segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Combata às Pragas Urbanas

As condições precárias de higiene em que se encontravam os centros urbanos e as cidades portuárias do Brasil, no início do século XX, resultaram em epidemias de doenças como varíola e febre amarela. Para eliminar as pestes, os sanitaristas Oswaldo Cruz e Vital Brazil tomaram medidas extremas, como a vacinação obrigatória

POR SUCENA SHKRADA RESK



Foto da Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro, na década de 1930: condições sanitárias das grandes cidades brasileiras eram precárias no início do século XX

Um novo cenário social surgiu no Brasil após a abolição da escravatura (1888) e da instituição da República (1889). Nessa época, no final do século XIX, o processo imigratório, que ocorria principalmente por meio dos portos da então capital Rio de Janeiro e de Santos, em São Paulo, deflagrou um quadro preocupante de saúde pública e de crescimento desordenado dos centros urbanos.

Epidemias de peste bubônica, varíola e febre amarela vitimaram centenas de cidadãos. O auge dessa crise sanitária ocorreu na primeira década do século XX, quando as autoridades públicas deram início a políticas contundentes e polêmicas de saneamento e prevenção vacinal. Com essas medidas, foi instituído um verdadeiro plano de guerra.

Em 1903, o presidente Rodrigues Alves, que governou o Brasil de 1902 a 1906, empossou o cientista e sanitarista paulista Oswaldo Cruz (1872-1917) no cargo de diretor-geral de saúde pública (equivalente à função atual de ministro da saúde). Formado na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Oswaldo Cruz havia feito um estágio no Instituto Pasteur de Paris, onde se especializou em bacteriologia. A tarefa dele era controlar e erradicar as epidemias e restabelecer um quadro mínimo sanitário na capital.

O porto de Santos (foto de 1870) era uma das principais portas de entrada de novas doenças e infecções, trazidas pelos imigrantes europeus. Apesar da varíola ser a peste principal, as aglomerações favoreciam todo tipo de epidemia

Como retaguarda técnica, tinha a estrutura do Instituto Soroterápico Federal, criado em 1899, sob a direção do Barão de Pedro Aff onso, cuja direção-técnica estava sob sua responsabilidade. A unidade de Manguinhos, em Inhaúma, no Rio de Janeiro, havia sido inaugurada para auxiliar na produção do soro antipestoso, que até então só era elaborado pelo Instituto Pasteur para dar conta da peste bubônica, que estava descontrolada mundialmente.

A cidade do Rio de Janeiro, desde o final do século XIX, sofria um processo de urbanização descontrolado. "Muita gente que havia combatido em Canudos foi morar no Morro da Providência (um dos primeiros a ser ocupado na cidade). Existia uma quantidade grande de cortiços, famílias morando em poucos cômodos e praticamente não havia iluminação. As pessoas adoeciam em decorrência da febre amarela, da peste bubônica, da varíola, da tuberculose. Essas doenças se propagavam devido à umidade e à deficiência sanitária", diz a pesquisadora Ana Luce Lima, do Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, no Rio de Janeiro.

Com o desafio de colocar a saúde pública da capital do País em ordem, Oswaldo Cruz adotou medidas que causaram alvoroço principalmente entre as classes mais populares, que repercutiram nos tablóides da época. Como a cidade estava infestada de ratos, vetores da peste bubônica, o médico chegou a instituir recompensa de "um tostão" para quem conseguisse capturar um rato e o entregasse ao Serviço Sanitário.



Da esquerda para a direita: sobreviventes da guerra de Canudos, na Bahia; imigrantes portugueses, recémchegados ao Brasil; cortiço no Rio de Janeiro - população que se amontoava nos centros urbanos

Operação Mata-Mosquito

Para colocar seu plano em prática, Oswaldo Cruz iniciou uma campanha de saneamento com as chamadas "brigadas mata-mosquitos", que ainda hoje são realizadas, como no caso de combate à dengue. "Oswaldo Cruz trouxe o modelo de combate à doença adotado pelo exército americano em Cuba", conta Ana Luce. Os funcionários do serviço sanitário visitavam as casas para verificar e exigir o fim de poças d'água, que eram os criadouros das larvas dos mosquitos. Quando os moradores não permitiam a visita, os inspetores invadiam as casas com o aval de policiais.

