sábado, 4 de setembro de 2010

Virgínia Lane, a vedete do Brasil


Virgínia Lane, a vedete do Brasil
Uma das maiores musas do teatro de revista nas décadas de 40 e 50, Virgínia Lane relembra seu romance com o presidente Getúlio Vargas, homem que lhe concedeu o título desta entrevista
por Flávia Ribeiro
Cercada de lembranças, na casa em que vive, em Paraíba do Sul, Rio de Janeiro, Virgínia Lane, 87 anos, se emociona ao pensar em Getúlio Vargas, 53 anos após a morte do presidente. Não são recordações apenas de uma fãzoca. Segundo a ex-vedete conta, durante 15 anos ela e o mais controvertido dos chefes de estado do Brasil tiveram um romance. Virgínia fornece todos os detalhes da história: o gaúcho era romântico, gostava de serenatas e costumava presenteá-la com orquídeas brancas. “Gostei imensamente dele e do meu segundo marido, Ganio Ganeff. Foram meus dois grandes amores. Com Getúlio, pode não ter sido um amor eloqüente, mas foi um amor muito sensível”, diz “Getúlio era barrigudinho, baixinho, mas não tinha problema, pelo homem que ele era. Gostei dele desinteressadamente.” Virgínia diz que a família Vargas sabia do romance, inclusive a mulher dele, dona Darci. Porém em Diário, livro que reproduz anotações de próprio punho de Getúlio, ele não faz menção a amante fixa alguma. Mas deixa claro que traía (e muito) a esposa.
A ex-vedete não gosta de ser chamada de dona ou senhora. Sente-se velha. Continua a mostrar as famosas pernas nos palcos. Este ano encenou Sua Excelência, a Vedete em Volta Redonda, mais de quatro décadas depois de ter estreado a peça. “Interpreto Messalina, a maior prostituta da história!”, afirma. Ativa, com a voz firme, mora com a filha Marta, sete cães e suas memórias: “Não conheci outro homem com um caráter como o de Getúlio”.
História - A senhora diz ter sido amante de Getúlio. Por quanto tempo?
Virgínia Lane - Conheci Getúlio quando eu tinha 15 anos, era muito menina. Minha mãe nasceu em São Borja, como ele. Era 1935, fui para um churrasco vestindo saia curta e bota. Eu era bonita, ele ficou olhando. Mas o namoro começou mais para a frente, quando eu já estava com uns 19 anos. Durou quase 15 anos, até a morte dele, em 1954.
Como foi o início do romance?
Foi dentro de um teatro. Ele viu uma peça minha e foi ao camarim me cumprimentar. Me convidou para sair e eu agradeci, mas recusei. Não me sentia capacitada para sair com o presidente da República. Mas ele insistiu e fui cear com os amigos dele em uma churrascaria. Daí começou.
Getúlio era romântico?
Demais. Você não sabe como ele gostava de uma serenata. Em São Borja, contratava artistas para isso. E cantava junto, mas mal. Ele não tinha isso de dar brilhante, automóveis, nada disso. Era um homem que mandava flores. Sabia que eu adorava orquídeas. No meu sítio eu tenho dezenas de orquídeas brancas, todas originadas de uma que ele me deu. Nunca fui de tomar dinheiro, nada. Mostrava que a amizade que eu tinha por ele era pelo caráter. Não conheci outro homem com um caráter como o dele, nem os meus maridos. Eles tinham interesse na Vedete do Brasil. Getúlio me deu esse título, mas gostava de mim porque me achava culta e inteligente.
Ele não lhe deu nenhum bem material?
O sítio onde moro consegui por causa dele. Comprei em 1962, depois que ele morreu, mas com uma ajuda que ele tinha me dado antes.
Como vocês se encontravam? Onde?
Eu entrava e saía do Palácio do Catete pela porta da frente! Passava lá à tarde, tomava um chá e fazia uma espécie de matinê. Viajávamos muito também, inclusive para a Europa. Eu ia na frente com o Gregório [Fortunato, chefe da guarda pessoal de Getúlio], que me acompanhava em passeios, compras e até na assinatura de contratos. Visitamos Portugal, Itália, Espanha...
Como era o Gregório Fortunato?
Era um negro maravilhoso, que foi perseguido e assassinado dentro da cadeia. Foi morto porque sabia demais. Era muito gentil e ficava bobo porque eu falo cinco idiomas: português, espanhol, italiano, búlgaro e um pouco de alemão.
A senhora já disse que estava no palácio quando Getúlio morreu, mas historiadores contestam.
Como contestam? Como iam saber? Vou lançar um livro chamado Eu Vi Tudo. Mas não posso falar antes, meu advogado está tomando conta.
A senhora estava fazendo o que lá? Como foi isso?
Eu estava lá. O Brasil pensa que ele se suicidou, mas é mentira. Só que não posso falar nisso, estou proibida.
Mas que lei proíbe alguém de falar?
Meu advogado está tomando conta disso. Sei que me pediram judicialmente que não tocasse nesse assunto.
Você era uma vedete conhecida, bonita. O presidente era baixinho e gordinho. O que atraía nele? O poder?
