terça-feira, 18 de outubro de 2011

Ditadura militar utilizou a EMBRATUR para tentar ocultar a repressão, a tortura e o assassinato

João dos Santos Filho*
Esclarecimentos preliminares

Ensaio sobre o discurso fascista do turismo.

f) finalmente, hipótese indispensável a ser fixada, a divulgação e promoção do Brasil no exterior. A tarefa é de toda a máquina governamental tantos (sic) nas áreas estaduais como federal. Cumpre ser organizado um verdadeiro pool, capaz de lançar a imagem do Brasil como País a ser visitado e conhecido (DA SILVEIRA, s.d., p.33).

[nota de rodapé] 11. Vale o registro de que o Correio Braziliense surgido no México em 7 de agosto de 1964, já se propunha, no décimo, porém último número, de 27 de outubro de 1964, a denunciar, no exílio, “o terror e a tortura institucionalizados no Brasil”, com o golpe. Afirmava: “Não sendo o único, esse é também um modo de Lutar” (p.1/capa) (CRUZ, 2002, p.455).

d) “Há uma frente brasileira de informação que difama nosso país e mantém em nossa terra repórteres que mentem lá fora, apresentando um quadro brasileiro inteiramente falsificado, inteiramente pejorativo. Nada de importante acontece no país sem a ação dos comunistas. Há uma poeira vermelha nos olhos do povo e de grande parte das autoridades brasileiras” (SOUZA, apud Marconi, 1980, p.23).

Dentro da historiografia sobre o turismo brasileiro, existem relações que ainda necessitam ser objeto de investigação pelos estudiosos deste fenômeno, há necessidade de cruzar inúmeras variáveis com diferentes premissas para descobrir e delimitar novos campos de pesquisa, e de imediato pode-se destacar o estudo de duas relações: a primeira, a Ditadura Militar de 1930 e a criação do Departamento de Imprensa e Propaganda – DIP, no governo de Getúlio Vargas; a segunda, o Golpe Militar de 1964 e a criação da Empresa Brasileira de Turismo – EMBRATUR, em 1966, bem como a relação entre ambos os períodos históricos apresentam certa semelhança na forma de como os Estados ditatoriais conduziram o turismo.

Pode parecer, num primeiro momento, algo artificial e sem propósito, mas o aprofundamento de nossas pesquisas vem sinalizando a existência de uma similitude entre esses períodos, e alerta, ainda, para a carência iconográfica da história brasileira que foi deixada e esquecida por interesses de classe. A existência desse material referente à época é rara, pois há entidades e pessoas interessadas em dificultar seu acesso.

Partimos do pressuposto de que o turismo é um fenômeno social, cuja existência surge no interior das necessidades básicas do ser humano[1] e, portanto, passível de estar presente em qualquer sistema econômico e político no percurso do desenvolvimento da humanidade, aparecendo, muitas vezes, com outra designação gramatical e conceitual.

Com isso, estamos atribuindo a esse fenômeno um movimento que vem apensado ao desenvolvimento das relações de produção, natural na agregação de valor e acelerado pela difusão universal do modo de produção, em que um dos seus lemes é a produção para o consumo e serviços, próprio do capital, como bem discute István Mészáros, quando afirma:

Naturalmente, esta visão da história do mundo, concebida como a difusão universal do modo de produção mais avançada no quadro de um mercado mundial plenamente desenvolvido – ou seja, como um processo de real “vir-a-ser”, caracterizado por atividades claramente identificáveis de produção e consumo, dentro de seus parâmetros estruturais e institucionais muito bem definidos - trouxe com ela a visão correspondente da saída dos antagonismos destrutivos da ordem social prevalecente, pois, de um lado, ela visava como pré-requisitos de sua realização, o nível mais elevado possível de produtividade - o que, por sua vez, implicava a necessária transcendência de determinadas barreiras e contradições locais e nacionais, bem como uma total integração benéfica e racionalização cooperativa da produção material e intelectual numa escala global (MÉSZÁROS, 2002, p.86).

Esse processo de racionalização do capital, para a extração da mais-valia na busca de maior produtividade, atinge a atividade turística, considerada capaz e propensa a ampliar a reprodução do capital de forma rápida, pois seu “produto” exige um leque de serviços que requer, na maioria dos casos, uma ampla e diversa empregabilidade. Por isso, a atividade turística surge como salvação para os governos capitalistas e pós-capitalistas, como elemento capaz de tirar as economias da crise econômica que ronda esses sistemas.