Oswaldo Cruz instituiu a obrigatoriedade da vacinação e causou uma revolta popular

O objetivo das operações sanitárias era destruir tudo que pudesse ser foco de vetores das doenças, de insetos a ratos. Os cortiços e as casas mais modestas em estado precário eram postos abaixo e seus moradores tinham de buscar outras alternativas de residência. "Pereira Passos, que era o prefeito do Rio de Janeiro e responsável pela remodelação arquitetônica da capital, tinha um projeto de habitação popular, na época, mas que não vingou", afirma Ana Luce. A reforma urbana de Pereira Passos ficou conhecida como bota-abaixo.

Em apresentação ao 4º Congresso Médico Latino-Americano de 1909, Oswaldo Cruz falou que a grande dificuldade da campanha pela profilaxia da febre amarela, iniciada em 20 de abril de 1903, é que nessa época o Rio de Janeiro já contava com uma população de mais de 800 mil pessoas, além do relevo acidentado. Esse grande número de habitantes dificultou a tarefa das autoridades sanitárias.

Para dar conta das operações, a cidade foi dividida em zonas, onde as equipes realizavam o trabalho de isolamento dos pacientes em hospitais ou domicílios, e expurgo com gás sulfuroso. Outra tarefa era fazer o policiamento dos focos dos criadouros do mosquito e destruir as larvas, desde o interior dos imóveis até calhas, telhados, córregos e vasos.


A Revolta da Vacina


Foi com a reformulação do código sanitário, em 1904, quando Oswaldo Cruz instituiu a obrigatoriedade da vacinação contra a varíola, que se desencadeou uma reação em massa, em 9 de outubro do mesmo ano, que ficou conhecida como Revolta da Vacina. Segundo registros históricos, a obrigatoriedade da vacinação já constava em uma lei de 1837, mas que nunca havia sido colocada em vigor. De acordo com essa norma, qualquer pessoa que se candidatasse a uma função pública, se matriculasse em uma escola ou tivesse de viajar, deveria se vacinar.

"Nessa época, saíram muitas caricaturas nos principais jornais, ora ridicularizando, ora enaltecendo a iniciativa de Oswaldo Cruz. Os positivistas eram contra a intervenção do Estado no corpo das pessoas, e alguns ocupavam, inclusive, postos do Governo", explica Ana Luce. O slogan do governo era: "Se não vacinar, morre!". Já a população revoltada rebatia: "Se vacinar, mato!". Assim se instituiu a Liga contra a Vacina Obrigatória, que tinha como sustentação políticos da oposição.

O historiador Nicolau Sevcenko, no livro A Revolta da Vacina, de 1993, expõe que nessa mobilização, a mídia teve um papel significativo, pois o jornal do Rio, A Notícia, publicou na seqüência um esboço do decreto elaborado por Oswaldo Cruz, e a partir de então o pânico e a indignação tomaram conta de toda a cidade.


O caráter autoritário das medidas de Oswaldo Cruz violava a privacidade do lar, considerada tradicionalmente sagrada. Caricaturas da época mostram a reação popular à obrigatoriedade da vacina e às inspeções sanitárias

O Rio de Janeiro virou palco de conflitos, com barricadas formadas pela população contra as autoridades públicas. Durante essa manifestação, repartições públicas foram depredadas, houve saques em estabelecimentos comerciais e bondes foram incendiados. O confronto foi tão sério que chegou ao ponto de deixar vítimas fatais. O quadro político entrou em estado de instabilidade, porque a oposição confabulava a derrubada do governo de Rodrigues Alves.

