quarta-feira, 27 de abril de 2011

Ecos da Revolução de 1930


Movimento ocorrido no início do século 20 completa 80 anos e legado se mostra atual na discussão sobre modelo do Estado
Por Moriti Neto
Há 80 anos, iniciava-se um evento que encerrava um capítulo da história da sociedade brasileira, à época calcada no monopólio do poder nacional pelos cafeicultores paulistas e em uma aliança político-eleitoral entre São Paulo e Minas Gerais. Esse pacto garantia o controle do Estado com o compromisso de alternância na presidência, numa espécie de revezamento, quando ora assumia um candidato paulista, ora um mineiro, ainda na República Velha (1889-1930).
Em contrapartida, com a queda dessa estruturação, abriam-se as páginas para o fenômeno batizado como “Revolução de 30”, precursor de um papel mais forte do Estado e do populismo, tendo como figura central Getúlio Vargas, no cenário político nacional. Muitos livros didáticos de história descrevem que a movimentação capitaneada por Getúlio derrubou a hegemonia da Região Sudeste, e que o Brasil, então um país rural e exportador de produtos agrícolas, passou a caminhar em direção a um modelo de desenvolvimento industrial e urbano.
No entanto, apesar do inquestionável valor histórico do momento, diversas questões importantes podem ser levantadas. Desde o termo “revolução”, passando pelas suas consequências e o aprofundamento de transformações sociais, a efeméride é tratada com visões diferentes no meio acadêmico, mesmo que pontualmente.
A República Velha
O sistema da República Velha mantinha o controle político e econômico do país nas mãos de fazendeiros, ainda que as atividades urbanas fossem o polo mais dinâmico da sociedade. Entre 1912 e 1929, a produção industrial cresceu aproximadamente 175%. Todavia, a política econômica do governo continuava privilegiando os lucros das atividades agrícolas. Com a crise mundial do capitalismo, em 1929, os ganhos financeiros da produção cafeeira não conseguiam se sustentar. O presidente Washington Luís (1926-1930) buscou conter a crise no Brasil, mas em vão. Naquele ano, a produção interna chegava a 28 milhões de sacas, mas só foram exportadas 14 milhões, sendo que, na ocasião, existiam imensos estoques acumulados.
Além dos problemas econômicos, as conceituações políticas também eram conflitantes, pois a República Velha não podia ser considerada um período de regime democrático no Brasil. O operariado, a burguesia e até parte do setor oligárquico sentiam-se profundamente incomodados e passaram a organizar movimentos, como greves e rebeliões. “As elites dominantes se diziam republicanas e liberais e apreciavam o modelo democrático europeu, cristalizado pelos ideais da Revolução Francesa, principalmente no que se refere aos princípios de liberdade e igualdade, mas o que estava escrito na lei e assegurado pela Constituição não se aplicava na prática. No processo eleitoral, podemos afirmar que as eleições eram constantemente fraudadas e a violência era presente. O voto, além de não ser um direito estendido a toda população adulta, também não era secreto”, explica o professor da Universidade Nove de Julho (Uninove) Renato Cancian.
Uma questão importante – que envolvia fraudes nas eleições – estava associada ao fenômeno do coronelismo e do voto de cabresto nas regiões agrárias do país, que era a expressão do controle das elites sobre os eleitores pobres. “No que diz respeito às liberdades públicas e aos direitos civis, a Constituição assegurava-os, porém, na prática, as desigualdades sociais e a hierarquização social eram anteparos à igualdade jurídica”, destaca Cancian.
O sistema político da época estava baseado na chamada “política dos governadores”, firmada durante o governo do presidente Campos Sales (1898-1902) e considerada um acordo entre as elites dominantes agrárias mais fortes do país. Tal política consistia em um pacto entre as oligarquias cafeeiras paulista e mineira, com o objetivo de estabelecer a hegemonia nacional em defesa dos interesses elitistas. Por meio de acordos entre o Partido Republicano Paulista (PRP) e o Partido Republicano Mineiro (PRM), os dois estados indicavam um nome de consenso como candidato ao governo federal e elegeram praticamente todos os presidentes da República.
