quinta-feira, 5 de agosto de 2010

John Locke - Um explorador do entendimento humano

Pensador inglês via na mente da criança uma tela em branco que o professor deveria preencher, fornecendo informações e vivências
Márcio Ferrari (novaescola@atleitor.com.br)

Fotos: Getty Images

A influência do inglês John Locke (1632-1704) costuma ser separada em três grandes áreas. Na política, ele foi o pai do liberalismo como o conhecemos hoje: é o autor de dois tratados de governo que sustentaram a implantação da monarquia parlamentarista na Inglaterra, inspiraram a Constituição dos Estados Unidos e anteciparam as idéias dos iluministas franceses. Na filosofia, construiu uma teoria do conhecimento inovadora, que investigou o modo como a mente capta e traduz o mundo exterior. Na educação, compilou uma série de preceitos sobre aprendizado e desenvolvimento, com base em sua experiência de médico e preceptor, que teve grande repercussão nas classes emergentes de seu tempo.

Mas essas três vertentes não são estanques. A grande e duradoura importância de Locke para a história do pensamento está no entrecruzamento de suas áreas de estudo. Assim, a defesa da liberdade individual, que ocupa lugar central na doutrina política lockiana, encontra correspondência na prioridade que ele confere, no campo da educação, ao desenvolvimento de um pensamento próprio pela criança.

E suas investigações sobre o conhecimento o levaram a conceber um aprendizado coerente com sua mais famosa afirmação: a mente humana é tabula rasa, expressão latina análoga à idéia de uma tela em branco. "A razão, inicialmente, encontra-se apenas em potência na criança", diz Clenio Lago, da Universidade do Oeste de Santa Catarina.

Biografia

John Locke nasceu em Wrington, no sudoeste da Inglaterra, em 1632. Aos 20 anos, entrou para a Universidade de Oxford, onde orientou os estudos para as ciências naturais e a medicina. Em 1666, numa visita a Oxford, o lorde Anthony Ashley-Cooper, futuro conde de Shaftesbury, precisou de cuidados médicos e foi atendido por Locke. No ano seguinte, ele se tornou conselheiro do lorde para questões de saúde, política e economia. Por influência de Ashley, Locke ajudou a elaborar a Constituição do estado norteamericano da Carolina. Depois de uma temporada na França, o filósofo foi chamado por Ashley a assumir um cargo de conselheiro no governo do rei Carlos II. Uma reviravolta política afastou ambos do poder. Perseguido, Locke se refugiou na Holanda. Com a Revolução Gloriosa na Inglaterra, voltou na comitiva do novo rei, Guilherme de Orange. Em seus últimos anos, viveu no campo, perto de Oates, e foi mentor intelectual do Partido Liberal. Morreu de causas naturais em 1704.

Treino para a razão

É por isso que, para Locke, o aprendizado depende primordialmente das informações e vivências às quais a criança é submetida e que ela absorve de modo relativamente previsível e passivo. É, portanto, um aprendizado de fora para dentro, ao contrário do que defenderam alguns pensadores de linha idealista, como o suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), e a maioria dos teóricos da educação contemporâneos.

"A concepção construtivista, por exemplo, institui-se com base na relação entre sujeito e objeto, enquanto a visão lockiana enfatiza apenas o objeto", explica Lago. Embora considerasse que a origem de todas as idéias estava fora do indivíduo, Locke via a capacidade de entendimento como inata e variável de pessoa para pessoa.

O triunfo liberal sobre o poder absoluto

Alegoria do desembarque de Guilherme de
Orange na Inglaterra: vitória da burguesia.

A volta de Locke à Inglaterra, em 1688, na comitiva do novo rei, Guilherme de Orange, teve um forte aspecto simbólico. Significou o triunfo das idéias liberais do filósofo a respeito da organização do Estado e a consolidação do poder político da burguesia. Guilherme de Orange desembarcou no país com o propósito de recorrer às armas contra o rei Jaime II, que acabou fugindo para a França. O monarca, católico e impopular, havia atraído o descontentamento da cúpula da Igreja Anglicana, que articulou o retorno do futuro soberano. O episódio, que passou para a história como Revolução Gloriosa, foi na verdade uma transição pacífica, mas significou uma mudança profunda no sistema político, antes baseado no poder absoluto do rei. Assim que assumiu, Guilherme de Orange convocou um Parlamento. A nova casa legislativa publicou uma declaração de direitos, inaugurando a monarquia constitucional, que, atualizada, vigora até hoje no país. A deposição de um rei por descontentamento popular foi ao encontro das idéias que Locke expôs no Segundo Tratado sobre o Governo. Na obra, o filósofo defende que a administração do Estado se sustenta num pacto social entre o rei e o povo, tendo em vista o bem-comum. Se os interesses do povo são contrariados, justifica-se a deposição do monarca. Locke, para relativizar o poder do trono, argumentava que todos os cidadãos têm o direito natural à liberdade e à propriedade, ainda que, no último caso, excluísse, na prática, aqueles que vendiam sua força de trabalho aos donos de terras.

