terça-feira, 23 de agosto de 2011

Fernando Morais reconstrói atuação de espiões cubanos nos EUA

SYLVIA COLOMBO
Os anticastristas mandavam explodir bombas em hotéis de Havana e metralhar navios para espantar turistas. Golpe duríssimo para o pequeno país, que, após o fim da União Soviética (1989), passou a depender muito dos ingressos do turismo.

Bem ao estilo da Guerra Fria, Cuba respondeu foJustificarrmando um grupo de espiões, a Rede Vespa, que se instalou na Flórida a fim de descobrir o que tramavam os inimigos.

Conseguiram, assim, impedir uma série de ataques à ilha. Até que foram pegos pelo FBI, em 1998.

Letícia Moreira/Folhapress

O escritor e jornalista Fernando Morais, que lança o livro " Os ultimos soldados da guerra fria", no seu apartamento em Higienopolis

O jornalista e escritor Fernando Morais, 64, velho conhecedor e amigo de Cuba, autor de "A Ilha" (1976) e "Olga" (1985), investigou o assunto e o resultado é "Os Últimos Soldados da Guerra Fria", lançado agora pela Companhia das Letras.

Morais fez várias viagens à ilha e aos EUA, entrevistou familiares dos envolvidos e alguns dos espiões presos.

Em 2008, conseguiu que o governo cubano lhe entregasse uma documentação valiosa sobre a Rede Vespa. Os papéis só foram parar em suas mãos devido a suas boas relações com Cuba, que já têm mais de 40 anos.

Entre os documentos, está o material que Fidel Castro enviou a Bill Clinton para pedir que os ataques à ilha parassem. O inusitado do diálogo é que ele foi intermediado por Gabriel García Márquez; o Nobel colombiano é amigo de Fidel e defensor de seu projeto político.

"É um episódio importante, porque Clinton ouviu Fidel e os ataques pararam", conta Morais.

O autor relata como os espiões da Rede Vespa se instalavam na Flórida. Mantinham segredo de suas atividades até de suas famílias. "Há o caso de uma das mulheres que se sentiu traída e está ressentida até hoje", conta.

Com poucos recursos, os agentes tinham de achar trabalho para se manter nos EUA. "Visitei apartamentos em que eles moraram, eram quitinetes, lugares muito precários", diz Morais.

Os disfarces eram construídos pela inteligência cubana. Os espiões recebiam novas identidades, às vezes roubadas de bebês mortos nos EUA, e eram obrigados a decorar fatos fictícios sobre toda uma vida pregressa que não haviam vivido.

O autor entrevistou condenados por e-mail e enviou perguntas por meio de suas mulheres, que têm permissão de falar com eles por telefone algumas vezes por mês.

A obra de Morais resgata também a participação de mercenários da América Central contratados pelos anticastristas. Uma das histórias mais interessantes é a do salvadorenho Cruz León.

Fã de Sylvester Stallone, Cruz León conta que se envolveu nos ataques porque queria viver aventuras parecidas com as de seu ídolo.

Com essa motivação, aceitou uma missão quase suicida: colocar bombas em hotéis e num restaurante em Havana por apenas US$ 1.500 cada uma. Acabou descoberto e condenado à morte.

"Os mercenários centro-americanos não conheciam a situação cubana nem sabiam o que estava em questão", diz Morais.

Ao contar sua história ao jornalista, Cruz León explicou o que o moveu a ajudar os anticastristas: "Eu ia pôr bombas num país que nem sabia qual era, voltaria para casa e iria para a cama com a Sharon Stone. Me senti um espião. Me senti o máximo".

Hoje, cinco espiões do grupo seguem presos --os outros foram libertados, beneficiados por delação premiada.

Morais crê que, se Obama se reeleger, deve rever o julgamento. "Pode tentar trocar espiões cubanos por presos políticos americanos em Cuba. Só não faz isso já para não perder votos na Flórida."

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