quarta-feira, 26 de setembro de 2012

De Roma a Constantinopla, pensar o império para entender o mundo

Num momento em que Estados-nação se dobram diante das forças do mercado, dirigentes políticos sonham com estabilidade. Ora, as formas de governo utilizadas pelos impérios fascinam por sua resistência aos sobressaltos da história, sua plasticidade e sua capacidade de unir populações diferentes. O que podemos aprender?
por Jane Burbank e Frederick Cooper


(Soldados turcos em trajes otomanos participam de cerimônia em comemoração do aniversário da conquista de Istambul)

Por que nos interessar pela noção de império? Não vivemos hoje um mundo de Estados-nação? São eles, por exemplo, que têm seus assentos na ONU, com suas bandeiras, seus selos postais e suas instituições.

Mas acontece que, em comparação com a longevidade do Império Otomano (600 anos) ou com a sucessão de dinastias chinesas ao longo de vários milênios, a “era do Estado-nação” poderia parecer uma anomalia passageira na história da humanidade. Ainda mais quando tantos conflitos recentes – em Ruanda, no Iraque, no Afeganistão, na antiga Iugoslávia, no Sri Lanka, no Cáucaso, em Israel etc. – explicam-se justamente pela dificuldade de encontrar novas formas de organização para substituir os impérios, em 1918, 1945 ou após 1989.

Ninguém está sugerindo sucumbir à nostalgia imperial: os mundos perdidos do Raj britânico ou da Indochina francesa não iluminam nossas reflexões políticas modernas. Tampouco o recurso sistemático aos termos “império” ou “colonialismo” – atalhos muitas vezes insuficientes, destinados a desacreditar alguma intervenção norte-americana, francesa ou outra qualquer – contribui para a análise da geopolítica contemporânea. No entanto, o estudo dos impérios, antigos ou recentes, permite acessar as raízes do mundo contemporâneo e aprofundar nossa compreensão das modalidades de organização do poder político, ontem, hoje e – por que não? – amanhã.

O conceito de Estado-nação se baseia numa ficção, a da homogeneidade: um povo, um território, um governo. Os impérios nascem da extensão do poder através do espaço e se assentam na diversidade: eles governam de maneiras diferentes povos diferentes, sob uma dupla tensão. Por um lado, a vontade dos líderes políticos de estender seu controle territorial, num contexto em que os povos vivem realidades socioculturais variadas, alimenta o expansionismo. Por outro, o fato de o império absorver povos diferentes faz com que alguns de seus componentes desejem destacar-se do conjunto. Isso explica por que os impérios perduram, racham, reconfiguram-se e caem.

Os reis da selva

O repertório de métodos para governar a distância grupos humanos diferentes é particularmente rico. Alguns impérios desenvolveram estratégias herdadas de seus antecessores ou emprestadas de seus rivais. Os otomanos conseguiram misturar tradições turcas, bizantinas, árabes, mongóis e persas. Para gerenciar seu império multiconfessional, apoiaram-se nas elites de cada comunidade religiosa, sem tentar assimilá-las ou destruí-las. O Império Britânico utilizou durante séculos ferramentas de governo tão diversas quanto os territórios sobre os quais foi levado a reinar: domínios, colônias etc. Um órgão específico governava a Índia, um protetorado disfarçado presidia os destinos do Egito, e o “imperialismo de livre-comércio” estendia-se a muitas áreas de influência. Um império que contava com uma caixa de ferramentas tão bem provida podia pontualmente mudar de tática, sem se ver forçado a assimilar ou administrar todos os seus territórios segundo os mesmos mecanismos.