Não, eu não tinha orgulho disso, não. Tinha orgulho de ter ao meu lado o homem que ele era. Você sabe que ele tirava um dia por semana para atender os pobres? Isso era importante. Muitas vezes eu ficava ao lado, anotando os nomes, endereços e problemas das pessoas que o procuravam. Ele tinha inimigos políticos porque gostava de ajudar quem precisava. Tenho aposentadoria graças a ele, porque antes dele não queriam dar carteira de trabalho a artista, não. Ele era barrigudinho, baixinho, mas não tinha problema, pelo homem que ele era. Gostei muito dele, desinteressadamente.
Ele foi seu único amor? Era paixão mesmo?
Gostei imensamente dele e do meu segundo marido, major Ganio Ganeff. Foram meus dois grandes amores. Com Getúlio, pode não ter sido um amor eloqüente, mas foi um amor muito sensível. Não sei explicar. Foi um amor educativo. Ele falava dando lição de moral, isso me cativava.
E do primeiro marido, você não gostou?
Não, foi casamento arranjado, convencionado. Um cala-boca. Getúlio fez força para que eu casasse com ele [o engenheiro agrônomo Sérgio Kroess]. Sabe que sou advogada formada? Eu ia encontrar Getúlio no palácio e de lá saía para a faculdade. Ele dizia: “Eu te fiz advogada, agora quero ver você casada!” Não queriam deixar eu me casar no Outeiro da Glória. Acho que porque eu tinha acabado de fazer o filme Anjo do Lodo, no qual interpretava uma prostituta, que aparecia nua. Procurei o Getúlio, ele disse que seria meu padrinho de casamento. Quem ia me impedir de casar no Outeiro assim? Casei lá!
Você sofreu preconceito por ser vedete?
Sofri. Achavam que eu fazia prostituta muito bem, no Anjo do Lodo e no teatro também, com a Messalina. Interpretei esse papel pela primeira vez há mais de 40 anos e continuo fazendo bem. Isso sem nunca ter sido prostituta! Eu fazia programas infantis na televisão também, o Coelhinho Teco-Teco. Fiz anos, dou aula pra Xuxa se ela quiser! As mães diziam: “A minha filha gosta do programa, como é que fica agora?” As famílias perguntavam: “Virgínia, precisava?” Mas hoje é que está uma esculhambação. Havia mais educação que agora. Eu chamo o que acontece hoje de concorrência desnudada: cada uma quer fazer sucesso mostrando mais corpo que a outra. Se a mulher hoje não mostrar a bunda, não faz sucesso. Mas minhas pernas fizeram mais sucesso que todas essas bundas juntas.
Getúlio elogiava suas pernas?
Elogiava, dizia sempre que eu sou linda.
Como era o Teatro de Revista?
Era um teatro que não tinha formação cultural, era para mostrar a beleza das mulheres. Só trabalhava quem era bonita mesmo, sem plástica, sem subterfúgios. Mas as piadas não eram indecentes. Era feito por cômicos familiares, trabalhei com Ankito, Oscarito, Grande Otelo. Nos anos 40 e 50, época de ouro! Tinha respeito, não tinha palavrão. Não gosto de palavrão. Adoro a Dercy [Gonçalves], ela é uma mulher maravilhosa, mas às vezes não gosto de conversar com ela por causa disso. Ela me pergunta: “Por que você não saiu freira no convento, hein, Virgínia?”
Ganhava-se muito dinheiro sendo vedete?
Não. Dava para pagar o maiô de paetê, o perfume... Devo ter uns 200 maiôs guardados. Também ajudei muito o Retiro dos Artistas, conseguia fazer isso. Era difícil, ganhava-se pouco. Eu já montei peça com meu dinheiro, já levei calote.
As vedetes se davam bem umas com as outras? Elas tinham inveja porque você era amante de Getúlio?
Eu me dei bem com todas, pena que a maioria já morreu. Éramos amigas, eu, Nélia Paula, Mara Rúbia, Sônia Mamede... Não tinham inveja, elas não ligavam. Diziam: “Também, com essas pernas você agarra o presidente pelo pescoço!”
Você conhecia outras pessoas do círculo de Getúlio?
O irmão dele, Benjamin, era muito meu amigo. Mas amizade sem essa coisa de homem e mulher.
E os filhos e a mulher dele?
Conhecia a Alzirinha [Alzira Vargas, filha e conselheira], ela não era contra. Dona Darci [Vargas, mulher] sabia. Fui visitá-la uma vez quando ela estava muito doente, já às portas da morte, e ela disse: “Virgínia, seja feliz e cuide bem de Getúlio”. Não era problema, principalmente se fosse uma mulher de respeito. Eu tinha respeito. Porque não é para qualquer mulher que o presidente da República vai se voltar, não. E era um respeito absoluto: ele não se gabava de ter garota nova, nem eu de ser do presidente.
Mas ela morreu 12 anos depois dele...
É, ela só estava muito doente, mas não morreu.
Você conheceu outros presidentes? Teve romance com algum outro?
O Juscelino Kubitschek viu muita peça minha. Depois ia no camarim e antes de entrar perguntava: “Posso entrar? Está visível?” Mas não tive romance com ele.
Você guarda alguma coisa de Getúlio?
A cuia de chimarrão dele está comigo. É de prata, muito bonita. A minha foi presente dele, é pequenininha. Ele sabia que eu era gaúcha na alma. Tenho também fotos dele. E no meu sítio tem um busto dele no jardim.

Saiba mais
Livro
• Brasil: Palco e Paixão – Um Século de Teatro Leonel Kaz, Aprazível Edições, 2004
Faz uma retrospectiva, com texto e fotos, da trajetória das artes e espetáculos no século 20 no Brasil.

Revista Aventuras na História

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