O turismo possui, então, uma abrangência em quase todas as atividades societárias, e sua mundialização atinge desde o povoado ribeirinho até os grandes centros urbanos: culturas mesclam-se, culturas destroem-se num processo dialético em que o novo pode ser o descobrimento do valor histórico do velho ou ao inverso, o novo ser a destruição do velho.

O fenômeno do turismo é resultado do incremento logístico da natureza e da recuperação e resgate da história de um povo, combinado com a necessidade do capital em poder explorar uma mão-de-obra barata, com baixo nível educacional e cultural. Essa é a lógica de sua dialética histórica para manter a super-reprodução e ganhar espaços nas pranchetas dos magos do desenvolvimento econômico.

Aliado à necessidade de reprodução do capital, a tendência dos Estados nacionais é se preocupar com o turismo receptivo, pois as grandes corporações multinacionais se interessam por investimentos para o turista estrangeiro.

Na verdade, as grandes corporações no campo do turismo desenvolveram seus megaempreendimentos para atingir o turismo de luxo, entendendo que esse turista é o estrangeiro que está de visita ao país. O objetivo das grandes redes hoteleiras estrangeiras, quando se instalam nos países hospedeiros, é compor sua clientela com estrangeiros como a classe de alto poder aquisitivo.

O turismo é uma das poucas atividades econômicas em que o capital está preocupado em manter uma mística de glamour para preservar e estimular a idéia de fetiche e que o turismo é atividade reservada às classes ricas. Em contrapartida, para manter os altíssimos níveis de reprodução e exploração do capital, necessita pagar baixos salários em toda a cadeia produtiva do turismo, por isso, afirmo que o turismo possui, em relação às outras atividades econômicas, um excelente mercado de trabalho, porém com medíocres e miseráveis salários.

Uma descrição detalhada do processo econômico, que ocorre no fenômeno turístico segundo a lógica do neoliberalismo, está descrito no livro do economista François Chesnais que, de forma didática, escreve:

No caso do turismo, as vantagens de localização são representadas pela dotação em riquezas naturais (sol, mar, montanha etc.), bem como pelo valor de patrimônio cultural e histórico de um país (arquitetura, museus etc.). São esses fatores, e também as multinacionais especializadas, que determinam a capacidade de o país atrair turistas.

Boa parte das atividades ligadas à indústria do turismo (hotéis e restaurantes, clubes de férias) é intensiva em mão-de-obra; é por isso que a multinacional do setor obtém consideráveis vantagens por sua localização em países que combinem atrações naturais com a mão-de-obra barata (CHESNAIS, 1996, p.202-203).

Para que o capital continuasse sua trajetória de ampliação da mais-valia e acelerasse o processo de acumulação do mesmo, apela para o apoio das classes dominantes e, com a ajuda dos militares, formatam as ditaduras no Brasil e países da América Latina.

O impacto do Estado ditatorial na sociedade em geral foi brutal, perseguições à população estudantil, aos trabalhadores de todas as áreas, intelectuais, professores, funcionários públicos, membros da igreja, aos artistas e às próprias Forças Armadas os quais sofreram atos de barbárie física e simbólica. Torturas, seqüestros, aposentadorias compulsórias, cassações, prisões e assassinatos tornaram-se rotina nos quartéis:

Tomando posse, o ditador marechal Castelo Branco estabeleceu um regime de completa arbitrariedade. Só nos dois primeiros meses, usando o poder que lhe conferia o Art. 10 do malfadado Ato Institucional n. 1, cassou os direitos políticos de 37 pessoas, entre as quais três ex-presidentes, seis governadores estaduais e 55 membros do Congresso Nacional. Dez mil funcionários públicos foram demitidos e cerca de cinco mil inquéritos sumários envolvendo 40 mil pessoas foram abertos (AÇÃO POPULAR MARXISTA-LENINISTA, s.d.).

Preocupados com a imagem do Brasil no exterior, comprometida com as denúncias sobre a tortura, repressão, seqüestro e assassinatos junto à população civil, o governo brasileiro necessitava urgentemente criar outra imagem, cujo apelativo recaiu sobre a mulher brasileira; aproveitando da natureza, do sol, do mar e do fetiche de mulheres sedutoras dançando no carnaval do Rio de Janeiro.

Com apoio da EMBRATUR, fez-se a divulgação da imagem do Brasil para o exterior, criando um material iconográfico de alto padrão gráfico, acompanhado de uma folheteria especifica para a exportação[2] do imaginário brasileiro, lastreada no conjunto de um discurso ufanista que levou o Estado fascista a naturalizar o absurdo.