Há diversos esquemas de base, recorrentes, embora heterogêneos, nas modalidades de governo de populações variadas. Em alguns impérios, a “política da diferença” consistia em reconhecer uma multiplicidade de povos, assim como seus costumes e tradições. Outros traçavam uma fronteira clara entre os autóctones e os elementos vindos do exterior, considerados “bárbaros”. Os dirigentes dos impérios mongóis, nos séculos XIII e XIV, viam as diferenças como normais e benéficas. Eles asseguraram a influência do budismo, do confucionismo, do taoismo e do islamismo, bem como as artes e as ciências produzidas pelas civilizações árabe, persa e chinesa. Roma, ao contrário, aspirava a uma homogeneidade fundada em sua cultura, sincrética, é claro, mas ainda assim identificável; na atração que poderia exercer a aquisição da cidadania romana; e, mais tarde, num cristianismo transformado em religião de Estado.

Os impérios evoluíram em torno dessas duas tendências, às vezes combinando ambas (como nos casos otomano e russo). Na África, as potências europeias dos séculos XIX e XX oscilaram entre uma abordagem assimilacionista, motivada pela certeza da superioridade da civilização ocidental, e formas de governo indiretas, apoiadas nas elites das comunidades conquistadas.

A “missão civilizadora” de que os europeus se autoinvestiram às vezes entrava em contradição com as teorias raciais comumente aceitas na época. Qualquer que fosse a imagem que tivessem dos “outros” e de suas culturas, os conquistadores nunca conseguiram administrar seus impérios sozinhos. Sempre utilizaram conhecimentos, competências e autoridades das sociedades que controlavam, apoiando-se em “intermediários”: membros da elite local que pudessem se beneficiar de alguma forma da cooperação; pessoas antes marginalizadas, que encontravam uma vantagem em servir ao poder vitorioso; ou ainda cidadãos da potência colonial, colonos ou pequenos funcionários. Em todos os casos, a questão era tirar proveito das redes sociais do intermediário para garantir uma colaboração eficaz.

Outra estratégia procedia no sentido inverso: colocar em posição de autoridade escravos ou pessoas destacadas de sua comunidade de origem, que dependiam inteiramente dos senhores imperiais para seu bem-estar e sobrevivência.

A teoria afirma que os impérios europeus abandonaram esses métodos de delegação pessoal de poder para privilegiar estruturas burocráticas. Na verdade, no meio das vastas extensões africanas, os administradores frequentemente consideravam a si próprios como “reis da selva”. Os oficiais solicitavam a assistência de chefes costumeiros, guardas ou tradutores, os quais tentavam tirar proveito de sua posição. Mas, em todas as épocas, os intermediários revelaram-se tão perigosos quanto necessários. Colonos, elites indígenas ou funcionários de escalões inferiores, todos sonharam, em um momento ou outro, tomar o poder.

Trazer à luz o papel dos intermediários leva a destacar as relações verticais dentro da estrutura de poder – entre dirigentes, agentes e submetidos –, uma relação cujo estudo costuma ser negligenciado em favor de uma abordagem mais horizontal, baseada nas afinidades étnicas ou de classe.

Nem infinita nem rígida, a imaginação política dos construtores de impérios e das elites locais foi outro elemento essencial de suas práticas e de seu sucesso. Por exemplo, o imperador romano Constantino e, mais tarde, Maomé adotaram o monoteísmo, que lhes forneceu o poderoso modelo “um império, um deus, um imperador”. Escolha que, todavia, levou ao cisma quando surgiu o argumento de que o imperador não seria o guardião legítimo da verdadeira fé.

Os impérios tentaram colocar-se como guardiões da justiça e da moral – pretensão que algumas vezes se voltou contra eles: podemos nos lembrar de Bartolomeu de Las Casas defendendo as populações indígenas americanas no século XVI,1 dos movimentos de libertação dos escravos no Império Britânico do século XIX, ou dos povos asiáticos e africanos reivindicando a “missão civilizadora” da França para sugerir que a democracia não deveria ser apanágio de um só continente.

