sábado, 20 de novembro de 2010

Governo do General Ernesto Geisel ( 1974 – 1979 )


O novo general-presidente, Ernesto Geisel, assumiu o governo num momento difícil da economia do Brasil e do mundo, Para alimentar o crescimento, ele pediu emprestado aos banqueiros estrangeiros e tratou de emitir papel-moeda. A inflação começou a aumentar e a engolir salários. Era o fim do “milagre econômico”. Agora, a insatisfação crescia. Isso ficava claro com o aumento de votos do MDB. Geisel percebeu que a ditadura estava chegando ao fim de sua vida útil. O jeito era acabar com o regime mas manter as coisas sob controle. Com ele, começaria a “distensão lenta e gradual”.

O ano de 1973 assinalou o inicio de um choque na economia capitalista mundial. Parecida com a de 1929, mas com efeitos bem menores para os países capitalistas desenvolvidos, que empurraram a crise para cima do Terceiro Mundo. De certa forma, os apertos econômicos dos países subdesenvolvidos, nos anos 90, foram continuação do processo de 1973.

Tentaram botar a culpa nos árabes, porque eles aumentaram os preços do petróleo: Conversa fiada. O aumento foi apenas a recuperação de preços, que vinham caindo muito, desde os anos 50. Para você ter uma idéia, antes do aumento imposto pela OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) em 1973, o preço do barril de petróleo no mercado mundial era inferior ao do barril de água mineral! Claro que o aumento dos preços pegou todo mundo de surpresa, aumentou os custos, cortou os lucros, provocando inflação e desemprego. A crise do petróleo reforçou a crise geral do capitalismo em 1973. Mas com certeza a crise não foi só energética. Afinal, países exportadores de petróleo também entraram em crise!

O que aconteceu foi uma crise clássica de superprodução de mercadorias, tal como ocorrera em 1929. Depois da Segunda Guerra, os EUA representavam metade da produção econômica mundial. Mas nos anos seguintes a Europa Ocidental recuperou plenamente sua economia. Surgiu também um grande competidor, o Japão. De repente, o mercado mundial ficou apertado, não havia como continuar investindo capital nos mesmos ritmos. As mercadorias começaram a ficar encalhadas e logo vieram as falências, a inflação, a recessão.

Aqui no Brasil, o governo botava a culpa nos outros. Dizia que a crise era mundial. Certo. Mas por que aqui ela era tão devastadora? Porque a política econômica da ditadura nos tornava indefesos. O petróleo não representava nem 25% das nossas importações em 1975. Além disso, não só aumentou nossa produção interna, como seus preços internacionais cairiam nos anos 80. No entanto, a crise foi aumentando, ano após ano. Uma coisa tão braba que o nosso jovem leitor com certeza viveu a maior parte de sua vida sob o signo da crise econômica brasileira.

O que acontece é que o modelo econômico da ditadura era baseado no pequeno mercado interno, representado pelos ricos e pela classe média. O país estava se transformando na Belíndia, uma mistura da Bélgica com a Índia: uma quantidade razoável de pessoas (classe média e superior) com padrão de consumo de país desenvolvido, vivendo numa área com grandes centros industriais e financeiros, ou seja, a parte do Brasil parecida com a Bélgica, e a gigantesca maioria (classe média baixa e classes inferiores) com padrão de vida muito baixo, milhões vivendo tão miseravelmente como na Índia. Tinha-se alcançado um estágio em que não dava para aumentar a produção, por falta de consumidores aqui dentro. A Bélgica da Belíndia era pequena e a Índia da Belíndia era cada vez maior. Como produzir mais automóveis se a maioria dos brasileiros não tinha dinheiro para comprá-los?

Ficava claro que só havia um jeito de ampliar o mercado consumidor: distribuindo renda. Para isso, seria preciso tocar em privilégios, mexer em interesses poderosos. Então, o regime militar não faria nada disso.

