sábado, 14 de julho de 2012

A mulher sob o prisma patriarcal brasileiro


Kellen Jacobsen Follador
Levando  em  consideração  que  o  Brasil  foi  colonizado  por  ocidentais,  podemos concluir que os homens no Brasil possuíam os mesmos conceitos, em relação à mulher, que os moradores  do  velho  continente.    Assim,  desde  o  período  colonial  a  exigência  de  submissão, recato  e  docilidade  foi  imposta  às  mulheres.  Essas  exigências  levavam  à  formação  de  um estereótipo que relegava o sexo feminino ao âmbito do lar, onde sua tarefa seria a de cuidar da casa, dos filhos e do marido, e, sendo sempre totalmente submissa a ele.
Ratificando   as   proposições   de   Souza   acreditamos   que   poderes   absolutos   eram destinados  ao  homem,  chefe  e  senhor  da  família  na  sociedade  patriarcal  brasileira,  enquanto que  às  mulheres  era  destinada  a  obrigatoriedade  da reclusão  ao  lar,  com  sua  vida  doméstica junto da criadagem escrava20. No período colonial as mulheres não podiam freqüentar escolas, ficando  dessa  forma  excluídas  do  âmbito  da  educação  formal,  destinada  apenas  aos  homens. 
Em contrapartida eram treinadas para uma vida reclusa, onde o casamento, a administração da casa,  a  criação  dos  filhos  eram  seus  maiores  deveres,  além  de  ter  que  "tolerar  as  relações extra-matrimoniais dos maridos com as escravas”21. 
Logicamente  que  as  exceções  existiam  e  as  mulheres  mais  humildes  não  podiam “desfrutar”  desse  papel  social  que  via  como  ideal  para  a  mulher  a  vida  reclusa  em  seu  lar. 
Precisavam  trabalhar  e,  desta  forma,  adentravam  ao espaço  público,  reservado  aos  homens, pois,  o  sustento  da  família  em  muitos  casos  era  tarefa  delas.  Afora  essas  exceções,  não podiam  sair  desacompanhadas  e  sua  passagem  pelos  espaços  públicos  só  era  bem  aceita  se relacionada às atividades da Igreja, como missas, novenas e procissões, o que para as jovens daquela época era uma forma de lazer.
Toda  essa  vigilância  em  torno  da  mulher  era  necessária  para  se  resguardar  a virgindade,  a  idelidade  e  a  honra.  Caso  fosse  solteira,  a  mulher  era  vigiada  para  que mantivesse  essa  qualidade,  pois  de  sua  castidade  e  pureza  dependia  a  honra  de  todos  os homens  da  família,  ou  seja,  irmãos  e  pai.  Quando  casada  a  mulher  era  vigiada  porque  dela também dependia a honra do marido, tanto no que dizia respeito à fidelidade e a legitimidade da prole, quanto no que se referia à própria masculinidade do marido. Assim, cabia à mulher, em  parte,  a  responsabilidade  pela  manutenção  da  honra  dos  homens  da  família  a  qual pertencia. 
Durante  o  período  colonial,  as  mulheres  no  Brasil  não  tiveram  muito  espaço  para expressar seus pensamentos e para gozar de algum lazer, senão as festividades relacionadas à Igreja Católica. O controle exercido pelos homens sobre elas atingia todos os campos de suas vidas,  como  o  controle  dentro  de  casa  desde  a  infância,  o  controle  ideológico  mantido  pelos ideais  de  recato,  respeito,  humildade  e  pela  falta  de  instrução;  por  fim,  a  escolha  de  um marido que certamente manteria o mesmo controle sobre ela. 

A educação feminina no período colonial era, geralmente, restrita aos cuidados com a casa, marido  e filhos.  A  mulher aprendia  a  costurar, bordar, cozinhar  e,  as mais abastadas,  a pintar e tocar algum instrumento. A leitura e escrita deveriam ser as  mínimas possíveis, isso  dependendo  da  rigorosidade  do  pai,  que,  em  muitas  vezes  não  permitia  que  as  filhas aprendessem  a  ler  e  escrever.  A  educação  era  ministrada  somente  aos  homens,  e,  tanto  as mulheres  brancas  ricas  e  pobres,  quanto  as  negras,  fossem  elas  escravas,  alforriadas  ou mestiças, não tinham acesso à instrução. Um ditado da época demonstra muito bem a opinião masculina acerca da instrução feminina, onde menciona que “mulher que sabe muito é mulher 
atrapalhada, para ser mãe de família, saiba pouco ou saiba nada”22.   
