quarta-feira, 30 de março de 2011

João Goulart - O ministro dos trabalhadores


João Goulart ao centro durante sua posse como ministro do Trabalho do governo Getúlio Vargas. 17 jun. 1953.A posse de João Goulart no Ministério do Trabalho do governo Getúlio Vargas, em 17 de junho de 1953, não deve ser entendida como um acontecimento político-administrativo como tantos outros do gênero, ocorridos anteriormente ou posteriormente. Há, pelo menos, duas razões para isso. A primeira tem a ver com a escolha do nome do ministro, ou seja, com sua trajetória política e com o que ela representava. A segunda envolve as circunstâncias em que ele chega ao cargo, ou seja, no bojo de uma reforma ministerial que provocou polêmica entre os contemporâneos e que ainda hoje suscita debates na literatura que trata do tema.

Jango, como era conhecido e gostava de ser tratado, torna-se ministro aos 35 anos; jovem em idade, mas nem tanto em experiência política. Sua carreira foi meteórica. Entre 1947 e início de 1952, foi deputado estadual, deputado federal, secretário de Interior e Justiça e principal organizador do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) gaúcho. Além disso, e o que o qualifica para uma posição tão alta em momento tão delicado são suas estreitas ligações pessoais com Vargas e sua já inequívoca liderança dentro do PTB. Presidente do partido desde 1952, Jango já era identificado em 1953, para o bem e para o mal, como um líder partidário de grande carisma junto à classe trabalhadora, além de receber uma especial atenção do presidente.

Toma posse no bojo de uma grande reforma ministerial e em meio a uma crise que atingia especialmente o Ministério do Trabalho. Essa reforma tem sido interpretada por uns como uma "virada à esquerda" do governo Vargas e, por outros, como uma maturação das intenções conciliadoras do mesmo governo, que insistia na busca de um consenso político. Esta última perspectiva tem ganho espaço crescente entre os estudiosos, o que implica em se pensar por que, sobretudo para os contemporâneos (militares e civis de vários partidos), interessava ou era possível ver a reforma como uma possível "radicalização popular" do governo. A resposta está, em boa parte, nas ações do titular da pasta do Trabalho.

Segadas Viana (ao centro) abraça João Goulart durante a cerimônia de transferência do cargo de ministro do Trabalho. 17 jun. 1953.

Jango é nomeado ministro quando José de Segadas Viana, outro petebista, pede exoneração do cargo, devido a discordâncias relativas ao tipo de condução política a ser dada a uma grande greve de marítimos que paralisava os portos do Rio de Janeiro, Santos e Belém. Portanto, a substituição não só deixa clara a existência de confrontos dentro do PTB no que dizia respeito às relações com o movimento sindical, como explicita o apoio que Vargas estava disposto a dar a uma nova estratégia proposta por seu jovem ministro. Em lugar de convocar os reservistas da Marinha de Guerra para substituir os grevistas, que seriam considerados desertores se fosse usada uma legislação, nunca aplicada, da época da Segunda Guerra Mundial, Jango estabelece negociações com os sindicalistas e esvazia a greve. Sua fórmula, que propunha menos repressão, vinha a calhar, pois o governo não estava em maré de popularidade junto aos trabalhadores. Um governo, aliás, que ainda na campanha de 1950 agitara como bandeira os ideais trabalhistas, marca registrada de Vargas desde o Estado Novo. Um fracasso nesse campo estratégico pelo que simbolizava e pelo número de votos que envolvia era, efetivamente, um sinal de derrota para a liderança pessoal de Vargas e para o bom curso do restante de seu mandato. A escolha de Jango, portanto, foi um ato ousado do presidente, mas o teste que o ministro enfrentaria tinha alto grau de complexidade e importância políticas.

Num certo sentido, pode-se dizer que Jango se saiu muito bem. Cerca de dez dias depois de tomar posse, a greve estava encerrada. Houve reuniões com o comando geral e o próprio ministro se encontrou com empregadores e trabalhadores para encaminhar uma solução definitiva. Muitas demandas dos grevistas foram atendidas e o impopular presidente da Federação dos Marítimos foi afastado. Uma ação rápida, que evidenciou o estilo político de um ministro que gostava de falar pessoalmente com lideranças sindicais e que intervinha diretamente na dinâmica das negociações dos conflitos trabalhistas. Interessante por um lado e assustador por outro, especialmente para setores conservadores e oposicionistas, como os militares e os udenistas, sempre dispostos a mobilizar o medo face à ameaça do "continuísmo" de Vargas e/ou de uma excessiva aproximação sua com a "massa trabalhadora". De fato, esse é o tom que marca a curta e ativa gestão de Jango na pasta do Trabalho: maior aproximação com setores sindicais e crescentes acusações por parte de variados grupos políticos oposicionistas.

Angela de Castro Gomes

http://www.fgv.br

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