“As elites agrárias cafeicultoras de ambos os estados utilizaram, no transcurso da República Velha, o poder político governamental para defender interesses econômicos. Evidentemente, as oligarquias de outros estados da federação, que estavam excluídas do pacto de dominação paulista/mineiro, tentaram se opor a isso. No final da década de 1920, as pressões e conspirações das oligarquias dissidentes ampliaram-se. Não obstante, foi o rompimento da aliança entre São Paulo e Minas Gerais, no final da década, que forneceu o estopim provocador do movimento revolucionário que solapou a República Velha” , comenta Renato Cancian.
“Naquele tempo, existiam muitos partidos localizados, regionais. Na verdade, havia uma infinidade de siglas, com interesses diversificados. O predomínio do Partido Republicano incomodava esses setores. Isso colaborou bastante com os movimentos que se seguiram. Os 18 do Forte de Copacabana, em 1922, por exemplo, pedem uma mudança política. Em 1924, ocorre o levante da Força Pública de São Paulo, também com motivações de origem política. O ambiente para 1930 começava a se desenhar”, diz o professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) José Paulo Martins Júnior.
O fato que ficou conhecido como Revolta dos 18 do Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro, em 1922, foi o primeiro movimento militar (tenentista) armado, que pretendeu tirar do poder as elites tradicionais, refletindo o descontentamento com a organização política e econômica da época e característica do exército brasileiro. O levante paulista de 1924 gerou a segunda ação organizada de tenentes com objetivos semelhantes. Mais numeroso, esse segundo movimento ocupou a cidade de São Paulo por 23 dias, forçando o presidente do estado, Carlos de Campos, a fugir para o interior paulista, depois de um bombardeio ao Palácio dos Campos Elíseos, sede do governo na época. “O movimento foi forte. Já haviam ocorrido greves, mobilizações de trabalhadores, mas é mais difícil conter militares do que operários. O governo federal teve que tomar medidas drásticas. São Paulo foi bombardeada por aviões e mais de 3 mil pessoas morreram, portanto, as condições políticas para o que viria a acontecer em 1930 estavam sendo gestadas nas décadas de 1910 e 1920, desde greves do operariado até as rebeliões dos tenentes”, relata Martins Júnior.
Com a nova conformação social que surgia, ou seja, o fortalecimento de uma classe média que se organizava, as oligarquias dominantes se surpreenderam ao ter que lidar com a parcela da sociedade que exigia participação nas decisões dos rumos da nação. Faltava um fator econômico de grandes proporções para abrir de vez as portas da derrubada do sistema político.
A crise econômica mundial, ocorrida em 1929, teve influência decisiva no processo revolucionário, culminando com a tomada do poder pelos tenentes liderados por Getúlio Vargas. A economia brasileira era extremamente dependente de empréstimos externos para financiar a produção e exportação do café. “Nesse contexto, os mercados consumidores e os financiamentos externos encolheram demais. Diante da crise, as elites agrárias cafeicultoras dos estados de São Paulo e Minas Gerais, principais produtores de café, tentaram obter o apoio do governo federal, que foi incapaz, porém, de dar continuidade à política de proteção do setor cafeicultor. Assim, o ano de 1929 também deixou em evidência os limites da economia agroexportadora e a necessidade de se industrializar o Brasil”, descreve Renato Cancian.
A atuação dos estados
Alguns estados desempenharam papel relevante e decisivo no conflito político. Na sucessão presidencial de 1930, São Paulo e Minas Gerais discordaram sobre o nome do candidato que disputaria o pleito. O presidente Washington Luís apoiou a candidatura do paulista Júlio Prestes em vez de declarar-se a favor do mineiro Antônio Carlos, mantendo a política do café com leite. A atitude levou Minas Gerais a romper com a aliança e a apoiar as oligarquias de outros estados: Rio Grande do Sul e Paraíba.