O Estado fascista contra-ataca, estimulando, em seus quadros, o processo de deduragem com alcagüetes treinados pelos órgãos de repressão brasileiros e estrangeiros, que passam a fazer a limpeza ideológica contra o perigo do comunismo, em todos os setores da vida nacional.

Não é por acaso que o Ministério das Relações Exteriores no comando do Embaixador Vasco Leitão da Cunha, homem de confiança dos militares, desenvolveu um processo de caça aos diplomatas considerados de esquerda e criando, em 1966, o Centro de informações no exterior – CIEX, que tinha a incumbência de vigiar a atuação dos exilados políticos brasileiros.

Nesse processo de “combate ideológico” a EMBRATUR, de 1966 até 1996, tornou-se instrumento da qual a ditadura se serviu para tentar ir de encontro à imagem que a imprensa progressista estrangeira divulgava, denunciando a tortura, a prisão e o assassinato de brasileiros pelos militares golpistas:

A imprensa no exílio foi editada em diferentes países: Argélia, Chile, França, Suécia, Itália, Suíça, Dinamarca, Noruega, Holanda, Alemanha ocidental, Alemanha oriental, Portugal, Inglaterra, México, Costa Rica, Argentina. Mas foi, sem dúvida, em Santiago e Paris que a imprensa concentrou-se. Nas duas capitais do exílio brasileiro, aparecem não só o maior número de periódicos, mas também os mais expressivos.

A maior parte da imprensa, porém, combinou documentos de organizações, artigos temáticos, informações e estudos sobre a situação social e econômica brasileira, denúncias da ditadura, de tortura e de prisão política, notícias do Brasil (CRUZ, 2002, p.453-255).

Essas informações levam-nos a entender melhor o porquê de a EMBRATUR ter sido utilizada para marcar, no exterior, a imagem de país tropical, com democracia racial, país do futuro. Nesse caso, não poderíamos deixar de comentar que, até alguns anos atrás, as informações contidas no site da EMBRATUR eram, ainda, retratos desse ufanismo golpista dos militares, como podemos perceber:

Poucos lugares do mundo possuem o grau de abertura para o novo como o Brasil. A base dela é justamente a democracia racial que se construiu ao longo dos séculos. Oculto pelo preconceito racial de parte da elite, que vigora de maneira muito mitigada (se comparado, por exemplo, aos Estados Unidos ou à Europa), este costume permitiu a construção de uma democracia política efetiva num País que tinha tudo para não possuí-la (GOVERNO FEDERAL).

Mais adiante, comete e intensifica a visão ufanista e desta vez com um agravante, minimiza o Golpe Militar de 1964 e dá uma valorização indevida aos militares, afirmando que:

O Congresso Nacional, diga-se o que disser dele, funciona com a regularidade de um relógio há 175 anos. [...] A força do Congresso é tamanha que nem mesmo a ditadura militar dos anos 60 pôde prescindir dele. Até os ditadores sabem que o Brasil é ingovernável sem representantes eleitos (Id., p.4).

Esses fatos reafirmam nossas suspeitas de que a EMBRATUR foi usada pelos militares com a anuência de seus presidentes, visto que no site dirigido para divulgar o Brasil, somos atropelados com um discurso em que os atores principais do golpe de Estado são convertidos, pela história oficialesca, em fascistas tolerantes: “Até os ditadores sabem que o Brasil é ingovernável sem representantes eleitos”.

Nascimento da Embratur

O primeiro governo da Revolução de 31 de março, preocupado com a estagnação reinante, enfrentou realisticamente, como em tudo o mais, o problema do turismo e sobre ele legislou, dando-lhe o enfoque indispensável de organização e abordando-o dentro de sua moderna concepção de fenômeno essencial ao progresso do país (PADILHA, 1972, p.5).

Discorrer sobre o nascimento da EMBRATUR não é tarefa nada fácil, pois o material iconográfico deste período está sendo recuperado parcimoniosamente, graças ao esforço de pesquisadores[3] que lutam individualmente para resgatar a história do turismo brasileiro. Diante desse fato, escolhemos como base central, o caminho da reconstituição histórica dos principais fatos que direta ou indiretamente estão envolvidos para despertar o poder público para essa temática, sem, contudo, esquecer os dados novos que serão incorporados.

