quinta-feira, 31 de maio de 2012

Histórico das favelas na cidade do Rio de Janeiro


João Carlos Ramos Magalhães
A origem das favelas na cidade do Rio de Janeiro remonta ao Brasil colonial. Em 1808, 30% da população carioca é expulsa de suas casas para dar moradia aos acompanhantes da família real portuguesa. Para permanecerem no centro da cidade inúmeras famílias passam a residir em habitações coletivas, cortiços, cujo número cresce após 1822, com o abandono de grandes casas, após o retorno dos portugueses com a independência.

Na segunda metade do século XIX iniciam-se fortes movimentos a favor do fim da escravidão no Brasil. Enquanto alguns escravos conseguiam comprar sua liberdade, carta de alforria, outros fugiam para quilombos. Em 1880 vários quilombos abolicionistas já haviam se estabelecido na periferia do Rio, como a chácara do Sr. Le Bron, no atual Leblon, o Quilombo da Penha, atualmente Vila Cruzeiro no "Complexo do Alemão" e o Quilombo da Serra dos Pretos Forros, que divide Jacarepaguá do Grande Méier.

A extinção do regime escravocrata em 1888, sem a criação de políticas de inserção dos ex-escravos no mercado de trabalho ou de garantias básicas de sobrevivência (alimentação, moradia e saúde), gera migrações em massa para as cidades de desempregados e subempregados que, sem condições de comprar ou alugar moradias legais, se alojam em cortiços, antigos quilombos ou constroem moradias em áreas ilegais e desvalorizadas de morros, grotas e pântanos. Com as demolições dos cortiços do Centro pelo Prefeito Pereira Passos, entre 1902 e 1906, sem indenização, seus moradores passam a ocupar os morros mais próximos.

No século XX a cidade cresce de forma acelerada e o esforço do Estado em construir habitações populares não é suficiente para acomodar o fluxo de imigrantes. Como parte dos salários não era suficiente para a compra ou aluguel de moradias formais restou a solução de morar em terrenos ilegais, por serem mais baratos, próximos aos locais de trabalho e permitirem a construção progressiva e sem regras. A população em favelas cariocas cresce a taxas superiores ao resto da cidade, mesmo com as políticas de remoção de favelas nas décadas de 20 e 60. Em 1948 o censo já registrava 139 mil pessoas vivendo em favelas (7% da população da Cidade do Rio). Esse percentual aumenta para 10,2% em 1960, 13,3% em 1970, 16% em 1990 e 18,7% em 2000, que representava 1,09 milhões de pessoas. Para alguns especialistas esse número chegava a 1,5 milhões, pois o IBGE considera apenas favelas com mais de 51 domicílios.

Além da grande dimensão, as favelas chamam a atenção por suas características urbanísticas. A construção desses territórios se dá a partir de uma adaptação contínua pelos moradores de seus barracos e dos poucos espaços públicos restantes às suas necessidades. Seus espaços resultam de uma arquitetura do acaso, de virtudes aleatórias, democráticas e não-formalistas, que permanecem em continua mutação.

Vários planos de reforma urbana para o Rio de Janeiro viam as favelas como um obstáculo ao desenvolvimento da cidade e defendiam sua remoção para áreas distantes. Nos anos 60, com a percepção da vantagem para a indústria, comércio e serviços da localização próxima da mão-de-obra barata em favelas, dos altos custos construtivos de moradias populares, e com a busca por parte da elite por uma identidade nacional, as favelas começam a ser aceitas como elementos permanentes da cidade. Nessa década, ao mesmo tempo em que são removidas algumas favelas para a construção de vias, de indústrias na zona norte e de habitações para alta renda na zona sul, já são executados os primeiros projetos de urbanização de favelas, que se ampliam após a redemocratização nos anos 80.

Formuladas sem a existência de uma teoria para a "urbanização de favelas" e muitas vezes sem considerar as soluções arquitetônicas e de engenharia que os moradores criaram para a geografia particular de cada favela, muitas intervenções geraram novos problemas, como mortes por contenções de encostas que deslizaram ou canalizações de rios e valas que transbordaram, ou foram rapidamente perdidas, como os sistemas de esgoto construídos na década de 90 no "Complexo do Alemão". Localizados abaixo das calçadas das vias abertas pela intervenção, não puderam ser mantidos após a invasão das calçadas por novas casas.

Enquanto algumas intervenções conseguiram melhorar as condições sócio-econômicas dos moradores, outras foram vistas apenas como uma forma de ampliar o controle social. Algumas obras de alargamento de ruas e becos, pavimentação, iluminação pública e abertura de acessos a pontos inacessíveis da favela foram destruídas por alguns moradores por serem interpretadas como a facilitação do acesso ao território pela polícia.

As intervenções atualmente executadas pelo Estado se beneficiam da experiência acumulada em mais de três décadas. Estas experiências afirmam a importância do conhecimento do modo de vida específico da favela que receberá a intervenção, como suas soluções de arquitetura e engenharia e as necessidades de seus moradores para a garantia do sucesso da intervenção.


João Carlos Ramos Magalhães é técnico de planejamento e pesquisa do Ipea

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