroa aproximadamente 60 contos de réis.

As posses do Colégio da Bahia também se estendiam para além de Salvador. Entre as propriedades estavam os engenhos de açúcar de Pitanga e de Cotegipe, ambos com fábricas, casas, escravatura, gado e terras, e mais sítios e fazendas em diferentes localidades, além de 50 casas e lojas espalhadas pela região. Patrimônio significativo que se formara com o decorrer dos anos e que fornecia recursos polpudos aos jesuítas: somente dos aluguéis das casas na cidade, eles obtinham quase nove contos de réis.

À medida que os bens dos jesuítas eram conhecidos, confirmava-se o descompasso entre os interesses do Estado português e os dos religiosos, que nos últimos anos assumira contornos mais evidentes. Verificando o declínio da produção açucareira e as inconstâncias do mercado europeu, os jesuítas vinham direcionando suas ações para outros investimentos que permitissem retorno mais seguro e estável – como os empréstimos de dinheiro a particulares e o aluguel de suas propriedades. O arrendamento de terras e as casas de aluguel compunham a maior parte da renda dos inacianos no momento da expulsão.

Não se pode dizer que os engenhos fossem mau negócio. Apesar das flutuações da indústria açucareira, a atividade dava lucro, ainda mais por contar com privilégios e favorecimentos reais, como isenções de impostos. Mas, ao se afastarem da base econômica da Colônia, o que os jesuítas priorizavam para suas riquezas era uma rentabilidade maior, mais fácil e mais rápida. Comparados aos proprietários de engenhos, os religiosos adotavam práticas administrativas bem mais eficazes.

O sumário dos rendimentos obtidos com a venda de seus bens demonstra que a ordem havia administrado seu patrimônio de maneira eficiente desde o século XVII, permitindo que ele crescesse significativamente. A diversidade dos bens e dos investimentos é prova de que se adaptaram às economias regionais, sempre fiéis à sua missão: quanto maior a rentabilidade, maior a glória de Deus.

Paulo de Assunção é professor da Universidade São Judas Tadeu e da Anhanguera Educacional-Faenac e autor de Negócios Jesuíticos: o cotidiano da administração dos bens divinos (Edusp, 2004).

Saiba Mais - Bibliografia

COUTO, Jorge. O colégio jesuítico do Recife e o destino do seu patrimônio (1759-1777). Tese de Mestrado em História Moderna de Portugal apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1990.

SCHWARTZ, Stuart B. Segredos Internos - Engenhos e Escravos na Sociedade Colonial 1550-1835. São Paulo: Cia. das Letras, 1995.

LEITE, Serafim, S.J.  História da Companhia de Jesus no Brasil. Lisboa/Rio de Janeiro: Portugália/INL, 1938-1949.

Revista de História da Biblioteca Nacional

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