Antecedentes

Iniciamos com o Golpe Militar de 1930, movimento que foi deflagrado pela emergência da classe média já expressiva, do tenentismo como símbolo de oposição ao rigor da hierarquia militar, de uma nascente burguesia e de um movimento operário politizado pelos imigrantes europeus, todos insatisfeitos com a forma de ser da chamada República Velha. Na verdade, a “revolução” de trinta foi um basta à hegemonia política econômica de São Paulo e Minas Gerais, gerada pelo café para com os demais produtos em beneficio da indústria nascente e progressista.

O Brasil ganha certa dimensão de nação em que a indústria aparece no cenário econômico e o Rio de Janeiro, cidade que sempre foi preparada para preservar sua beleza natural e abrigar sua identidade cosmopolita para o estrangeiro, foi a primeira unidade do território nacional a preocupar-se com o turismo, a qual sempre esteve nos comentários dos estrangeiros, como escreve o cientista alemão Hermann Burmeister, em 1853, em livro publicado sobre o Brasil:

Nunca empreendi excursões maiores nos arredores do Rio, pois exigem alguns dias e só podem ser feitas a cavalo, circunstância que, devido ao meu estado de saúde, se tornavam impossíveis para mim. Há, porém, muitos outros pontos interessantes, a maior ou menor tempo da cidade, os quais se recomendam especialmente aos turistas que, demorando-se pouco no Rio, desejam conhecer de perto a paisagem (sic) e a vida campestre do povo (BUMEISTER, 1980, p.81).

O Rio de Janeiro sempre despertou ao estrangeiro o gosto pelo belo, pela natureza, pelo místico, pelo mágico, pelo lúdico, pela praia e pelo sol. As descrições vão da declaração de amor a essa terra e seus habitantes, até o deboche crítico para se questionar a política do imperador:

Sabemos que nenhum país da terra foi mais ricamente abençoado pela natureza do que este Brasil, que se acha em cultura e desenvolvimento intelectual tão atrasado em relação aos países europeus; é deveras um paraíso, que a superstição vigia qual querubim com sua espada chamejante, de onde a árvore da ciência da história natural e universal, com seus dourados frutos de hespéridas, é enredada e quase sufocada pelas parasitas do fanatismo, do escravagismo e da ignorância (SEIDLER, 1980, p.61).

Esse clima de amor à natureza e de apego a uma religiosidade amparada a saudades dos estrangeiros explica, para nós, como essa religião se amparou na nostalgia existencial dos indivíduos, representando o apego efetivo e direto da Igreja Católica aos negócios de Estado. Obviamente, o governo de Getúlio necessitava do apoio da Igreja para manter o processo político “revolucionário” e se firmar perante a massa de trabalhadores que seria a base da existência de seu governo, portanto, impõe uma organização da classe trabalhadora dentro dos limites da vida sindical, segundo interesses do Estado.

Em 12 de outubro de 1931, Getúlio Vargas, que necessitava do apoio da Igreja, oferece dois grandes momentos a essa instituição; a inauguração da estátua do Cristo Redentor, no Corcovado, e a permissão do ensino de religião nas escolas públicas. Escreve em um de seus diários:

Realizam-se, na capital, grandes festas comemorativas da inauguração do Cristo no Corcovado.[4] Compareço a esta e recebo a bênção apostólica do papa (sic).

Recebo os peregrinos que vieram assistir à inauguração do Cristo no Corcovado (VARGAS, 1995, p.75).

Com Decreto n. 19.941, de 30 de abril de 1931, Getúlio dispõem sobre a instrução religiosa nos cursos primário, secundário e normal e atende a uma antiga reivindicação da Igreja Católica, que retribui, dando apoio aberto e direto ao governo:

A Igreja levou a massa da população católica a apoiar o novo governo. Este, em troca, tomou medidas importantes em seu favor, destacando-se um decreto, (sic) de abril de 1931, que permitiu o ensino da religião nas escolas públicas (FAUSTO, 2003, p.333).

Esse nosso esforço em tentar demonstrar a influência da Igreja no governo ocorre em razão de, que tal aspecto vai diretamente solidificar a cidade do Rio de Janeiro no desenvolvimento do turismo, visto que o Brasil cria a primeira marca turístico-religiosa, do maior portão de entrada de estrangeiros em território brasileiro. Nesse sentido, o Cristo Redentor do Corcovado transforma-se no cartão postal do turismo brasileiro e o Rio de Janeiro, em ícone da hospitalidade brasileira.