O  ditado  popular  menciona  que  a  mulher  ideal  era  aquela  que  “sabia  pouco  ou  sabia nada”.  Podemos  perceber  a  falta  de  conhecimento  não  somente  relacionada  à  instrução intelectual,  mas  também  à  instrução  sexual  que  serviria  para  sua  vida  enquanto  mulher  e esposa.  Ribeiro  menciona  que,  quando  as  mulheres  se  casavam,  seguiam  para  a  lua-de-mel sem  informações  sobre  sexo  ou  mesmo  sobre  o  que  ocorreria.  O  sexo  ocorria  às  escuras, sendo  o  corpo  feminino  coberto  por  um  lençol  que  permitia  apenas  a  visão  dos  órgãos sexuais.  O  prazer  sexual  masculino  ficava  a  cargo  das  negras  escravas,  e,  à  esposa  era proibido sentir tal prazer já que o sexo cabia somente à reprodução23.
Apesar  de  todos  esses  modelos  e  regras  que  as  mulheres  deveriam  seguir  para  serem qualificadas como honradas, existiam aquelas que não se encaixavam em tais modelos, fosse por situações passageiras ou permanentes, ligadas ao modo de vida. Geralmente esses padrões eram ditados para as mulheres brancas, pois as escravas, negras alforriadas e mestiças já eram mal  vistas  pela  sociedade,  consideradas  como  mulheres  sem  honra.  Porém,  mesmo  as mulheres  brancas  nem  sempre  conseguiam  manter  esse ideal,  como  era  o  caso  das  mulheres pobres.  Elas  precisavam  trabalhar  fora  de  seus  lares  e  isso  já  as  caracterizavam,  na  maioria dos casos, como mulheres públicas.  
Nesse contexto havia três classificações para as mulheres: honradas, desonradas e sem honra.  As  mulheres  desonradas  eram  aquelas  que  praticavam  relações  extra-conjugais, perdiam  a  virgindade  antes  do  casamento  ou  possuíam  um  comportamento  desajustado socialmente.  Elas  manchavam  a  honra  da  família  ou  de  seus  maridos  e,  por  isso,  eram exemplarmente  punidas  pelos  familiares  ou  condenadas  ao  ódio  da  sociedade.  As  mulheres honradas eram aquelas que seguiam os padrões e normas que a sociedade impunha, seguindo também  o  ideal  de  pureza  mariano. Deveriam  exaltar  as  virtudes  de  uma  vida  recatada  e submissa ao poder masculino, ora do pai, ora do marido. Por fim, as mulheres sem honra eram aquelas,  na  maioria,  ligadas  direta  ou  indiretamente  à  prostituição,  e,  aquelas  ligadas  ao submundo das ruas. As escravas, por exemplo, eram consideradas mulheres sem honra.  
No  geral,  a  existência  dessas  mulheres  ligadas  à  prostituição  era  aceita  na  sociedade pelas  famílias  ricas  e  pela  Igreja,  já  que  ambos  segmentos  viam-nas  como  uma  forma  de proteger  a  sexualidade  das  virgens  de  boa  família. Cabia  ainda  a  essas  mulheres  a  iniciação sexual dos varões das famílias abastadas. A prostituição era, em muitos casos, a única forma de algumas mulheres pobres e marginalizadas sobreviverem e sustentarem a família.  
O  sustento  da  família  fez  com  que  a  mulher  pobre  no  período  colonail  brasileiro desempenhasse inúmeras funções, tidas muitas vezes como  masculinas, como era o caso das tropeiras  e  cocheiras.  A  grande  maioria  das  mulheres  pobres  possuía  atividades  como lavadeiras,  cozinheiras,  domésticas  e  vendedoras  ambulantes,  afirmando  Nader  que  “a sociedade  brasileira,  que  se  pautou  no  poder  masculino,  jamais  prescindiu  da  mão-de-obra feminina”24.  O  trabalho  feminino  era  muito  importante  no  comércio  de  gêneros  alimentícios que  invadia  as  ruas  das  cidades,  onde  eram  vendidos  bolos,  doces,  hortaliças,  derivados  do leite,  entre  outras  guloseimas  preparadas  pelas  mulheres.  Segundo  Mergár,  entre  os  séculos XVIII e XIX o pequeno comércio fixo ou ambulante era atividade quase que exclusivamente feminina. Essas atividades estavam ligadas às camadas inferiores da sociedade e aos escravos,  que muitas vezes iam à cidade vender os produtos advindos das fazendas de seus senhores25. 