O conceito de “trajetória” aplicado aos impérios permite analisar suas transformações e interações de modo diferente do prisma tautológico habitual: o de uma história vista como sucessão de épocas distintas. O que chamamos comumente de “expansionismo europeu”, a partir do século XV, não foi o produto de um instinto inerente ao povo do continente, mas a consequência de uma conjuntura específica. O Império Otomano – maior, mais poderoso e mais integrado que as unidades políticas fragmentadas da Europa ocidental – constituía um obstáculo fundamental ao comércio com a China e o Sudeste Asiático, cujas incontáveis riquezas despertavam todas as cobiças. Os reis de Espanha e Portugal e, mais tarde, os soberanos holandeses e ingleses não cansaram de buscar meios para contornar os territórios sob domínio otomano e dar fim à sua dependência em relação aos magnatas de seus próprios países. Uma das consequências inesperadas desse fenômeno foi colocar em contato povos de ambos os lados do Atlântico, quando Cristóvão Colombo, navegando em direção ao Oeste para chegar à Ásia, descobriu por acaso aquilo que viria a se tornar a América.

Estados-nação e limpeza étnica

Outros eventos críticos da história do mundo aparecem sob uma luz diferente quando os estudamos do ponto de vista das relações que os impérios mantinham entre si. É o caso das revoluções europeias e americanas dos séculos XVIII e XIX. As revoluções na ilha francesa de Santo Domingo, na América do Norte (sob domínio britânico) e na América do Sul (sob domínio espanhol) foram inicialmente conflitos internos a um império, antes de se transformarem em tentativas de saída desse império.

Se considerarmos agora o destino flutuante dos regimes que marcaram o século XIX e a primeira metade do século XX, descobriremos então um mundo agitado por novos projetos imperiais – da Alemanha, Japão e União Soviética – e pela mobilização de recursos e povos de outras potências imperiais para combater essas ambições. Em meados do século XX, a transição do império para Estados-nação não tinha nada de evidente. As populações mistas do sul da Europa, que haviam conhecido muitos regimes, inclusive a lei otomana e o reino dos Habsburgos, sofreram diferentes ondas de limpeza étnica, todas sob o pretexto de dar a cada nação seu Estado. Esse foi especialmente o caso dos Bálcãs, na guerra de 1870, em 1912-1913 e após a Primeira Guerra Mundial, durante o desmantelamento dos impérios vencidos. Depois novamente, após a Segunda Guerra Mundial, quando alemães, ucranianos e poloneses foram expulsos de alguns territórios. Apesar disso, o Estado não conseguiu casar-se com os contornos da nação e, nos anos 1990, a região dos Bálcãs foi mais uma vez cenário de limpezas étnicas. O genocídio em Ruanda, em 1994, também deve ser lido como resultado de uma tentativa pós-imperial de produzir um povo unificado, que se autogovernaria. O Oriente Médio ainda não se recuperou do desmantelamento do Império Otomano após a Primeira Guerra Mundial: nacionalismos opostos disputam os mesmos territórios em Israel e na Palestina.

A União Europeia é hoje a mais inovadora das grandes potências. As lutas pela Europa ou contra ela atravessam os tempos, de Carlos Magno a Hitler, passando por Carlos V e Napoleão. Foi somente após o cataclismo da Segunda Guerra Mundial e a perda de suas colônias que os impérios europeus colocaram realmente fim à competição que sempre haviam mantido. Apesar disso, até a década de 1960 a França e o Reino Unido ainda tentaram reconfigurar seus impérios, a fim de torná-los ao mesmo tempo mais legítimos e mais produtivos. Afastados do jogo imperial, Alemanha e Japão conseguiram prosperar como Estados-nação, coisa que não haviam alcançado até então.