Não é por acaso que Getúlio, ao firmar a imagem de protetor dos trabalhadores, recorreu ao fato de ter que construir um aparato que lhe permitisse controlar a opinião pública, e, assim, aplicou a censura aos meios de comunicação. Em 1931 surgiu o Departamento Oficial de Publicidade, primeiro passo para o Estado organizar e direcionar a opinião pública em torno do personagem de Getúlio Vargas, posteriormente, em 1934, com a Constituição, a máquina burocrática reorganiza-se, criando o Departamento de Propaganda e Difusão Cultural (DPDC).

A questão social, baseada no assistencialismo fincado na imagem do presidente, passou a ser o grande destaque no país: direitos democráticos foram conquistados, a participação popular no processo político aumentou e foi estimulada pelo próprio Estado em troca do apoio ao presidente.

A centralização econômica e política fortaleceu-se quando, em 1939, o governo criou um dos órgãos mais importantes para dar suporte ideológico ao seu discurso populista, a criação do DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda, que em um de seus decretos menciona a atividade turística como de sua responsabilidade:

“Cria o Departamento de Imprensa e Propaganda e dá outras providências (27-12-1939)

Art. 1.0 Fica criado o Departamento de Imprensa e Propaganda (D. I. P.), diretamente subordinado ao Presidente da República.

Art. 2.0 O D.I.P. tem por fim:

a) centralizar, coordenar, orientar e superintender a propaganda nacional, interna ou externa, e servir, permanentemente, como elemento auxiliar de informação dos ministérios e entidades públicas e privadas, na parte que interessa à propaganda nacional;

b) superintender, organizar e fiscalizar os serviços de turismo interno e externo;

c) fazer a censura do Teatro, do Cinema, de funções recreativas e esportivas de qualquer natureza, da rádio-difusão, da literatura social e política, e da imprensa, quando a esta forem cominadas as penalidades previstas por lei;

d) estimular a produção de filmes nacionais;

e) classificar os filmes educativos e os nacionais para concessão de prêmios e favores;

f) sugerir ao Governo a isenção ou redução de impostos e taxas federais para os filmes educativos e de propaganda, bem como a concessão de idênticos favores para transporte dos mesmos filmes;

g) conceder, para os referidos filmes, outras vantagens que estiverem em sua alçada;

h) coordenar e incentivar as relações da imprensa com os Poderes Públicos no sentido de maior aproximação da mesma com fatos que se ligam aos interesses nacionais;

i) colaborar com a imprensa estrangeira no sentido de evitar que se divulguem informações nocivas ao crédito e à cultura do país;

j) promover intercâmbio com escritores, jornalistas e artistas nacionais e estrangeiros;

l) estimular as atividades espirituais, colaborando com artistas e intelectuais brasileiros, no sentido de incentivar uma arte e uma literatura genuinamente brasileiras, podendo, para isso, estabelecer e conceder prêmios;

m) incentivar a tradução de livros de autores brasileiros;

n) proibir a entrada no Brasil de publicações estrangeiras nocivas aos interesses brasileiros, e interditar, dentro do território nacional, a edição de quaisquer publicações que ofendam ou prejudiquem o crédito do país e suas instituições ou a moral;

o) promover, organizar, patrocinar ou auxiliar manifestações cívicas e festas populares com intuito patriótico, educativo ou de propaganda turística, concertos, conferências, exposições demonstrativas das atividades do Governo, bem como mostras de arte de individualidades nacionais e estrangeiras;

p) organizar e dirigir o programa de rádio-difusão oficial do Governo;

q) autorizar mensalmente a devolução dos depósitos efetuados pelas empresas jornalísticas para a importação de papel para imprensa, uma vez demonstrada, a seu juízo, a eficiência e a utilidade pública dos jornais ou periódicos por elas administrados ou dirigidos.

Art. 3.0 O D.I.P. será constituído de;

a) Divisão de Divulgação;

b) Divisão de Rádio-difusão;

c) Divisão de Cinema e Teatro;

d) Divisão de Turismo;

e) Divisão de Imprensa;

f) Serviços Auxiliares, que são os de Comunicações, Contabilidade e Tesouraria, Material, Filmoteca, Discoteca, Biblioteca.”

(Lex, Legislação Federal, 1939, pp. 666-667). Citado in CARONE, 1976, p.47-49 (grifo nosso).

O leitor pode indagar que importância há nesse fato tão divulgado pela historiografia brasileira, a novidade está em que o Departamento de Propaganda e Difusão Cultural (DPDC), fortificado, em 1937, pelo Estado Novo, convidou o cartofilista Manuel Móra para incorporar as fileiras dessa entidade. Português, naturalizado brasileiro, trabalhava no Departamento de Turismo da Municipalidade do Rio de Janeiro, onde havia realizado alguns desenhos primorosos semelhantes a cartões-postais.