Quatro dias depois do início da revolta, a Escola Militar também se rebelou. O governo tomou medidas logo em seguida, conseguiu controlar os manifestantes e as forças legalistas ocuparam o comando da unidade militar. Por causa de todo esse reboliço, Oswaldo Cruz acabou voltando atrás quanto à obrigatoriedade da vacina, mas continuou com o seu plano de ação sanitário. "A obrigatoriedade da vacinação foi revogada, mas em 1908 surgiu um novo surto e as pessoas iam espontaneamente se vacinar no Rio de Janeiro. Somente em 1970 houve a erradicação mundial da doença", diz Ana Luce. Segundo a pesquisadora, a Revolta da Vacina foi um fenômeno complexo que envolveu também questões políticas, com a tentativa de um golpe de Estado, na fase da política do café-com-leite (que intercalava gestores de São Paulo e Minas Gerais no poder).

Com a reformulação do código sanitário, em 1904, o cerco também se fechou para as instituições de saúde privadas, porque exigia a obrigatoriedade da notificação dos casos de febre amarela. Até então, só havia registro da população mais carente que era atendida nos hospitais públicos. "Além de se colocar filós em volta das casas, como forma de proteção contra os insetos, muitas pessoas ficavam isoladas no Hospital São Sebastião do Caju (1903 a 1907), quando foi erradicada a febre amarela do Rio de Janeiro", explica Ana Luce. Tomadas essas medidas, outro surto da doença na cidade ocorreu apenas 21 anos depois.


A desconfiança da população com o governo republicano, empossado há pouco mais de uma década, somou-se ao fato de a biologia microbiana ser ainda uma ciência de vanguarda, sem o mínimo de divulgação entre as camadas populares. Abaixo, bonde tombado por manifestantes na Praça da República, no Rio de Janeiro, em 1904

Os Esforços de Oswaldo Cruz

O projeto do governo de Rodrigues Alves era estabelecer que o Rio de Janeiro seguisse os moldes europeus de Paris. "Para isso, a urbanização contemplava o aumento dos sistemas viários dos bondes, e uma cidade mais organizada e bonita esteticamente", diz Ana Luce. Os prédios centenários do centro do Rio de Janeiro, que ainda hoje podem ser vistos na cidade, começaram a ser construídos nesse período.

Oswaldo Cruz foi empossado como diretorgeral de saúde pública para auxiliar nesse novo conceito da capital e tinha também como atribuição a fiscalização dos portos de todo o Brasil. A tarefa não era nada fácil, pois exigia longos deslocamentos, que o cientista realizou com freqüência, principalmente entre os anos de 1905 e 1906, quando liderou expedições para vigiar as condições sanitárias de 23 portos brasileiros.

Os relatos sobre essas viagens, que o médico fez à esposa Miloca, a quem tratava carinhosamente de "Miloquinha", são verdadeiras peças históricas. Além das informações sobre a situação sanitária e cotidiana dessas localidades, os depoimentos dele revelam como eram as belezas naturais e ambientais. Quando foi a Vitória, no Espírito Santo, por exemplo, Oswaldo Cruz contou em um dos trechos de sua carta de outubro de 1905: "...Às 12h do dia 30, entrávamos a barra da Victoria passando ao lado do pharol de Moreno e junto ao lindo convento da Penha. Não podes imaginar que bello espectáculo se divisa então: o mar deita um braço de 300 a 400 metros de largura pelo interior da terra, inummeras ilhas verdejantes com bellas edificações são dispostas, formando um bello canal, ao fundo do qual, e à direita de quem entra, está a cidade de Victoria, disposta em amphitheathro, pequena illuminada pelo sol e cuja vista encheume da mais justificada alegria..."


