quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Castelos: Poder e Soberania

As fortificações foram pontos de concentração de poder, com uma sociedade definida em cada detalhe pela vontade de seus senhores.
por Georges Duby


Habitantes do castelo defendem-se jogando pedras em seus agressores

Seja na forma de uma rústica edificação rural ou na impressionante arquitetura de Versalhes, o castelo tem uma carga emocional muito particular.

Há, na Europa, muitas regiões salpicadas de áreas delimitadas, que têm como centro essa construção simbólica da nobreza. Em espaços vastos o suficiente para acolher toda uma população com seu gado e reservas.Alguns estavam em plena atividade durante a alta idade média e outros mantiveram a mesma função ainda por volta do ano 1000.

Em algumas cidades da França, havia alguns erguidos sobre vestígios de monumentos romanos. Na região plana, a maior parte das antigas fortificações foi abandonada por novos fortes, que não se organizaram segundo um plano de conjunto. O aparato defensivo se estreitou, concentrando-se no torreão - donjon, em francês -, termo, como o vocábulo danger - perigo -, derivado da palavra dominium, que exprime o poder do senhor. Construído de madeira ou de pedra, esse tipo de edifício de três níveis não era uma residência. As moradias ficavam à distância e incluíam a "sala", onde se ostentava o poder publicamente. A função da torre era militar e simbólica. Também servia de esconderijo para guardar bens preciosos. Acima ficavam os vigias, que abarcavam com o olhar o conjunto do distrito, e o estandarte, emblema de poder. Quando não estava fixada num penhasco, numa "rocha", a torre se elevava no alto de um montículo de terra de dez metros de altura e cuja plataforma cobria apenas uma dezena de metros quadrados. Era o "mouchão", que dominava uma série de aterros menores, em que se dispersavam os prédios residenciais e de serviço.

Na primeira metade do século XI, multiplicaram-se as referências, muitos dos edifícios mantidos por personagens sem laços políticos com os representantes do poder real. No período em que poder público e poder privado se fundiram, disseminou-se a tentação de edificar "mouchões" e torres. Livremente, ao sabor das circunstâncias. Certifica-o um regulamento elaborado em 1091, conhecido pelo nome Constitutiones et justitiae. Ele fixava princípios anunciados 40 anos antes por Guilherme, o Conquistador: "Ninguém, na Normandia, pode cavar uma fossa em terreno plano, a não ser que, do fundo dessa fossa, a terra possa ser jogada para cima sem a ajuda de uma escada de mão, nem ali estabelecer mais do que uma linha de paliçada, e isto sem redentes nem caminho de ronda; e ninguém pode fortificar uma rocha nem uma ilha". O poder soberano autorizava cercas ao redor das "Cortes", mas exigia que fossem leves; nada de mouchões, nada de castelos novos.

A torre era o signo de um domínio. Eventualmente, seu guardião comandava em nome de um superior, de um senhor do regnum ou do condado. Nesse caso, era designado pelo ofício que exercia: castelão, castellanus. No entanto, a maior parte do tempo, não dependia de ninguém. Era o dono, algo muito bem expresso no título que se arrogava, dominus ou sire em língua vulgar. O poder real estava em suas mãos. Mas, fosse o castelo i ndependente ou não, lá o chefe empunhava a espada da justiça, entregue por Deus aos guerreiros para a manutenção da paz na terra.

Quando já não era fisicamente capaz, próximo da morte ou da senilidade, o senhor transmitia suas funções a um dos filhos ou parente próximo, em cerimônia solene.
Uma parte da guarnição considerava o sucessor um intruso do qual convinha se livrar. Não faltavam candidatos à herança: em suas veias corria o sangue do falecido amo, eram os irmãos mais novos, os sobrinhos, os primos e sobretudo os bastardos. Em parte, essa "família" era consangüínea. No entanto, sua coesão procedia principalmente de uma camaradagem aquecida pela comensalidade e pela ação comum. Os guerreiros do castelo eram condôminos do poder ligado à fortaleza, e o senhor não podia geri-lo sem consultá-los. Eles ajudavam a afirmar esse poder.

