segunda-feira, 4 de abril de 2011

Fé e Razão no Ocidente Medieval


VOLTAIRE SCHILLING
Durante os primeiros séculos da ascensão do Cristianismo como religião oficial do Império Romano e depois dos Reinos Bárbaros, a apologia da fé foi o principal motor da Patrística, a teologia da nova crença. Formou-se então um campo próprio: o campo da fé. Com o tempo, e com a consolidação do poder da cruz, um novo território se fez necessário abrir, o do campo da razão.

O Campo da Fé
O desabamento do Reino dos Césares e a 'pavorosa revolução' que se seguiu a partir do século V, provocaram profunda e radical mudança nos costumes dos homens e mulheres daquela época. Um querer afastar-se de tudo, um sincero desejo de renuncia da vida tomou conta de boa parte da antiga elite do Império Romano, atitude que contaminou inclusive os germanos recém chegados e recém convertidos ao cristianismo. Multiplicaram-se então os mosteiros e os conventos, considerados como os únicos espaços adequados ao que restava da existência de um cristão na Terra.

O monaquismo se espalhou pela Europa bárbara como fogo em palha Entenderam aqueles edifícios, imponentes construções de pedra que dominavam os altos das colinas e das montanhas de boa parte da Europa, como os únicos habilitados, graças ao ambiente angélico, a promoverem a entrada de um crente no Reino dos Céus.
O mosteiro ou o convento era a Cidade de Deus aqui na Terra, o protótipo humano do mundo da perfeição que certamente os bem-aventurados encontrariam no Além. Chateaubriand, um apologista do Cristianismo, os denominou como 'espécies de fortalezas que a civilização se abrigou sob o pendão de qualquer santo(...) sem a inviolabilidade do claustro, os livros e as línguas da Antiguidade não nos teriam sido transmitidas..'(cit. por Daniel-Rops, pág.407).

Apesar de dotados de farta livralhada, códices, rolos e pergaminhos antigos, as bibliotecas monacais não estavam voltadas para o conhecimento mas para a exaltação e celebração de Deus. Em suas mesas debruçavam-se os copistas, monges laboriosos e pacientes que reproduziam uma a uma, com caligrafia finamente trabalhada, as páginas dos Livros Sagrados ou as dos sábios e literatos pagãos. Impediram assim com seu dedicado labor que os memoráveis preceitos e os diversos estilos do passado viessem a cair no esquecimento, preservando-os para o futuro.

As Ordens Religiosas
Surgem então as primeiras Ordens Religiosas (*): em Montecassino fundou-se a Abadia dos Beneditinos, no ano de 529, por iniciativa de Bento de Núrsia, o prior responsável pela fixação das famosas Regula Benedicti que serviriam de modelo para as demais constituições monacais que iriam se formar posteriormente. Entre elas a famosa Ordem Cluniacense ou de Cluny fundada por S.Bernardo na Abadia de Clarivaux, o 'Vale da Luz', na Burgúndia, no ano de 1115. Em 1209 foi a vez de Alberto de Jerusalém legar regras para a Ordem dos Carmelitas, monges que moravam no Monte Carmelo, na Terra Santa.

Neste mesmo ano, Francisco di Boldone, um filho de um bem sucedido comerciante de tecidos da Úmbria que abandonara a família para dedicar-se aos pobres e aos desvalidos, também estabelece as regras para os seus companheiros, os irmãos franciscanos, os Penitentes de Assis, a quem, repetindo o Evangelho de Mateus, teria dito 'todo aquele que quiser seguir-me, renuncie a si mesmo e tome a sua cruz'.

Dois anos depois da morte dele, seus seguidores da Ordem dos Irmãos Menores, providenciaram a edificação da monumental Basílica de Assis, em 1228. A Ordem dos Irmãos Pregadores, por sua vez, mais conhecida como Dominicana, autodesignada como a 'Milícia de Cristo', bem mais intelectualizada do que a dos franciscanos, foi fundada pela mesma época ,em 1217 em Toulouse, na França por S.Domingos de Gusmão, o seu primeiro Mestre-Geral. Ainda que sua intenção era combater a heresia dos cátaros, não se descuidou de estar presente em Roma por meio dos conventos de São Sisto e de Santa Sabina.
(*) Ordem, para os romanos chegou a designar um corpo privilegiado isolado do resto e investido de responsabilidades particulares. Também foi percebida como uma organização justa e boa do universo, aquilo que a moral, a virtude e o poder têm como missão conservar. Entenderam-na por igual como 'um exército que lutava contra o mal', com diferentes tarefas e diferentes ofícios hierarquizados.(ver G.Duby - Los tres órdenes.... pág. 99-102)

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