domingo, 30 de outubro de 2011

A Reforma na Encruzilhada


Buscando consolidar Igreja Anglicana, Henrique VII dá início ao fechamento
de monastérios e causa revolta entre os católicos, que já prometem reação

Até há poucas semanas, a reforma religiosa que Henrique VIII promove na Inglaterra desde o início da década vinha se caracterizando, em grande medida, por uma queda-de-braço retórica com a Santa Sé pelo poder eclesiástico. Mas agora a coroa resolveu passar das palavras à ação. Legitimado pela aprovação do Ato de Supressão dos Monastérios Menores pelo Parlamento, o rei começa efetivamente o processo de desmantelamento da estrutura católica na Inglaterra – abrindo espaço, por consequência, para a organização e a solidificação de sua recém-fundada Anglicana Ecclesia. Como era de esperar, o rebanho do papa Paulo III desaprova a medida e já começa a se movimentar contra a dissolução das centenárias instituições católicas. Sabe Deus o que vem por aí.

É bem verdade que as rusgas entre Londres e Roma, que começaram com a recusa da Santa Sé em conceder a anulação do casamento entre Henrique VIII e Catarina de Aragão, já haviam provocado terríveis consequências para um numerosos fiéis na Inglaterra. Forçados a escolher entre a submissão real ou papal, clérigos e funcionários da corte, como Sir Thomas More e o bispo John Fisher – estes tomados como inimigos mortais pela rainha Ana Bolena –, foram executados no ano passado porque preferiram jurar lealdade ao sucessor de São Pedro. Mas mesmo com a fundação oficial da Igreja Anglicana, em 1534, pelo Ato de Supremacia que reconheceu Henrique VIII como seu chefe único, as instituições da Igreja Católica na Inglaterra, de uma forma geral, não tiveram seu cotidiano alterado.

Agora, o soberano Tudor, excomungado três anos atrás por ter desobedecido às ordens do papa e se casado ilegalmente com Ana Bolena, saboreia o prato frio de sua vingança. Mosteiros, abadias, conventos e outras casas religiosas menores estão sendo fechados e desapropriados – de acordo com a monarquia, tais casas hoje representam apenas a luxúria e o desapego à moral cristã. Suas riquezas passam a fazer parte do tesouro da coroa, que poderá também vender as propriedades e as terras à nobreza e embolsar o pagamento. A bolada vem em boa hora para o esvaziado baú de Henrique VIII – não são poucos os que acreditam que a medida tem mais a ver com a questão financeira do que propriamente a religiosa.

Mãos de ferro – A expectativa inicial da monarquia é de fechar cerca de duzentas instituições católicas dentro de um ano, o que faria a arrecadação da coroa dobrar nesse período, de acordo com cálculos dos tesoureiros reais. Em um segundo momento, os monastérios maiores também sentirão o fio da espada de Henrique VIII. Não à toa, o chanceler Thomas Cromwell acaba de criar uma nova agência governamental – a Corte das Incorporações – para gerenciar e administrar esse lucrativo processo. A transição, entretanto, não deverá ser tranquila. Já houve resistência no Priorado de Norton, em Cheshire, e na Abadia de Hexham, em Northumberland – os católicos responderam com força bruta às investidas dos comissários do rei.

Em York e Lincolnshire, fiéis a Roma prometem organizar-se para combater a reforma e manter as instituições católicas intocadas – além de sedes religiosas, eles argumentam que os monastérios são pilares da comunidade, e que seu fechamento causará cizânia entre anglicanos e católicos. Para eles, foi o rei Henrique VIII, por ter desafiado Roma e vivido em pecado com Ana Bolena, quem deixou de lado os valores cristãos. Sem paciência para ouvir esse tipo de acusação, o monarca já ordenou a seus comandados que sufoquem com mãos de ferro todo e qualquer foco de reação. Tal decisão é potencialmente inflamável – a história mostra que guerras civis já começaram por muito menos. Agora é a vez da Inglaterra entrar nessa infernal encruzilhada.
Revista Veja na História

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