De julho a setembro de 1910, Oswaldo Cruz empenhou-se em erradicar a malária das frentes de trabalho da construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré, na Amazônia (imagem acima)

Rodrigues Alves quis reformar a cidade do Rio de Janeiro de acordo com os moldes europeus

Ao mesmo tempo em que se deparou com um cenário belíssimo, Oswaldo Cruz observou um quadro sanitário deficiente: "...Passei depois a visitar a cidade: um verdadeiro chiqueiro: não há a minima hygiene, não há exgottos: os despejos são feitos no mar por meio de barris, de modo que às 10h da noite ninguém mais pode approximar-se das praias. Não há água, a não ser de uns poços immundos: há perto da cidade duas fontes de boa água, mas onde para recolher uma lata de Kerosene são necessárias cerca de 5 horas! E ainda assim são precisas três pessoas: uma para apanhar a água e duas para proteger esta contra o ataque dos outros que estão à espera!..".



Oswaldo Cruz sozinho e com sua turma do Instituto Pasteur. O sanitarista era abertamente apaixonado pela arte da fotografia e chegou a receber o apelido de "Dr. Fotógrafo"

De julho a setembro de 1910, o cientista enfrentou um novo desafio: erradicar a malária das frentes de trabalho da então vigorosa e controvertida construção da estrada de ferro Madeira- Mamoré, no coração da Amazônia. Contratado pelas companhias Madeira-Mamoré Railway e Port of Pará, o médico foi trabalhar em Porto Velho. Segundo relatos da época, a situação na região era preocupante devido à grande quantidade de trabalhadores no local: apenas durante a construção dos primeiros 90 quilômetros da ferrovia, estimava-se que 88 mil operários participaram da obra.

Em seu relato à esposa, ele disse o quanto fi- cou assombrado com as condições sanitárias em que os trabalhadores viviam: "...São verdadeiramente inhospitas! O impaludismo reina aqui de maneira assombrosa. Visitamos hontem a cidade de Santo Antonio. Não podes imaginar o que seja. Qualquer descripção por mais pessimista ficaria aquém da realidade. Basta que te diga que na cidade não há um só habitante filho do lugar. Todas as crianças que ali nascem morrem infallivelmente e as poucas ahi nascidas estão de tal modo doentes que fatalmente morrerão breve. A immundicie é incrível. Para dar uma idéia pallida do que é ella basta que te diga que matam os bois nas ruas e ahi abandonam as vísceras, cabeça, etc. que deixam apodrecer em plena rua, e o máo cheiro é de tal ordem que quase se fica suff ocado..." (Dossiê Miloca, carta 11/07/1910, Porto Velho/Santo Antônio).

Oswaldo Cruz também foi ao Estado do Pará com o intuito de eliminar a febre amarela de Belém

Em outubro de 1910, Oswaldo Cruz seguiu com sua equipe de médicos e da brigada matamosquito para o Pará com a incumbência de também erradicar a febre amarela de Belém. Lá coordenou o planejamento da campanha, que foi iniciada em novembro do mesmo ano. A liderança ficou por conta do membro de sua equipe, João Pedroso. Em seis meses, o grupo conseguiu eliminar a doença com as mesmas medidas adotadas no Rio de Janeiro, desde o combate ao mosquito, desinfecções e isolamento dos infectados.

Essas empreitadas se tornam rotineiras, tanto que em 1911, Oswaldo Cruz foi contratado pela empresa de distribuição de energia elétrica Light para tratar da questão da malária. O motivo era a ação que pesava sobre a empresa canadense à época, quando foi responsabilizada pela epidemia da doença, entre 1908 e 1909, na região de João Marcos, devido ao revolvimento de terra realizado durante a construção do reservatório da hidrelétrica no ribeirão das Lages.