Os três estados formaram um grupo político de oposição chamado Aliança Liberal, que, nas eleições, apresentou a candidatura à Presidência do gaúcho Getúlio Vargas, ex-ministro da Fazenda de Washington Luís, e do paraibano João Pessoa para vice-presidente. Nas urnas, eles foram derrotados pelo candidato do governo, Júlio Prestes, que não chegou a tomar posse.
Meses depois das eleições, o movimento que colocou Vargas no poder explodiu. Contando com o apoio militar dos tenentes, as oligarquias dissidentes de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul desencadearam a revolta em várias regiões. Diante de uma iminente guerra civil, as forças armadas, exército e marinha, deram um golpe de Estado, depondo Washington Luís. “Houve o assassinato de João Pessoa, num crime passional, que foi usado como motivo para o golpe militar, mas as causas verdadeiras eram outras e já estavam presentes há muito”, lembra José Paulo Martins Júnior.
Uma junta militar transmitiu o governo a Vargas. Depois de controlar os focos de resistência nos estados, Getúlio e aliados chegaram ao Rio de Janeiro, em novembro de 1930. A partir dali, vem o período designado como “Era Vargas”, que garantiu o controle do Estado brasileiro de 1930 a 1945. “Tivemos uma fase provisória, inicialmente constitucional. Depois, em 1937, um sistema autoritário, que promove mudanças na economia e nas instituições políticas, com a atuação populista de Getúlio”, ressalta a professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Carla Longhi.
Revolução?
Há debates sobre a consistência da rotulação de “Revolução de 30”, dada por historiadores ao golpe militar que levou Getúlio Vargas ao poder. É verdade que houve movimentação de tropas nas ruas, e que fogueiras foram armadas com móveis e cadeiras das redações de jornais governistas, em grandes cidades brasileiras. Porém, seria isso suficiente para justificar que o acontecimento seja chamado de revolução? Teriam ocorrido transformações profundas na sociedade que possam embasar a utilização do termo?
José Paulo Martins Júnior acredita que a palavra “revolução” é adequada. “Houve mudanças estruturais no Brasil a partir de 1930 em questões políticas, econômicas e sociais. As mulheres passam a exercer o direito constitucional de votar, cria-se a Justiça Eleitoral, muitos direitos trabalhistas, reivindicações históricas dos operários são atendidas, e o Estado se torna protagonista na economia. As transformações foram profundas”, argumenta.
Carla Longhi, contudo, considera que o momento não foi revolucionário pela ausência de aprofundamento das transformações, que poderiam alterar a estrutura social da época. “Eram as classes dominantes que se movimentavam, num rearranjo político. Ocorreram reformas, mas não mudanças profundas no sistema social. Creio que Movimento de 30 é mais adequado do que Revolução”, frisa.
“Houve uma reestruturação político-estatal no Brasil após a Revolução de 1930. O período do governo Vargas, dividido em três fases distintas – governo provisório, governo constitucional e Estado Novo, imprimiu um legado que perdura até os dias de hoje no que se refere à modernização das estruturas estatais e ampliação das funções do Estado brasileiro, ampliando as funções sobre as áreas econômica, política e social”, relata Renato Cancian, sobre a herança deixada pelo movimento de 1930 no sistema político.
Como legado, a história deixou reflexos importantes, que perduraram na linha do tempo e estão bastante vivos nos dias atuais. Por ele, passam debates referentes ao papel de um Estado forte, capaz de conduzir o país na direção de formatações socioeconômicas que possibilitem a mobilidade da população de uma classe social a outra, como na questão da transferência de renda, e no tamanho da presença estatal no setor econômico, preparando as bases, por exemplo, para as relações comerciais externas, seja em tempos de calmaria ou de movimentos bruscos, como na crise mundial de 2008.
Nesse sentido, a discussão se mostra atual, considerando que projetos tão diferentes, que evidenciam distância marcante na concepção de autonomia nacional, estão em curso no período eleitoral.

REVISTA FÓRUM - Outubro de 2010

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