O governo preferiu outro caminho. Para a economia não entrar em recessão, isto é, para a economia não regredir, o Estado começou a tomar empréstimos externos para financiar a produção. Supunham que a economia cresceria, que as exportaÇões se tornariam espetaculares e que tudo isso daria condições de pagar a dívida externa. Só que os banqueiros internacionais não são trouxas. Emprestaram dinheiro porque sabiam que o Brasil teria de devolver muito mais em forma de juros. Se fizer mos as contas direitinho no papel, vamos concluir que nos anos 70 e 80, o Brasil pagou, só de juros, muito mais do que pediu emprestado! Ou seja, já pagamos tudo, continuamos pagando e ficamos devendo mais ainda! A dívida externa funciona como uma bomba de sucção que chupa os recursos da economia do Brasil. Aliás, o problema da dívida externa é comum em todo o Terceiro Mundo. Segundo os dados insuspeitos do Banco Mundial, na década de 80 foram drenados bilhões de dólares do Terceiro Mundo para o Primeiro. Ou seja, a parte pobre, esfarrapada e faminta do planeta é que mandou dinheiro para a parte milionária! Nos anos 90, é óbvio, esse esquema continua.

O mais triste é quando a gente constata que grande parte da dívida externa brasileira foi contraída financiando a vinda de multinacionais, construindo obras gigantescas só para favorecer empresas estrangeiras (estradas, hidrelétricas), sem falar construções que o governo nunca terminou, deixando as máquinas e o material serem destruídos pelo tempo.

Pois é, apertado, o governo precisava de mais dinheiro ainda. Para ele, é fácil. É só fabricar, emitir papel-moeda. Aí, vem a inflação. Para evitar a inundação de dinheiro, o governo criou mercados abertos (opens markets), vendendo títulos, ou seja, papéis expedidos com a garantia do governo, que mais tarde poderiam ser resgatados (o proprietário devolveria para o governo em troca de dinheiro) por um valor superior. A idéia era "enxugar" o mercado, mas a medida deu a maior força para tudo quanto é tipo de especulação financeira, quer dizer, os empresários manobravam para negociar esses títulos com altos lucros. Eis aí um dos grandes problemas da economia brasileira a partir dali: a especulação financeira. Ela é um ganho artificial, já que não envolve nenhum investimento produtivo. No fundo, está transferindo riqueza da sociedade para o bolso de alguns espertinhos.

A crise se manifestava com a queda da proporção dos lucros. Os empresários não tinham conversa: buscaram lucrar na marra, botando os preços lá em cima. Ora, é impossível que os empresários, como um todo, possam lucrar na base do simples aumento de preços. Quando alguém aumenta os preços, o outro aumenta também para compensar. Os trabalhadores querem salário maior só para compensar a perda com os aumentos gerais de preços. Os empresários aumentam os salários e, em seguida, sobem mais ainda os preços para reparar as perdas com a alfa de preços e salários. Vira um círculo vicioso. Resultado: o dinheiro vai perdendo o valor. Espiral inflacionária. E o pior é que geralmente os preços crescem mais rápido do que os salários. Portanto, quem mais perde com a inflação são os trabalhadores. Pois a inflação veio a jato, mas os salários andam a passo de cágado.

O general Ernesto Geisel era irmão do arquipoderoso general Orlando Geisel. Família unida é ditadura unida. Sua presidência ocorreu dentro desse panorama de crise econômica. Mesmo assim; Geisel se deu ao luxo de ter um ministro do Trabalho, Arnaldo Prieto, cuja mansão em Brasília, segundo o Jornal do Brasil, consumia, mensalmente, 954 kg de carne e 432 kg de manteiga, Que coisa: uma tonelada de bifes por mês, como devia ser gordo o ministro do Trabalho! Bem, com certeza os salários dos trabalhadores não eram tão gordos.

