sábado, 23 de outubro de 2010

Amor e Sexualidade: o masculino e o feminino em grafites de Pompéia


Cláudio Umpierre Carlan
Doutorando no Departamento de História e pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos (NEE) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – Unicamp – 13081-970 – Campinas/SP. Bolsista CAPES. Orientador: Prof. Dr. Pedro Paulo Abreu Funari. E-mail: claudiocarlan@yahoo.com.br

FEITOSA, Lourdes Conde. Amor e Sexualidade: o masculino e o feminino em grafites de Pompéia. São Paulo: Annablume/Fapesp, 2005.

"Uma imagem é superior a mil palavras, e um símbolo a mil imagens."

Ditado Popular Chinês

A historiadora Lourdes Conde Feitosa já vem, há alguns anos, se dedicando a uma leitura detalhada dos grafites pompeianos. Essa riqueza iconográfica ficou durante muito tempo esquecida, em razão da pouca importância dada aàimagem como documento, pelo meio acadêmico brasileiro, ainda preso a um padrão historicista alemão do século XIX, para o qual a documentação "escrita" é a única forma de se construir a História.

Quem nunca leu essa afirmação: "a dificuldade de estudar Brasil Colônia é em razão da falta de documentação e textos escritos"? Se essa dificuldade, segundo esses especialistas, existe para o conhecimento e análise do caso brasileiro, imaginem em outras épocas, outras civilizações e outras culturas? Infelizmente essa herança do século XIX atingiu também os campos acadêmicos do século XX. Grande parte do vocabulário científico e seus conceitos, adotados hoje, foram construídos entre os anos de 1840 e 1890. A própria História, como ciência, teve de se adequar a essa construção, ao rigor dos padrões científicos newtonianos. "O documento fala por si", "sem documentação escrita não existe História". Qual historiador não ouviu, e tremeu, diante dessas frases de efeito?

Por meio de uma identificação inicial, seguida de uma profunda análise crítica, Feitosa nos apresenta os agentes responsáveis por essa produção iconográfica, mostrando para nós o quotidiano desses homens e dessas mulheres. Nos grafites encontramos várias expressões simbólicas relacionadas com sexualidade, amor, visão e crítica de uma sociedade antiga, congelada nas paredes de Pompéia, conservada graças a uma catástrofe da natureza. A importância dessas imagens no dia-a-dia romano era tanta que, a minissérie produzida e apresentada pelo canal HBO, "Roma", apresenta na abertura da película, junto com os créditos, os grafites como se estivessem "vivos", em movimento, reforçando essa forma de expressão para melhor entendermos essa sociedade, "antiga", mas tão presente no mundo contemporâneo.

A autora, em sua dissertação de mestrado, "Homens e mulheres romanos: o corpo, o amor e a moral segundo a literatura amorosa do primeiro século", realizada na Unesp de Assis, dando ênfase aos textos de Ovídio e Petrônio, já se preocupava em apresentar as diferenças entre o que nós definimos por "erotismo", ou até mesmo obsceno, para uma sociedade católica conservadora, e o que os romanos definiam como cotidiano, ou até mesmo religioso.

Muitos dos afrescos pompeianos, estátuas foram escondidos dos olhares públicos, por apresentar uma forte carga "erótica", segundo a definição moderna desse termo. Desde as primeiras escavações em Pompéia iniciadas no século XVIII, até o fascismo da década de 1920, essas imagens foram relegadas a um plano inferior. Apesar disso, não podemos esquecer que o próprio Mussolini usou Pompéia, e a Antigüidade Romana, como uma forma de legitimar o seu poder. As estátuas eqüestres do "duce" lembram muito as de Marco Aurélio. Sem falar na própria saudação fascista.

Mesmo tendo a imagens como ponto principal, esse trabalho não fica preso a uma simples análise iconográfica, ou a uma análise de conteúdo, relacionando o emissor com o receptor da mensagem imagética, por meio do grafito, de uma linguagem própria, onde estão apresentadas essas expressões populares, que lembram em muito as nossas charges e, até mesmo, as propagandas modernas. No capítulo quatro da obra, a autora faz uma alusão à expressão popular dos grafites.

Nos capítulos anteriores, além da dinâmica social, a autora faz uma nova leitura do cotidiano desses atores sociais. Através de uma profunda análise documental, levantamento incansável de novas fontes, faz um extenso trabalho comparativo entre fontes escritas e iconográficas. Os grafites, tão importantes para a compreensão do mundo romano, principalmente o cotidiano, são detalhadamente descritos pela autora.

Um dos grandes méritos do livro consiste em apresentar um estudo detalhado e aprofundado dessas classes populares romanas, explicando uma lenta composição ideológica e social de uma Pompéia forjada pelos gregos, etruscos e samnitas. Mostrando para nós uma política de resistência à dominação cultural romana.

A historiadora Lourdes Feitosa não subordina sua análise aos velhos padrões positivistas, mas, pelo contrário, apresenta um quadro variado e original. Portanto, trata-se de uma leitura obrigatória para todos que buscam interpretações tanto bem ancoradas nas documentações originais, escritas ou iconográficas.

Revista de História - UNESP

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