Como  podemos  perceber,  as  mulheres  pobres,  bem  ou  mau,  podiam  “desfrutar”  de uma liberdade impensada pelas mulheres de boa família. Essas últimas viviam sob a proteção dos olhares masculinos e enclausuradas em suas casas. O enclausuramento foi amenizado com o  fim  da  colonização  quando  o  Brasil  passou  por  um leve  processo  de  urbanização  após  a chegada da Família Real. 
A vinda da Família Real portuguesa para sua mais rica colônia proporcionou algumas mudanças,  principalmente  na  cidade  do  Rio  de  Janeiro.  Como  salienta  Manoel,  a  abertura comercial  para  um   mercado   mundial  proporcionou  a   “penetração  do  capitalismo  e   a gravitação do universo do neocolonialismo” possibilitando a percepção de novas perspectivas para o universo feminino, como uma maior participação social26. 
Conforme  Souza,  com  a  vinda  da  Família  Real  também foram  verificadas  mudanças em relação aos costumes familiares. A clausura do lar para as mulheres estava com seus dias contados. Elas passaram a freqüentar os espaços públicos, como as ruas, os teatros, os bailes e os salões de beleza. Com o tempo, surgiu uma rede de estabelecimentos, principalmente lojas, que possuíam como maior clientela as senhoras integrantes da elite imperial27. 
Já em meados do século XIX, durante a era Imperial, as mulheres lutaram para ampliar seus  papéis  na  sociedade.  O  patriarcalismo  e  sua  disciplina  rígida  excluíram  as  mulheres  da cena  social,  porém  nesse  período  já  era  aceito  o  fato  de  mulheres  transitarem  pelas  ruas  das cidades  a  fazer  compras,  passeios  ou  mesmo  a  trabalho.  Logo,  “pôde-se  ver  avanços  na  luta por  direitos  no  campo  do  trabalho,  da  educação  e  da  política”,  setores  antes  destinados exclusivamente aos homens28. 
O século XIX trouxe mudanças para as mulheres, tanto na Europa quanto na América. 
Foi um século no qual, em países mais desenvolvidos, elas buscaram seus direitos e tentaram igualá-los aos dos homens. No Brasil o patriarcalismo ainda era forte, porque mesmo com sua Independência   as   características   principais   da   sociedade   se   mantiveram,   isto   é,   o patriarcalismo  baseado  num  meio  de  produção  escravocrata.  Segundo  Souza,  a  maior transformação  ocorreu  “[...]  na  década  de  1870,  quando  mudanças  socioeconômicas  foram 
minando as bases do patriarcalismo”29. 
Na  educação  também  podemos  verificar  algumas  alterações.  As  mulheres  da  elite tiveram  mais  acesso  à  instrução,  que  era  ministrada  em  suas  próprias  residências,  e,  nesse momento  aceita  como  lago  positivo  pelos  homens.  Entendia-se  por  instrução  feminina  a dança,  o  aprendizado  de  piano,  a  escrita  e  a  leitura.  Livros  eram  escritos  especialmente  para esse  público,  não  exigindo  de  suas  leitoras  um  esforço  de  reflexão  e  compreensão30.  Assim, traziam temas que não levantavam nenhuma discussão acerca da sociedade, mas, abordavam principalmente  o  amor,  já  que,  o  grande  desejo  da  maioria  dessas  mulheres  era  o  de  se casarem.  Na  verdade,  as  mulheres  deveriam  ser  educadas  e  não  instruídas,  e,  esse  fato  é notável  pelos  aprendizados  destinados  a  elas,  que  não  tinham  nenhum  teor  de  análise  crítica da sociedade ou conteúdos científicos. Em relação às mudanças Cerdeira destaca que,   
 Ela  não  mais  permanece  reclusa  à  casa-grande,  freqüentando  festas,  teatros  e  indo  à  Igreja,  o que  possibilita  um  aumento  em  seus  contatos  sociais.  Sua  instrução  geral,  porém,  permanece desvalorizada,  uma  vez  que  a  sociedade  espera  que  ela  seja  educada  e  não  instruída.  À  sua educação doméstica  acrescenta-se  o  cuidado  com  a  conversação,  para torná-la  mais  agradável nos eventos sociais31.  
Como mencionado, as mulheres recebiam uma determinada educação para aquilo que a  sociedade  esperava  delas.  Como  destacado  por  Hahner  “o  sistema  escolar  brasileiro exprimia  o  consenso  social  sobre  o  papel  da  mulher.  Ensinava-se  a  ela  só  o  que  fosse considerado  necessário  para  viver  em  sociedade”32.  Agora  elas  precisavam  falar  bem  em público,  ter  familiaridade  com  algumas  artes  como  a  dança,  a  música  e  até  mesmo  outro idioma, no intuito de serem companhias agradáveis aos seus maridos e às pessoas com quem ele   mantinha   relações   de   amizade   ou   negócios.   Isso  ocorria   principalmente   quando freqüentavam ambientes públicos elitistas, como bailes e teatros.   