No meio da crise de energia, o Brasil teve a sorte de descobrir petróleo na bacia de Campos (RJ), em frente à cidade de Macaé. A Petrobrás pôde aumentar sua produção espetacularmente. Mas Geisel tinha também outros planos para resolver o problema energético: como não havia dinheiro no Brasil, a solução foi gastar mais dinheiro ainda. O acordo nuclear Brasil-Alemanha custou uma fortuna de bilhões de dólares. Para fazer usinas perigosíssimas num país onde 80% do potencial hidrelétrico ainda não foi aproveitado. Incrível, não? A usina de Angra dos Reis (RJ) fica exatamente entre os dois maiores centros industriais do país: São Paulo e Rio de Janeiro. Imagine se houvesse um acidente nuclear!

Na verdade, a velha Doutrina de Segurança Nacional continuava ativa. Geisel montou um acordo nuclear com a Alemanha porque acreditava que o Brasil precisava aprender a dominar a tecnologia capaz de produzir, num futuro próximo, a bomba atômica. Na mesma época, a Argentina, que vivia uma ditadura militar desde 1976, também sonhava com cogumelos nucleares. Guerra: coisa de gente que andou tomando uns cogumelos não exatamente nucleares, não é verdade?

No mesmo ano (1975), teve início o Projeto Pró-álcool. A idéia era substituir a gasolina pelo álcool combustível. Os usineiros se alegraram. As plantações de cana-de-açúcar foram ocupando tudo quanto é lugar, expulsando os camponeses moradores, acabando com as plantações de alimentos (tornando a comida mais cara) e despejando o poluente vinhoto nos rios. Nos anos 80, com a queda do preço mundial de petróleo, o Brasil ficou com uma enorme frota de carros movidos a um combustível caríssimo. Já em 1990, querendo melhores preços, os usineiros '`sumiriam" com o álcool. Na verdade, o álcool se revelou um combustível muito mais caro do que a gasolina (no posto, o álcool é mais barato porque é subsidiado, ou seja, o governo paga uma parte da conta. Mas onde arruma dinheiro para fazer essa caridade? Cobrando mais alto pela gasolina. Trocando em miúdos: quem tem carro a gasolina está ajudando a encher o tanque de quem tem carro a álcool). O que se viu nesses anos todos foi o governo emprestando milhões de dólares aos usineiros do Nordeste, do Rio de Janeiro e de São Paulo e depois perdoando as dívidas porque não suporta mais a choradeira dos produtores de álcool e açúcar. Enquanto isso, os cortadores de cana continuam passando fome.

Ora, por que não estimularam o transporte ferroviário e o fluvial, bem mais baratos, podendo, em alguns casos, usar energia elétrica? Não foi incompetência. Na verdade, desde Juscelino que uma das espinhas dorsais de nossa indústria é fabricação de automóveis e caminhões. As pressões das multinacionais desse setor forçaram o governo a abandonar outras opões de transporte. As estradas de ferro, tão importantes nos países desenvolvidos, foram relegadas a segundo plano pelo governo e as estatais deste setor tiveram seus recursos cortados.

O II PND (Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento) - o I PND foi no governo Médici, sob a batuta do ministro Delfim Netto -, comandado pelo ministro da Fazenda, Mário Henrique Simonsen, e pelo do Planejamento, Reis Velloso, tinha como objetivo começar a substituir as importações de bens de capital (indústria de base). Para isso, o BNDE concedeu créditos generosos a empresas privadas do setor, mas principalmente as empresas estatais tiveram grande crescimento, especialmente a Eletrobrás (que comprou a multinacional Light and Power e levou adiante a construção da maior usina hidrelétrica do mundo, Itaipu, na fronteira com o Paraguai), a Embratel (telefones, satélites de comunicações, televisão etc.), a Petrobrás e as estatais de aço. Tudo isso alimentado por uma dívida externa que aumentava sem parar. Em breve, os banqueiros viriam cobrar a dívida e os juros. Aí, a economia sentiria a fona de sucção dos interesses internacionais.

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