Os dois fundamentos iniciais de sua obra mais importante, Ensaio sobre o Entendimento Humano, são a negação da existência de idéias inatas - o que contrariava o legado do filósofo mais influente da época, o francês René Descartes (1596-1650) - e o princípio de que todas as idéias nascem da experiência, refundando, na ciência moderna, o empirismo. Ao combater o inatismo, Locke se opunha às correntes de pensamento que encontravam no ser humano a idéia natural de Deus e noções de moral ou bondade intrínsecas. Tudo isso seria atingido apenas pela razão. Os princípios morais derivariam de considerações a respeito do que é vantajoso para o indivíduo e para a coletividade.

A educação ganhava, desse modo, importância incontornável na formação da criança, uma vez que, sozinha, ela se encontra desprovida de matéria-prima para o raciocínio e sem orientação para adquiri-lo, estando fadada ao egocentrismo e à ignorância moral.

Apesar do valor que dava à racionalidade, Locke era cético quanto ao alcance da compreensão da mente. O objetivo de sua obra principal foi tentar determinar quais são os mecanismos e os limites da capacidade de apreensão do mundo pelo homem. Segundo o filósofo, como todo conhecimento advém, em última instância, dos sentidos, só se pode captar as coisas e os fenômenos em sua superfície, sendo impossível chegar a suas causas primordiais. Do material fornecido pelos sentidos nasceriam as idéias simples que, combinadas, formariam as mais complexas. O conhecimento não passaria de "concordância ou discordância entre as idéias".

Para Locke, as crianças não são dotadas de motivação natural para o aprendizado. É necessário oferecer o conhecimento a elas de modo convidativo - mediante jogos, por exemplo. E, embora desse primazia teórica às sensações, não via nelas função didática: educar com prêmios e punições (para provocar prazer e mal-estar) seria manter os pequenos no estágio mais primário do entendimento humano. Levá-los a pensar faria com que rompessem a dependência dos sentidos. Embora não descartasse a possibilidade de castigos, inclusive corporais, Locke afirmava que seu uso poderia fazer com que as crianças se tornassem adultos frágeis e medrosos.

Guia para a formação do cavalheiro


Retrato de um típico gentleman do
século18: educação para a virtude
e as boas maneiras

No livro Alguns Pensamentos Referentes à Educação, Locke afirma que "é possível levar, facilmente, a alma das crianças numa ou noutra direção, como a água". Formar um aluno, sob o aspecto intelectual ou moral, seria exclusivamente um resultado do trabalho das pessoas que os educam - pais e professores, a quem caberia sobretudo dar o exemplo de como pensar e se comportar, treinando a criança para agir adequadamente. O aprendizado deveria ser feito por meio de atividades. A idéia era que a criança, pelo hábito, acabaria por entender o que está fazendo. Para Locke, a educação ideal seria promovida em casa, por um preceptor, papel que ele próprio desempenhou para os filhos de alguns amigos. "Locke pensou somente nos homens burgueses, destinados a ser os novos governantes, pois acreditava que por intermédio do exemplo dado por eles seriam educados os demais", diz Clenio Lago. A conduta e a ética do gentleman (o cavalheiro burguês), incluindo as boas maneiras, tinham prioridade sobre a instrução. A saúde e o controle do corpo também ganharam destaque porque Locke preconizava certo endurecimento físico para facilitar a autodisciplina e o domínio das paixões.
Para pensar

Locke acreditava que as crianças vêm ao mundo sem nenhum conhecimento, mas já trazendo inclinações e principalmente um temperamento. O educador deveria observar as características emocionais do aluno para submetê-lo a diferentes métodos de aprendizado. Mesmo que as concepções de conhecimento do filósofo estejam parcialmente ultrapassadas, essa é uma recomendação que ainda pode ser levada em conta. Você, como professor, costuma observar e analisar o temperamento de seus alunos?
Quer saber mais?

História da Educação e da Pedagogia, Lorenzo Luzuriaga, 312 págs., Cia. Ed. Nacional,
tel. (11) 2799-7999.John Locke, coleção Os Pensadores, 320 págs., Ed. Nova Cultural, tel. (11) 3039-0933 (edição esgotada)
Locke e a Educação, Clenio Lago, 130 págs., Ed. Argos.
Revista Nova Escola

3 comentários:

  1. Thank you reminding me of this wonderful philosopher... will pick one of his sciptures and read - holidays, plenty of time!

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  2. Ciertamente Locke, junto a Descartes, establecieron dos interesantes perspectivas del conocimiento y del aprendizaje. La perspectiva de Locke devuelve un rol protagónico al docente y al mundo en el aprendizaje, por lo tanto es importante que veamos qué es lo que los niños aprenden de su entorno. Pero sí hay innatismo en el hombre como lo ve Chomsky en el lenguaje (y que me parece válido). Hay mucho por discutir.

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