Manuel Mora, por sua genialidade, foi incorporado pelo DIP - Departamento de Imprensa e Propaganda, criado em 1939, e atuou na vanguarda dos desenhos usados para ilustrar o material de propaganda de Getúlio Vargas.

Mas, para a nossa pesquisa, o que nos interessa de fato são os cartões que retratam a preocupação em a cidade do Rio de Janeiro se consolidar como pólo turístico para o mundo.

A propaganda sobre o Rio de Janeiro, nesses cartões, transmite a idéia de brasilidade, nacionalismo, integração e uma mensagem positiva sobre o Rio que, na verdade, queria sinalizar a centralização política do governo Getulista. As ilustrações são evidentes no campo da política de boa vizinhança, mescladas ao apelo a um turismo com um discreto charme sedutor, estilo belle époque, destacando o tipo das mulheres dos países aos quais estava dirigido.

O Rio reconhece que pode firmar-se como pólo turístico internacional, e o Estado por meio do DIP prepara toda uma legislação para coordenar as atividades que direta e indiretamente envolvem atividades de turismo. Na verdade, a preocupação com a imagem do Brasil, no exterior, faz com que o governo de Vargas deixe essa função com:

A máquina de propaganda e doutrinação montada pelo regime no período pós-30 extrapolou todas as formas de propaganda estatal até então conhecidas ou sonhadas no país. Não foi apenas a criação do DIP ou a utilização do rádio e do cinema como meios de uniformização da massa e de sua visão de mundo que faziam o cotidiano de cada pessoa mediada pela doutrinação ideológica (.CANCELLI, 1993, p.35-36).

Nos dois perídios históricos, a Ditadura Militar de 1930 e 1964, o Estado tinha como inimigo comum, os comunistas. Getúlio Vargas utilizou da Intentona Comunista de 1935, com muito jogo político e habilidade, com o pretexto para programar seus planos golpistas e criou a psicose sobre o anticomunismo, mesmo sabendo que o Partido Comunista foi posto na ilegalidade e todos os seus militantes estavam no interior das prisões.

O combate ao comunismo pelas forças políticas e econômicas do capital acelerou-se desde a vitória dos bolcheviques, em 1917, na Rússia, nesse momento, o mundo presencia o aparecimento de outro sistema econômico chamado socialismo,[5] na qual as forças reacionárias mundiais se unem, numa “santa aliança” contra a construção do socialismo.

Segundo o historiador Thomas Skidmore:

A “ameaça bolchevista” era, no entanto, uma preocupação importante da liderança “burguesa”. A junta militar, por exemplo, emitiu um manifesto a 27 de outubro, pedindo calma, avisando a população para tomar cuidado porque os “elementos perniciosos à ordem social procuram infiltrar no meio operário idéias nocivas à paz pública”. Essa preocupação de interceptar qualquer “agitação” proletária – uma fôrça (sic) de potencial desprezível no Brasil da década de 30 – tornou-se mais marcante nas cogitações de quase todos os setores da elite política tradicional depois da instalação do Governo Vargas (.SKIDMORE, 1982, p.29).

Acrescenta-se que o Estado Novo e seu braço armado - as Forças Armadas – constroem a ideologia antiliberal, de base nacionalista e centralizadora, que deve ser hegemônica e imposta à sociedade nacional como proposta para que o capital governasse seus interesses. A tônica que sinalizará esse governo será a perseguição aos comunistas, considerados inimigos da pátria e da essência da humanidade, como explicita Cancelli, quando afirma:

Dentre todos os inimigos construídos pelo Estado, os comunistas foram os que mais impulsionaram a ação da polícia, mais justificaram sua existência e mais fortemente serviram à associação mítica de sua ideologia como obra do demônio (CANCELLI, 1993, p.79-80).

A polícia do Distrito Federal, em 1931, no comando do médico Batista Luzardo, importou técnicos da polícia de New York, para combater o comunismo, mas temos que lembrar que a intimidade entre os órgãos de informação e a segurança é uma prática antiga entre os países sul-americanos para monitoramento dos anarquistas estrangeiros e dos comunistas.

