quarta-feira, 11 de maio de 2011

Cultura e pensamento: o declínio da Grande Arte

A capela Sistina, no Vaticano, foi criada por Michelangelo. Foto: AFP

A capela Sistina, no Vaticano, foi criada por Michelangelo
Foto: AFP

VOLTAIRE SCHILLING
O Estado e a Religião, por séculos, foram os verdadeiros patrões das artes, pelo menos da Grande Arte. Das pirâmides de Gizé ao Pártenon de Atenas, do palácio de Dario em Persépolis à catedral de São Pedro em Roma, da escultura de Zeus em Olímpia à estátua eqüestre de Marco Aurélio, dos murais de Giotto no Santuário de Assis à pintura da Capela Sixtina do Vaticano feita por Miguel Ângelo, todas elas foram expressão estética da grandeza do Estado ou o da Religião. Será possível ambicionar-se que a Grande Arte possa vir algum dia a ocorrer em sociedades democráticas em que aqueles dois poderes não existem mais na mesma dimensão?

O artista, o estado e a religião

Não foi somente os que lidavam com cinzéis, pincéis e formões, como se deu no caso dos escultores e pintores tais como Fídias, Policleto , Agatarco, Appeles, quem se avassalou frente ao Estado e à Religião, pois quem empunhava a pena e o papel também o fizeram. O poeta Homero eternizou os príncipes bárbaros da Grécia Arcaica, os filósofos Platão e Aristóteles redigiram constituições para tiranos e reis: o orador Cícero serviu à República Romana, o magistral Dante criou a epopéia do cristianismo enquanto Shakespeare encenou a crônica trágica dos reis bretões. Das mãos e dos cérebros deles é que se gerou a Grande Arte, aquele que atravessou os tempos e imortalizou seus autores e patrocinadores.

Da arte popular, aquela feita pelo povo para o seu usufruto, o tempo, o vento e a areia trataram de fazer desaparecer. Aqui e ali, nas escavações arqueológicas no Egito, na Turquia, na Grécia ou na Itália, encontra-se uma ânfora, um vaso, um copo de estanho, uma lasca de cerâmica, quase mais nada. Bem pouco disso é relevante sob o ponto de vista da estética e da própria historia da arte.

Houve, assim, ao longo da história, uma íntima relação entre os dois maiores patrocinadores, o imperador e o papa, com a Grande Arte, que é a realmente significativa e que se mostrou capaz de sobreviver aos vandalismos, às guerras e às demais agressões das intempéries. A quem, pois, estaria a Grande Arte a serviço quando tais colossos do Ocidente, a coroa e a mitra, começaram a declinar juntamente com o poder da aristocracia? A quais novos patrocinadores o artista se colocaria então à disposição?

A Era da Soberania do Artista

A revolução Francesa, é consenso, inaugurou uma nova era na história ocidental. Do mesmo modo que emancipou o servo das obrigações feudais e o vassalo em relação ao suserano, emancipou por igual o artista dos seus patrocinadores históricos: o Estado e a Religião.

O contraditório da nova situação deles na modernidade viu-se pelo fato de que pela primeira vez em que os artistas ficaram totalmente livres dos seus antigos patronos, inaugurando a Era da Soberania do Artista, eles sentiram-se totalmente desamparados (a triste fama do artistas solitário, esfaimado e meio doido, tipo Van Gogh, Gauguin ou Modigliani, destruídos pelo álcool e pela incompreensão, surgiu justo naquele época). A liberdade estética deles cobrou seu preço, reduzindo muitos deles a uma vida de privações e doenças.O sentimento de orfandade os acompanhou para sempre.

Nietzsche enxergou nisso o maior perigo para a Grande Arte pois a ausência dos patrocinadores históricos, obrigava o artista a seguir o gosto popular, abrindo assim o caminho para o mau gosto: o império do kitsh.

Duas tentações passaram desde então a rondar os artistas contemporâneos. De um lado, a exigência de dedicarem-se à arte engajada, de colocar o seu métier "a serviço das causas sociais", transformando o artista em "companheiro de viagem" dos novos evangelistas, em defensores das reivindicações dos operários e dos pobres em geral (o ápice desse comprometimento da arte com uma ideologia político-social foi atingido durante os regimes totalitários do século 20 , como por exemplo foi o caso do "realismo socialista" dos stalinistas, e da "arte ariana" dos nazi-fascistas, ambos com pretensões de expressarem a estética do povo comum).

Hermético, incompreensível, inatingível

A outra alternativa era alienar-se das coisas da política. Manter-se à inteira disposição do mercado, em atender aos inconstantes gostos, crescentes e insaciáveis, da sociedade de consumo. Fazer da arte uma mercadoria (como Andy Warhol fez com o seu pôster da sopa Campbell, de 1968) ou um entretenimento ligeiro, como é o caso da novela policial e da historinha de amor.

Os que se negaram a seguir a "Causa" ou ao Mercado, entregues a si mesmo, posam como eremitas modernos, caso foi o caso de Marcel Duchamp. Estes se refugiam numa espécie de limbo estético crescentemente inacessível ao público usual de arte, cultivando um conceptualismo hermético e cada vez mais indecifrável.

Seja como for a Grande Arte parece ter-se ido para sempre do cenário artístico do Ocidente.(**)

(**)A famosa crítica que George Steiner fez em relação aos Estados Unidos, como um país incapaz de produzir a Grande Arte, procede mas com a atenuante de que na América do Norte nunca houve um estado forte como o absolutismo ou uma igreja dominante com deu-se com o catolicismo na Europa Medieval. A falta desse dois grandes patrocinadores das artes fez com que os Estados Unidos se destacassem na cultura de massas, naquilo que é descartável: Hollywood e a Disneylândia.

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