Entre as décadas de 1950 e 1990, os Estados europeus, livres do peso de seus impérios, dedicaram a maior parte de seus recursos a construir alianças entre si. Assim, lançaram as bases de uma confederação que funcionou de maneira eficaz enquanto suas ambições limitaram-se à administração e à regulamentação. Quem quer que observe um posto de fronteira abandonado, em uma linha demarcatória que milhões de pessoas morreram para defender, provavelmente irá considerar a criação do espaço Schengen um avanço. Um dos principais atributos da soberania, o controle das fronteiras, foi empurrado para as bordas do continente.2 Das ambições bélicas de constituição de impérios ao surgimento de Estados nacionais sem colônias, seguindo-se o projeto de uma confederação de nações, a evolução europeia destaca a complexidade do arranjo das soberanias. E demonstra que a concepção de Estado nacional emancipou-se recentemente de seus precursores imperiais.

Depois de 11 de setembro de 2001, os especialistas sagraram o “império norte-americano”, seja para denunciar a arrogância de sua política externa, seja, ao contrário, para celebrar seus esforços em favor da paz e da democracia. Mas a única questão realmente importante é a que toca o repertório do poder estabelecido em Washington, o qual se baseia no uso seletivo de estratégias imperiais. Ao longo de todo o século XX, os Estados Unidos fizeram uso da força, violaram a soberania de muitos Estados e ocuparam territórios, embora raramente tenham estabelecido colônias. O patriotismo norte-americano nasceu de uma trajetória imperial: em 1776, Thomas Jefferson declarava que as províncias rebeladas contra a coroa britânica fariam nascer um “império da liberdade”. O sistema que daí emergiu tinha como fundamento um princípio semelhante à política romana da diferença: ele dedicava a igualdade e o direito de propriedade aos cidadãos, excluindo autóctones e escravos. Estendido a todo o continente, o sistema permitiu que os norte-americanos de ascendência europeia concentrassem em suas mãos a maior parte dos recursos. Após hesitar um tempo em torno da questão da escravidão, os dirigentes viram-se numa posição forte o bastante para decidir o momento e os termos de suas intervenções no resto do mundo.

Uma transição inexorável?

A forma império existiu em relação, e muitas vezes em conflito, com outras formas de governo. Os impérios conseguiram facilitar (mas também impedir) a circulação de bens, capitais, indivíduos e ideias. Sua emergência é resultado de processos violentos, e a conquista costuma ser seguida pela exploração e mesmo pela aculturação forçada e pela humilhação. Eles moldaram sistemas políticos poderosos, mas também causaram sofrimentos humanos consideráveis. Entretanto a ideia de nação, ela própria desenvolvida no contexto imperial, não tem mostrado eficácia, como evidenciam os conflitos não resolvidos no Oriente Médio e em várias regiões da África.

Trilhamos hoje os íngremes caminhos que conduzem ao “pós-império”, bem no meio de uma ficção segundo a qual todas as soberanias são iguais, mas que não consegue mascarar as desigualdades entre os Estados. Pensar o império não significa querer ressuscitá-lo dos mundos passados. Trata-se de considerar a multiplicidade de formas de exercício do poder sobre um dado espaço. Se pudermos considerar a história como outra coisa que não a inexorável transição da forma império para a forma Estado-nação, talvez possamos apreender o futuro de um ponto de vista mais vasto. E considerar outras formas de soberania que respondam melhor a um mundo caracterizado ao mesmo tempo pela desigualdade e pela diversidade.

Jane Burbank e Frederick Cooper

Professores de História da Universidade de Nova York e autores de Empires, de la Chine ancienne à nos jours {Impérios: da China antiga a nossos dias}, Payot-Rivages, Paris, 2010

Ilustração: Murad Sezer / Reuters

1 Dominicano espanhol (1474-1566) que denunciou a condição dos indígenas nas colônias da coroa espanhola, Las Casas foi acusado de querer perpetuar o poder imperial, dando-lhe um rosto “humano”.

2 Ler Alain Morice e Claire Rodier, “Comment l’Union européenne enferme ses voisins” [Como a União Europeia fecha seus vizinhos], Le Monde diplomatique, jun. 2010.
Le Monde Diplomatique

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