No campo do turismo, a década de 1930 se preocupará com essa temática, enquanto empreendimento puramente econômico, como consta no depoimento de Alzira Vargas:

Pediram-me que sugerisse ao Patrão, com a máxima urgência, a criação de um organismo que se dedicasse à propaganda de nossas belezas naturais, e fomentasse a vinda de turistas estrangeiros a nosso País. Diziam-me, com números e cifras, quantos milhares de pessoas haviam visitado a França, a Itália, a Suíça, o Canadá, etc., e o quanto isso havia representado para a economia interna desses países (PEIXOTO, 1960. p.360-361).

Na verdade, o turismo surge aos governantes como solução para tirar a economia da crise em que se encontra, por isso pensa-se somente no turismo receptivo, como forma de ingresso de recursos econômicos, consignado em moeda forte, o dólar. O turismo interno é algo esquecido e até menosprezado pelo Estado que taxia esse assunto, quando cria o SESC, SENAC, em 1946.

O golpe militar de 1964 foi efetivado, segundo os seus precursores, para impedir o avanço dos comunistas e acabar com a corrupção no Brasil, pelo menos essa era a fala dos generais e velhos políticos. O grande inimigo do povo brasileiro eram as ideologias estranhas aos princípios cristãos que o capelão americano, padre Patrick Peyton, encarregava-se, junto ao governador Adhemar de Barros, de organizar as marchas da família com Deus pela Liberdade.

Os pronunciamentos de Adhemar, após o golpe de 1964, são claros e apaixonantes na saga contra os comunistas:

A grande conquista, obtida nessa primeira fase da luta, é a da libertação nacional do jugo bolchevista. Estatísticas que fizemos nos últimos tempos revelam que o Partido Comunista cresceu exageradamente. Através dos esforços de 2.400 a 2.500 agentes vindos da China continetal, da Rússia, de Cuba e de tôda a América Latina, a massa comunizada ampliou-se enormente. Mas a bandeira brasileira continuará a ser auriverde e a cruz não será substituída pela foice e o martelo (BARROS, 18.04.1964).

Com a censura dos meios de comunicação e a campanha aberta e direta contra o comunismo, o Estado militar de 1964 fez planos econômicos que favoreceriam as multinacionais, elegeu prioridades no campo da educação por meio de acordos com as agências de ensino norte-americanas. E entendeu o turismo como prioridade nacional, colocando que “Coube a Joaquim Xavier da Silveira o privilégio de colaborar com a Revolução na tarefa de promover a integração nacional que é uma das resultantes de um programa de desenvolvimento do turismo [...]” (DA SILVEIRA, s.d., p.10).

Os militares criaram a EMBRATUR e usaram-na para encobrir a repressão, a tortura, o seqüestro das Forças Armadas junto à população civil. Desenvolveram um ufanismo cívico moralista e fizeram desta a ideologia carro-chefe para salvar o Brasil do comunismo e para adotarmos a vida pró-americana e “democrática” cristã.

Tanto na década de 30 como em 1964, o Estado usou do turismo para encobrir atos de repressão à sociedade, tanto Getúlio e os governos militares posteriores utilizaram do turismo como escudo para que seus interesses de imagem fossem maquiados pelo “paraíso tropical”. Se 1930 foi para firmar a imagem de Getúlio como pai dos pobres e dos trabalhadores, em 1964 os militares usaram do turismo para divulgar o exotismo do carnaval e da terra dos prazeres erótico e exótico.

Com isso, podemos entender duas questões separadamente, a primeira por que na maioria das feiras internacionais de que o Brasil participou, o empresariado brasileiro teve um avanço extraordinário em suas vendas e aceitação dos seus produtos no exterior? Pela capacidade de setores que souberam modernizar seus produtos para enfrentar o mercado internacional. A segunda que deve ser percebida separadamente da primeira, a publicidade sobre o Brasil, feita pela EMBRATUR, de 1966 a 1996; nessas feiras, foi uma verdadeira tragédia; o estímulo acentuado a mulheres nuas, com o tratamento de país erótico em que a pobreza obriga mulheres a se prostituir como opção de empregabilidade.

Tudo isso se configura como tragédia que, hoje, apesar da campanha contra o turismo sexual, pode ser percebida no interior dos aeroportos brasileiros, quando da chegada de vôos charters, procedentes do exterior para o nordeste brasileiro. É só permanecermos alguns minutos no saguão dos aeroportos e, pronto, pessoas inescrupulosas, verdadeiros bandidos, fazendo o papel de contato com os estrangeiros para agenciar garotas.