A conclusão do cientista foi que as inúmeras quantidades de brejos locais já propiciavam a presença do mosquito-vetor da doença de forma endêmica há muito tempo, só que havia sido agravada para epidemia, por não terem sido adotadas medidas preventivas. Segundo ele, a Light não era responsável pela propagação da malária, e sim havia auxiliado na diminuição de casos de mortes, justamente pelo revolvimento das terras. Apesar da polêmica que girou em torno de seu parecer, a questão foi ratificada pelas Comissões da Sociedade de Medicina e Cirurgia e pela Academia Nacional de Medicina.

Abaixo, as fotos mostram as ações dos sanitaristas no Rio de Janeiro, que visavam principalmente exterminar mosquitos e roedores. O governo chegou a oferecer um tostão por cabeça de rato capturado


Esse cenário preocupante nas áreas urbanas e portuárias, que vinha se arrastando desde o fim do século XVIII, foi um dos principais motivos para a criação do Instituto Soroterápico Federal, com o objetivo de desenvolver soros, vacinas e apoiar as campanhas de saneamento promovidas pelo cientista, em 1899. Na década de 1970, o espaço foi denominado Instituto Oswaldo Cruz, hoje conhecido por Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), localizada no bairro de Manguinhos, na zona norte do Rio de Janeiro.

Vital e os Trabalhos em São Paulo

Quase ao mesmo tempo em que Oswaldo Cruz realizava seus trabalhos no Rio de Janeiro, o governo do Estado de São Paulo inaugurava, em 1901, o Instituto Butantan, que tinha à frente o cientista Vital Brazil (1865-1950). A intenção do Butantan era a mesma que do Instituto Soroterápico: melhorar as condições sanitárias locais.

Em 1898, a convite de Adolfo Lutz, diretor do Instituto Bacteriológico de São Paulo, Vital Brazil começou a trabalhar ao lado de Oswaldo Cruz com a identificação e prevenção do surto epidêmico da peste bubônica, em Santos, cidade do litoral paulista. O desafio era preparar o soro antipestoso contra a doença, na Fazenda Butantan, que deu origem ao Instituto. Em 1901, o Instituto produziu a primeira remessa do soro. "A peste bubônica era uma pandemia mundial e chegou ao Brasil pelo porto de Santos. Cruz, junto com o cientista Adolfo Lutz e Vital Brazil, adotaram a soroterapia e a vacina produzida pelo Instituto Pasteur, de Paris, no combate à doença", conta Ana Luce.

Cartas Médicas

O médico Vital Brazil, em foto tirada no ano de 1898

Mensagens que Vital Brazil escreveu para Oswaldo Cruz revelam como era desafiador vencer as doenças e criar vacinas

Em seus relatórios e cartas pessoais, Oswaldo Cruz e Vital Brazil demonstraram que cada pequena conquista no combate às doenças tinha um significado importante para eles. Vital Brazil escreveu a Oswaldo Cruz, em 20 de novembro de 1899, as primeiras experiências na batalha contra a peste bubônica, que demonstram o quanto era difícil e desafiador erradicar a enfermidade. Seguem alguns trechos da carta:

"... Regressei, como deves ter sabido, para S. Paulo, no dia 4 do corrente, trazendo algumas das minhas culturas, que pareceram-me em melhores condições. Aqui chegando meti-me logo em um trabalho insano e cruel, mui pouco apropriado ao meu estado de fraqueza. Foi uma imprudência de que me arrependo, porquanto o resultado foi ter de enfermar- me de novo por alguns dias. Hoje, felizmente, já estou melhor e desde ontem estive trabalhando..."

"... Fiz experiências, em pequenos animais, ratos e cobaias, com as culturas que trouxe de Santos. Resultados magníficos. Ainda não concluí, entretanto, o estudo das culturas..."

"Como já deves saber, o Governo adquiriu a fazenda do Butantan, destinando-a para o Instituto Serumtherapico do Estado. Soube pelo Ribas, que vistes e apreciastes muito aquele local para instalação do Instituto, o que muito agradou-me pela autoridade de tua opinião."