Apesar  dessas  mudanças,  as  mulheres  da  elite  continuavam  limitadas  porque  não possuíam  nem  autonomia,  nem  igualdade  perante  os  homens,  já  que,  a  estrutura  social, cultural  e  econômica  era  apanágio  masculino.  As  limitações  eram  mais  exacerbadas  em relação  às  mulheres  menos  privilegiadas  que  se  mantinham  na  ignorância  por  não  poderem desfrutar  dos  mesmos  privilégios  que  suas  colegas  da  elite.  As  mulheres  pobres,  quando possível,  freqüentavam  as  escolas  normais,  que  não possuíam  boa  qualidade,  e  cursavam  ao máximo  o  ensino  primário.  O  ensino  era  privilégio  de  poucos  e  a  maioria  da  população brasileira era composta por analfabetos33.  
A  primeira  lei  referente  à  educação  feminina,  que  data  de  1827,  menciona  que  as meninas  podiam  freqüentar  a  escola  somente  até  o  nível  elementar,  sendo-lhes  vedado  o ingresso nas instituições de ensino superior. Dava-se destaque às prendas domésticas, como a costura, em detrimento da escrita e aritmética que, aliás, era diferente da aritmética  ensinada aos meninos.  
A  partir  da  segunda  metade  do  século  XIX,  a  instrução  tornou-se  mais  acessível  às mulheres  que  tiveram  a  oportunidade  de  cursar  o  ensino  primário  e  secundário.  Com  uma maior  instrução  elas  podiam  se  dedicar  ao  magistério,  reafirmando  a  “idéia  de  que  a  mulher seria  por  natureza  uma  educadora”34.  As  escolas  normais  destinadas  a  formar  professores primários  preparavam-nas  para  a  carreira  de  ensino  e  permitiam  que  elas  continuassem  a investir em sua educação. O magistério era visto pela sociedade como uma profissão honrada, 
destinado  apenas  às  “mulheres  dignas”35.  Por  sua  vez,  Franco  acredita  que  devido  a  sua doçura,  paciência  e  compreensão  a  mulher  passou  a  representar  o  modelo  ideal  para  o exercício  do  magistério,  visto  que,  o  homem  com  o  autoritarismo  típico  à  época  era inadequado, porquanto, amedrontaria as crianças36. 

21 SOUZA, Eros de; BALDWIN, John R. A construção social dos papéis sexuais femininos. Psicologia, reflexão e crítica. v. 13, n.03, 2000, p. 03. Disponível em: . Acesso em: 15 jun. 2007. 
22 RIBEIRO, Arilda Inês Miranda. Mulheres educadas na colônia. In: LOPES, Eliane (Org.). 500 anos de 
educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2007, p. 79.
23 Idem, p. 83. 
24 NADER, Maria Beatriz. Op. cit., p. 197. 
25 MERGÁR. Op. Cit. p. 97. 
26 MANOEL, Ivan Aparecido. Igreja e educação feminina (1859-1919): uma fase do conservadorismo. São Paulo: Unesp, 1995, p. 22. 
27 SOUZA. Op. cit., p. 82. 
28 SOUZA; BALDWIN. Op. cit., p. 03. 
29 SOUZA. Op. cit., p. 82. 
30 SOUZA. Op. cit., p. 80. 
31 MERGÁR. Op. cit., p. 93. 
32 HAHNER. June E. Emancipação do sexo feminino: a luta pelos direitos da mulher no Brasil (1850-1940). 
Florianópolis: Mulheres, 2003, p. 73. 
33 SOUZA.Op. cit., p. 82. 
34 FRANCO, Sebastião Pimentel. As escolas femininas de formação para o magistério no Espírito Santo: 
Primeira República. Dimensões – Revista de História da Ufes. Vitória: Ufes, n. 16, 2004, p. 312. 
35 HAHNER. Op. cit., p. 78-79. 
36 FRANCO, Sebastião Pimentel. Do privado ao público:  o papel da escolarização na ampliação de espaços sociais para a mulher na Primeira República. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo, 2001, p. 85. 
Parte integrante do artigo A MULHER NA VISÃO DO PATRIARCADO BRASILEIRO: UMA HERANÇA OCIDENTAL 
Revista fato&versões

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