Esses homens brutais, que rivalizavam incessantemente, que oscilavam entre o amor e o ódio mútuos e dormiam juntos na sala quando se tirava a mesa da refeição coletiva, recebiam o reforço temporário de outros cavaleiros ligados à fortaleza, mas que moravam em casa própria, seja no interior da castelania ou fora do distrito. Eis como se assegurava a guarda do castelo condal de Vendôme, por volta de 1025. Em abril e em maio, meses de exuberância militar, o próprio conde se unia à sua "sala", o rancho de soldados, mas, durante os outros sete meses, a cidade era protegida por guerreiros de uma espécie diferente. Designava-os individualmente a palavra latina miles. Era um título que, nas listas de testemunhas, os escribas ciosos da classificação social uniam a seus nomes próprios, enquanto a alcunha - o uso se propaga no começo do século XI - não era um mero apelido, e sim o nome do território onde residiam. Eram de uma classe superior. A estes, agregaram-se guerreiros do castelo, casados um após outro pelo senhor, por ele fixados numa terra, um "encasamento". Eles permaneciam mais estreitamente ligados à torre: dos 55 milites vinculados ao castelo de Picquigny no fim do século XII, 25, que residiam mais perto da fortaleza, descendiam desses cavaleiros. A "milícia do país" não era integralmente oriunda da nobreza antiga, mas tendia a se fechar em seus privilégios.

Só um se casava
Nas regiões de população mais rarefeita, o número de "moradores" privilegiados parece não ter aumentado nos séculos XI e XII; ao contrário, tendeu mais a se reduzir devido a um ajustamento das estruturas de parentela a um modelo principesco construído em função da honra, do exercício do poder público. Vale lembrar que, no século X, o poder dos príncipes não se dividia nas sucessões: um só varão o tomava inteiramente, em geral, o primogênito. Para evitar fissuras, elaboraram-se estratégias matrimoniais rigorosas. O chefe da casa se empenhava em casar todas as filhas a fim de, por meio delas, ou melhor, de seus filhos, firmar alianças úteis com outras casas. Mas procurava evitar que todos os filhos homens tomassem mulher legítima. Somente um se casava.

Graças a essas práticas, as honras principescas, mantidas pela descendência masculina, as linhagens, conservaram a unidade ao longo das gerações. Enquanto o dever de dirigir o povo se esfacelava castelo por castelo, costumes parecidos se aplicaram àquela honra que era a castelania, preservando-a da divisão. Eles se impuseram pouco a pouco às moradas de guerreiros que, pelo feudo, participavam do serviço público, e os cavaleiros domésticos também os adotavam quando seu mestre os instalavam num patrimônio. Esses usos que limitavam a nupcialidade masculina introduziram um temível fermento de turbulência no seio da sociedade aristocrática. Tornavam ilegítima a sexualidade da maioria dos homens adultos, multiplicando os bastardos. Mas a verdade é que o grande problema não provinha disso.

Formados no ofício das armas, talvez eles fossem mais bem integrados ao grupo familiar do que seus irmãos nascidos de uniões formais: estavam excluídos de herança, mas permaneciam na casa. Já os filhos e os sobrinhos legítimos geralmente a abandonavam, na adolescência. Assim como os soberanos da alta Idade Média "sustentavam" os filhos de seus fiéis durante o aprendizado, o príncipe acolhia em sua Corte os dos senhores dos castelos satélites, e estes tratavam do mesmo modo os meninos nascidos nas moradas dos "guerreiros do país". Esse sistema educacional era, ao mesmo tempo, fator de ordem e de desordem. Tendo recebido as armas, os cadetes não retornavam ao lar paterno, mantinham-se junto do pai adotivo, empenhados em bem servi-lo na esperança de dele obter o presente mais cobiçado, uma esposa e um encasamento.

Era muito simples a configuração da sociedade leiga. Dividia-se em dois grupos: de um lado, os homens de guerra e de serviço, os milites - palavra do latim vulgar que significa "cavaleiro" -, de outro, os rustici, os rústicos, os que trabalhavam a terra. Estes ficavam sob o domínio do castelo. Todos eles ficavam sob a proteção daquele que mandava: fossem vilões residentes no território, naturais do lugar ou recém-chegados acolhidos como "hóspedes".

O senhor da fortaleza, tal como o rei, ficava encarregado de uma missão dupla. Devia protegê-los e sobretudo defendê-los dos locais, sempre dispostos a despojá-los de tudo. Devia vingá-los caso fossem vítimas de um crime grave, punir o homicídio, o furto, o rapto, o incêndio, o adultério. Nesse caso, a vingança era pública, pois tais delitos desonravam a comunidade. Não havia necessidade de queixa, do "clamor" dos que haviam sido lesados, para que se infligisse ao culpado um castigo corporal, exposição, flagelação, mutilação, enforcamento. A essa alta justiça, dita de sangue, não escapavam os membros das famílias protegidas pelos cavaleiros ao redor de sua morada.

Em troca da segurança oferecida, o senhor queria contrapartida. Primeiramente, como o rei, exigia ser ajudado no exercício de sua função. Os vilãos fortes (não portavam espada, nem montavam cavalos, porém manejavam outras armas, embora a aristocracia vivesse no temor das insurreições populares), deviam acompanhar a pé a cavalaria quando das expedições ofensivas. Esperava-se sobretudo que contribuíssem com a defesa pública pelo trabalho manual, a corvéia. Eram os camponeses que cavavam as fossas, erguiam o mouchão, cortavam e fincavam as estacas das paliçadas. Calcula-se que a edificação de um fortim demandava o trabalho de 50 operários durante quatro dias.

