terça-feira, 28 de setembro de 2010

A condição da mulher na Idade Média (parte 1)

Durante toda a Idade Média, acreditava-se na explicação religiosa para a criação da mulher, ou seja, que ela teria sido criada por Deus a partir de uma costela de Adão. Imagem do século XIV
A condição da mulher na Idade Média

Situação social da mulher na Idade Média


No decorrer da Idade Média o pensamento teológico tomando como base o livro do Gênese, fez cair sobre a mulher o mais transgressor dos pecados para justificar, de algum modo, sua culpabilidade. A mulher tornou-se assim, alvo de significação de uma moral que ao mesmo tempo a fazia temida e desejada. Símbolo desprezível, mas sedutor, seguiu a mulher o caminho da serpente. É essa tradição que se perpetua durante a Idade Média, quando a mulher acha-se na absoluta dependência do pai e do marido. No tempo de Clóvis I (Rei dos Francos 466-511) o mundium* pesa sobre a mulher durante toda a vida. Os francos renunciaram à castidade germânica; na época dos merovíngios e dos carolíngios reina a poligamia. “A mulher não tem direito algum como pessoa, (...) é casada sem seu consentimento, repudiada segundo os caprichos do marido que tem sobre ela direito de vida e de morte. Tratam-na como uma serva. É protegida pelas leis, mas na qualidade de propriedade do homem e mãe de seus filhos”.73
A partir de Carlos Magno, o mundium* que pesa sobre as mulheres pertencerá ao rei.
A princípio, ele só intervém nos casos em que a mulher é privada de seus tutores naturais, mais tarde, ele açambarca os poderes familiais. No entanto, nessa mudança, o mundium* torna-se uma obrigação onerosa para o tutor. Ele tem o dever de proteger sua pupila e essa proteção redunda para a mulher na mesma escravidão de outrora. Entretanto, quando o Estado se torna poderoso, esboça-se a evolução que houve em Roma: a tutela dos incapazes, como crianças e mulheres deixam de ser um direito de família para tornar-se um encargo público.
A ideologia cristã de repúdio ao universo feminino contribuiu muito para o quadro de opressão da mulher que se estabeleceu na Idade Média. Encontram-se no Evangelho um discurso de caridade que se estende tanto às mulheres quanto aos leprosos, aos pequenos e aos escravos, e são elas que se apegam à nova lei. Logo ao início do cristianismo, quando se submetiam ao jugo da Igreja, eram as mulheres relativamente honradas as que testemunhavam como mártires ao lado dos homens. Elas não podiam, entretanto, tomar parte do culto senão a título secundário; as “diaconisas*” só eram autorizadas a realizar tarefas difíceis, cuidar dos doentes ou socorrer os indigentes. No casamento, encarado como instituição que exige fidelidade recíproca, parece evidente que a esposa deve ser subordinada ao esposo; através dele, afirma-se a tradição judaica ferozmente misógina. Baseado no Antigo e no Novo Testamento, o princípio da subordinação da mulher ao homem exige das mulheres discrição e modéstia. Segundo São Paulo “o homem não foi tirado da mulher e sim a mulher do homem, e o homem não foi criado para a mulher e sim esta para o homem”. E alhures: “assim como a Igreja é submetida a Cristo, em todas as coisas submetam-se as mulheres a seus maridos”.74
Numa religião em que a carne é maldita, a mulher se apresenta como a mais temível tentação do demônio. Tertuliano escreve: “Mulher, és a porta do diabo. Persuadiste aquele que o diabo não ousava atacar de frente. É por tua causa que o filho de Deus teve de morrer; deverias andar sempre vestida de luto e de andrajos.”75
Santo Ambrósio diz que Adão foi induzido ao pecado por Eva e não Eva por Adão.
Assim sendo, é justo que a mulher aceite como soberano aquele que ela conduziu ao pecado.
São João Crisóstomo diz: “Em meio a todos os animais selvagens não se encontra nenhum mais nocivo do que a mulher”.76 Quando surge o direito canônico no século IX, o casamento advém como uma concessão às fraquezas humanas, é incompatível com a perfeição cristã.
São Jerônimo ainda enfatiza que o casamento é como uma árvore estéril que deve ser estirpada pelas raízes. A partir de Gregório VI, quando o celibato é imposto aos padres, o caráter perigoso da mulher é severamente sublinhado; todos os Padres da Igreja lhe proclamam a abjeção. São Tomás será fiel a essa tradição ao declarar que a mulher é um ser “ocasional” e incompleto, uma espécie de homem falhado. “O homem é a cabeça da mulher, assim como Cristo é a cabeça do homem.[...] É indubitável que a mulher se destina a viver sob o domínio do homem e não tem por si nenhuma autoridade”.77 Deste modo, o direito canônico só admite como regime matrimonial o regime dotal que torna a mulher incapaz e impotente. Não somente os ofícios viris lhe são proibidos, como ainda se lhe veda depor nos tribunais e não se dá nenhum valor a seu testemunho.
Os imperadores sofrem a influência dos Padres da Igreja de modo amenizado; a legislação de Justiniano honra a mulher como esposa e mãe, mas a escraviza a essas funções; sua incapacida de decorre de sua situação no meio da família. O divórcio é proibido e exige-se que o casamento seja um acontecimento público; a mãe tem sobre o filho uma autoridade igual à do pai, e o mesmo direito à herança. Morrendo o marido, torna-se ela a tutora legal. O “senatus-consulto veleiano*” é modificado. Doravante ela poderá obrigar-se em benefício de terceiros, mas não pode contratar por seu marido. O dote torna-se inalienável por ser o patrimônio dos filhos e ela não pode dispor dele.
A essas leis justapõem-se, nos territórios ocupados pelos bárbaros, as tradições germânicas. Os costumes dos germânicos eram singulares. Só admitiam chefes durante as guerras. Em tempo de paz a família era uma sociedade autônoma. Parece ter sido intermediária entre os clãs fundados na filiação uterina e a gens patriarcal. Numa sociedade em que toda capacidade se encontrava na força bruta, a mulher era inteiramente impotente, mas reconheciam-lhe direitos que a dualidade dos poderes domésticos, dos quais ela dependia, lhe assegurava. O marido comprava-a, mas o preço da compra constituía uma renda da qual ela era proprietária, além disso recebia um dote de seu pai. Parte da herança paterna era recebida por ela e, em caso de assassínio dos pais, uma parte lhe era paga pelo assassino.
“Na paz como na guerra, ela partilha a sorte dele, com ele vive, com ele morre”78 escreve Tácito.
Por ter raízes em sua fraqueza física, a incapacidade da mulher não era encarada como expressão de uma inferioridade moral. Havia mulheres sacerdotisas e profetisas, o que leva a supor que, em certos casos, tinham uma instrução superior à dos homens.

73 de BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo: fatos e mitos. Vol. 1. São Paulo: Editora Nova Fronteira, 1989. p.128.
74 de BEAUVOIR, Simone, op. cit. p.127.
75 ibid., op. cit., p. 127.
76 id., op. cit., p. 127
77 de BEAUVOIR, Simone, op. cit., p. 127.
78 ibid, op. cit., p. 128.


O artigo é parte integrante da tese de mestrado defendida na UNB
A Roupa, a Moda e a Mulher na Europa Ocidental Medieval
Reflexo da opressão sofrida pela mulher na Idade Média (século: XI-XV)
Orientadora: Prof.ª Drª Maria Eurydice Barros Ribeiro
Aluna: Georgia M. de Castro Santos

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