"Sou o encarregado do preparo do serum e quiçá da instalação do Instituto. Não sei se poderei com tamanha responsabilidade. Comecei a immunização de 4 cavallos pela injeção endovenosa de culturas mortas, até conseguirmos uma cocheira-enfermaria para os cavallos pestosos. Empregaremos então culturas virulentas..."

"A 1a injeção nos 4 cavallos correu bem. Apresentaram alguma reacção que não durou muito tempo. Hoje, porém, ao fazermos a 2a injeção perdemos subitamente um dos animaes, ao que parece de uma embolia."

"Como vae o teu Instituto? Contame as tuas esperanças e auxilia-me com os teus sábios conselhos. Peçote, com o maior empenho, que com a possível brevidade, me mandes a relação completa dos apparelhos, pequenos objetos e todo o material necessário para a installação de um Instituto serumtherapico..."

(Dossiê Vital Brazil - 1899/1914 - Acervo Biblioteca Virtual Oswaldo Cruz - Fundação Oswaldo Cruz - Casa de Oswaldo Cruz - DAD)

Acima: Oswaldo Cruz no Instituto Pasteur, à esquerda, e no laboratório do Instituto, à direita. Abaixo, o Instituto Butantan, em São Paulo, que tinha à frente o cientista Vital Brazil


As epidemias e as dificuldades sanitárias acabavam prejudicando o comércio externo brasileiro, que tinha como destaque a ascensão da área agrícola. Outro ponto era a questão da imigração que substituía a mão-de-obra escrava. Com as epidemias, os governos queriam impedir a vinda de pessoas ao Brasil, para não contraírem as doenças. A cidade do Rio de Janeiro chegou a ser conhecida como "túmulo dos estrangeiros". Estima- se que, entre 1897 e 1906, tenham morrido cerca de 4 mil imigrantes, em conseqüência da febre amarela.

Com a bagagem de todas essas experiências, os cientistas Oswaldo Cruz, Vital Brazil e suas equipes marcaram de forma significativa um importante capítulo da história sanitária brasileira. A prevenção por meio das vacinas constituiu um papel importante para a erradicação de surtos e epidemias, que vitimaram milhares de pessoas nos primeiros tempos da República. Até hoje, as ações que foram utilizadas naquele período servem de referência às políticas públicas do setor, pois foram os primórdios também da chamada medicina experimental.

Referências

MEIHY, José Carlos Sebe Bom e Filho, Claudio Bertolli. Revolta da Vacina. Editora Ática. 1995. SEVCENKO, Nicolau. A Revolta da Vacina. São Paulo, Editora Scipione. 1993. Dossiês Miloca/ Vital Brazil - 1899/1914 - Biblioteca Virtual Oswaldo Cruz - Fundação Oswaldo Cruz - Casa de Oswaldo Cruz - DAD Resumo da Memória Apresentada pelo Delegado do Brasil à 3a Convenção Sanitária Internacional reunida na Cidade do México de 2 a 7 de dezembro de 1907 e texto Prophylaxia da Febre Amarella - Memória apresentada ao 4º Congresso Médico Latino-Americano pelo Sr. Dr. Oswaldo Cruz - 1909. Material integra acervo "OSWALDO Gonçalves Cruz: Opera omnia. [Rio de Janeiro: Impr. Brasileira], 1972. 747p" - Acervo Fundação Oswaldo Cruz - Casa de Oswaldo Cruz Relatório Madeira-Mamoré Railway Company - 1910 - Considerações Gerais sobre as Condições Sanitárias do Rio Madeira - Oswaldo Cruz (http://www2.prossiga.br/Ocruz/textocompleto/ madeira_mamore/OpOm35-1.htm) Site Casa de Oswaldo Cruz: http://www.coc.fiocruz.br Monumenta Histórica - Tomo I - A Incompreensão de uma época - Oswaldo Cruz e a caricatura. Brasiliensia documenta (Acervo Instituto Butantan)

Revista Leituras na Historia

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