Aos chefes do castelo, os casebres camponeses deviam acima de tudo abastecimento. Duas palavras o designam: exactio, que, sem nenhuma inflexão pejorativa, significa coleta; e consuetudo, que quer dizer costume. Qualificar certos costumes de maus pressupunha, com efeito, a existência de bons. A própria palavra utilizada implicava o consentimento dos homens que pagavam impostos e guardavam a lembrança dos usos justos. Para os amos, e sobretudo seus agentes, a senhoria era um negócio. À medida que as comunidades camponesas se tornavam menos famélicas, seus defensores procuravam extrair cada vez mais. Introduziram no costume seu direito de "talhar", como o vocabulário da época dizia sem rodeio, de tomar à vontade. Muitas comunidades, porém, se rebelaram.

Esse sistema de exploração teve forte influência sobre a evolução econômica e social das regiões da França. Alimentou a generosidade dos senhores e as dilapidações dos cavaleiros. Também teve o efeito de nivelar a classe dos explorados. Por um lado, igualmente percebidas em todos os lares camponeses, as exações, cobranças rigorosas de taxas, aplainaram as distinções jurídicas entre os livres e os outros: no curso do século XI, caíram em desuso os antigos vocábulos que designavam os escravos. Por outro, elas foram, nos primeiros tempos, pesadas demais para reabsorver os desvios de riqueza entre aqueles que os cavaleiros designavam por "rústicos". Enfim, cavaram um fosso profundo entre os explorados e aqueles, gente de oração e gente de guerra, isentos de descontos graças aos serviços que deviam prestar e pelos quais cada um recebia sua parte. Pela fiscalidade senhorial, a sociedade se dividiu em dois campos. De um lado, a solidariedade na resistência. De outro, a altivez do privilégio e o desprezo pelos que dele não participavam.

Os escribas denominavam distrito, "estreito" (do latim distringere) o território protegido pela torre. A ordem era estabelecida pela coação implacável. Para os camponeses e os viajantes, o homem que comandava a fortaleza era o dominus, o dono. Mas, na linguagem falada, era o senhor, vale dizer, o mais velho. Os cavaleiros eram igualmente coagidos, mas por um impulso livre do coração. Pressupunha-se que amavam o homem que os reunia sob o seu estandarte, tal como numa casa os jovens amam o idoso. Essa relação unia os homens do mesmo sangue.

Como os cavaleiros do cantão se tornavam quase filhos seus pela homenagem, o senhor estendia sua justiça sobre eles. Entretanto a exercia com prudência, com flexibilidade. A generosidade do senhor mantinha a lealdade dos vassalos. Ele devia distribuir o que extraía do seu poder. A única coerção que a cavalaria suportava no espaço restrito do distrito procedia da reciprocidade do dom. Esperava do amo da torre o prazer, os festins, mulheres, o encasamento, o feudo enfim, a participação nos lucros da exploração senhorial. Em troca, ele oferecia ajuda e conselho. Todavia o prazer era, acima de tudo, o de combater, de juntos partirem, de atacarem, de pilharem em terra alheia. Todo senhor devia "fazer o bem" aos seus homens concretamente. Sem generosidade, não havia serviço.

Toda a ordem se apoiava nos castelos, que se integravam à cidade, isto é, ao vestígio mais evidente das antigas estruturas estatais, e seus guardiões deviam ao príncipe uma fidelidade de Estado. Seu encargo era considerado uma "honra", e o que se lhes concedia no castelo era tido por um "fisco". Em contrapartida, os auxiliares desses guardiões eram definidos como "vassalos", concessionários de um "feudo", pelo qual participavam do poder de coerção que emanava da torre e do que ele produzia.

O dever do "fiel", daquele que jurava fidelidade ao seu dominus, era o de abster-se de lhe causar dano. A fidelidade não era senão segurança jurada. Mas, se o fiel recebesse um "encasamento" do senhor, não bastava apenas se abster de fazer o mal, cabia-lhe fazer o bem para merecer a benfeitoria. Ele devia ajuda e conselho ao senhor desde que este lhe dispensasse tratamento equivalente. Do contrário, seria caso de má-fé. Ele era culpado. No entanto, o "encasado" que faltasse ao dever era mais culpado ainda: por ser pérfido e perjuro. O senhor apenas prometia. O homem jurava. E o perjuro era passível de castigo infligido em nome da "lei divina".

-Tradução de Luiz A. de Araújo

Revista Historia Viva

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