Na história do turismo brasileiro, encontramos inúmeros momentos caricatos, cheio de humor, embalado pela idéia do sofisticado chiquê. Essa é a noção que alimenta o imaginário dos políticos curiosos, que sempre estiveram à frente dos órgãos públicos de turismo, uns mais dedicados a viajar, outros que faziam questão de elitizar a atividade para sair na coluna social, outros, ainda, servindo-se do cargo para galgar posições políticas maiores na área pública ou privada.

O turismo marca a idéia do lúdico, da viagem, do deslocamento, do divertimento e do descanso; tudo isso alimentado pela ideologia neopositivista de que essa é uma atividade reservada às classes abastadas e, portanto, a ênfase é para o turismo receptivo e não para o turismo interno.

A presidência da EMBRATUR continua sendo, palco de disputa de políticos que indicavam protegidos do partido, dos militares e dos meios de comunicação. Essa é uma prática corriqueira e comum no interior do Estado brasileiro que secundariza a competência profissional a favor do apadrinhamento político.

Referências

AÇÃO POPULAR MARXISTA-LENINISTA DO BRASIL. O Livro Negro da Ditadura Militar. S/D.

BARROS, Adhemar Pereira de. Revista Manchete. Eu desembainhei a espada missionária. Rio de Janeiro, 18 de abril de 1964, ano II, n. 626.

BUMEISTER, Hermann. Viagem ao Brasil através das províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. Da Universidade de São Paulo, 1980.

CANCELLI, Elizabeth. O mundo da violência: a polícia da era Vargas. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1993.

CARONE, Edgar. A Terceira República (1937 –1945). São Paulo; Rio de Janeiro: DIFEL, 1976.

CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996, p. 202 e 203.

PADILHA, Pedro de Magalhães. O Turismo. Rio de Janeiro: Bloch Editores, N. 11, 1972 (COLEÇÃO “BRASIL HOJE”).

CRUZ, Denise Rollemberg. A imprensa no exílio. In: Maria Luiza Tucci Carneiro (org.). Minorias Silenciadas. São Paulo: Edusp, 2002.

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__________. O espelho da história: o fenômeno turístico no desenvolvimento da história. In Pasos Revista de Turismo y Patrimônio Cultural. Volumen 5, número1 de Enero de 2007.

__________. O turismo brasileiro: equívocos, retrocessos e perspectivas – o balanço que nunca foi feito. Revista Espaço Acadêmico, Maringá (PR), nº. 25, junho de 2003. Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/025/25jsf.htm . Acesso em 1 de maio 2008.

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* Professor concursado pela Universidade Estadual de Maringá. Autor do livro “Ontologia do turismo: estudo de suas causas primeiras” EDUSC, Universidade de Caxias do Sul.

[1] Sugiro que o leitor leia o artigo, de minha autoria. O espelho da história: o fenômeno turístico no desenvolvimento da história. In Pasos Revista de Turismo y Patrimônio Cultural. Volumen 5, número1 de Enero de 2007. www.pasosonline.org

[2] Consultar na Revista Espaço Acadêmico os textos de minha autoria: EMBRATUR, da euforia ao esquecimento: o retorno às raízes quando serviu à Ditadura Militar. Não estamos em uma ditadura militar, mas servimos a quem? e O turismo brasileiro: equívocos, retrocessos e perspectivas – o balanço que nunca foi feito.

[3] Podemos destacar os seguintes professores (sem seguir ordem de importância) que contribuíram para a existência de uma historiografia do fenômeno turístico brasileiro: Luiz Gonzaga Godoi Trigo; Mirian Rejowski; Mário Carlos Beni; Doris Ruschmann; Margarita Barreto; Marilia Gomes dos Reis Ansarah; Marutschka Moesch; Suzana Gastal; Célia Maria de Morais Dias; Olga Tulik; Eduardo Yázigi; Ada Denker; Haroldo Leitão Camargo; Sara Bacal e outros que a memória me falha.

[4] A estátua do Cristo Redentor, projetada pelo arquiteto francês Paul Landowski e construída pelos brasileiros Pedro Viana da Silva e Heitor Levi, foi iluminada pelo inventor Guglielmo Marconi, de seu iate Ellectra,ancorado na costa britânica.

[5]É importante esclarecer, ao leitor, que os meios de comunicação e setores da academia, no começo do século XIX, usavam a palavra comunismo como sinônimo de socialismo. Esta incompreensão histórica didática reforçou a visão irracionalista e determinou interpretações de cunho positivistas, alimentando a construção da guerra fria e a idéia de Francis Fukuyama sobre a morte do socialismo.
Revista Espaço Acadêmico

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